Acórdão nº 50038342420208210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoSétima Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50038342420208210014
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001542070
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003834-24.2020.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora GLAUCIA DIPP DREHER

APELANTE: GILVANE ARAUJO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Esteio, o Ministério Público denunciou G. A., nascido em 02/08/1974, atualmente recolhido ao sistema prisional, nas sanções do artigo 217-A, caput, diversas vezes, na forma do artigo 226, inciso II e do artigo 130, caput, na forma do artigo 69, todos do CP, pela prática dos seguintes fatos delituosos (nomes suprimidos da denúncia):

1º FATO:

Em datas não esclarecidas, anteriores ao dia 29 de julho de 2019, em horários não esclarecidos, na Rua Geraldo José de Almeida, n.º 156, em Esteio-RS, o denunciado G.A., mediante violência presumida, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a criança A.B.F..

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas no fato anterior, o denunciado G.A. expôs a criança A.B.F., por meio de ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabia estar contaminado.

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS DELITUOSOS

Para perpetrar os delitos, aproveitando-se de momentos em que ficava a sós com a vítima, o denunciado, que é casado com uma prima da vítima e ajudava na criação da menina, em diversas oportunidades, passava a mão e o pênis no corpo de Andrielle, inclusive em suas nádegas, encostando o órgão no ânus e na vagina da criança, além de fazer com que ela colocasse a mão dentro de sua calça, tocando o seu órgão sexual.

O denunciado Gilvane ainda beijava a boca da menina, perguntando se ela gostava. Em uma oportunidade, o denunciado colocou o pênis na boca da criança Andrielle, que na ocasião dormia com uma chupeta, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia. Nas oportunidades, o denunciado expôs a risco de contágio de moléstia venérea, qual seja Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA-AIDS), provocada pelo agente patogênico HIV, ao com ela praticar os atos mencionados. Os fatos foram praticados mediante violência presumida, em razão da parca idade da vítima, nascida em 08/10/2012 (certidão de nascimento na fl. 6 do arquivo contendo o inquérito policial – evento 01).

Denúncia recebida em 14 de dezembro de 2020 (evento 3, DOC1).

Citado (12.1), o réu, por intermédio de Defensor constituído, ofertou resposta à acusação (14.1).

Durante a instrução processual, foram ouvidas as vítimas, as testemunhas e, por fim, foi o réu interrogado.

Restaram anexados o exame de verificação de violência sexual e avaliação psiquiátrica, nos autos do Inquérito Policial vinculado (evento 1, REL_FINAL_IPL1e evento 2, REL_FINAL_IPL1).

O Ministério Público e a Defesa ofertaram memoriais por escrito.

Sobreveio a sentença de lavra da MM. Juíza de Direito, Dra. Flávia Maciel Pinheiro Giora, que julgou procedente a denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 217-A, caput, c/c o art. 226, II, na forma do art. 71, parte final, e art. 130, caput, na forma do art. 69, caput, (1º fato), todos do Código Penal.

A dosimetria da pena restou assim implementada:

1° Fato (Estupro de vulnerável) :

1ª FASE:

Em relação à culpabilidade, aqui entendida como sendo o grau de reprovação do agir, mostra-se normal à espécie delitiva praticada. O réu não registra antecedentes. Não há nos autos elementos para a exata definição da personalidade do réu. A conduta social foi abonada. Os motivos foram inerentes ao tipo penal, ou seja, a satisfação da lascívia. Circunstâncias e consequências normais à espécie. O comportamento da vítima em nada determinou ou incentivou a prática delitiva.

Sendo assim, não havendo vetoriais a valorar negativamente, fixo a pena-base em 08 (oito) anos de reclusão.

2ª FASE:

Ausentes agravantes e atenuantes, fixo a pena provisória em 08 (oito) anos de reclusão.

3ª FASE:

Ausentes minorantes, presente a majorante do acusado ter relação de parentesco com a vítima (tio), aplico a redação do art. 226, II, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n.º 11.106, de 2005, visto que o crime ocorreu já na vigência desta norma penal, portanto, aumento a pena na metade e fixo a pena definitiva em 12 (doze) anos de reclusão.

Continuidade delitiva:

Considerando que os abusos foram praticados por incontáveis vezes, na linha do entendimento jurisprudencial, no sentido de que, nos crimes sexuais envolvendo vulneráveis, é cabível a elevação da pena pela continuidade delitiva no patamar máximo quando restar demonstrado que o acusado praticou o delito por diversas vezes durante determinado período de tempo, não se exigindo a exata quantificação do número de eventos criminosos, sobretudo porque, em casos tais, os abusos são praticados incontáveis e reiteradas vezes, contra vítimas de tenra ou pouca idade (AgRg no REsp n. 1.717.358/PR, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/6/2018), acresço a pena a fração de 2/3 e fixo a pena em 20 (vinte) anos de reclusão.

2° Fato (Perigo de contágio venéreo):

1ª FASE:

Em relação à culpabilidade, aqui entendida como sendo o grau de reprovação do agir, mostra-se normal à espécie delitiva praticada. O réu não registra antecedentes. Não há nos autos elementos para a exata definição da personalidade do réu. A conduta social foi abonada. Os motivos foram inerentes ao tipo penal, ou seja, a satisfação da lascívia. As circunstâncias merecem negativa valoração em razão da enfermidade em questão ser incurável. As consequências são normais à espécie. O comportamento da vítima em nada determinou ou incentivou a prática delitiva.

Sendo assim, não havendo vetoriais a valorar negativamente, fixo a pena-base em 03 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção

2ª FASE:

Ausentes agravantes e atenuantes, fixo a pena provisória em 03 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção

3ª FASE:

Ausentes minorantes e majorantes, fixo a pena definitiva em 03 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção.

Concurso material:

Em razão do concurso material de crimes, em que pese fosse a imposição legal a soma das penas, resta inviabilizada em razão de para os crimes serem cominadas penas de reclusão e detenção e, neste caso fica o réu condenado à pena de fixo a pena definitiva em 20 (vinte) anos de reclusão e 03 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção, devendo a primeira ser executada antes da segunda.

O regime de cumprimento de pena para o primeiro fato é o fechado, face o teor do artigo 33, §2º, alínea “a”, do Código Penal.

O tempo pelo qual permaneceu segregado não interfere no regime de cumprimento.

Deixo de proceder a substituição da pena, tendo em consideração que o réu não preenche os requisitos do artigo 44, do Código Penal, diante do quantum de pena aplicada, assim como pelas circunstâncias valoradas negativamente. Pelas mesmas razões, tampouco há falar em suspensão condicional da pena (artigo 77, do CP). Observada a disposição do art. 69, §1°, do Código Penal.

Provimentos finais:

Subsistindo os motivos que ensejaram a prisão cautelar do condenado e, mantenho a prisão preventiva, sobretudo ante a superveniência da sentença condenatória, logo, necessária, agora, para assegurar a aplicação da lei penal.

Custas pelo acusado, cuja exigibilidade suspendo em razão do patrocínio da defesa pela Defensoria Pública.

Sentença publicada em 19 de outubro de 2020 (evento 177, SENT1).

Partes intimadas (eventos 181, 188 e 195.1).

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação.

Em razões, sustenta a insuficiência probatória quanto à materialidade e autoria, requerendo a absolvição do acusado, com fulcro no artigo 386, incisos III, VI e VII do CPP. Subsidiariamente, sustenta a necessidade de desclassificação do delito para o de importunação sexual. Insurge-se com relação à dosimetria da pena, pugnando pelo afastamento do art. 226, inc. II do CP, também da continuidade delitiva e, esta caso mantida, argui que deve ser reduzida para 1/6. Aduz que a exasperação da pena-base no crime de perigo de contágio venéreo deve ser afastada. Prequestiona artigos de lei. Pede o provimento do apelo (201.1).

Foram apresentadas as contrarrazões ao apelo (204.1).

Subiram os autos a esta Corte, e, após distribuídos por sorteio, foram remetidos à Procuradora de Justiça, Dra. Sandra Goldman Ruwel, que opinou pelo desprovimento do recurso.

Vieram os autos aptos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo defensivo.

G.A. foi condenado por incurso nas sanções do artigo 217-A, caput, c/c o art. 226, II, na forma do art. 71, caput, e do art. 130, caput, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal, às penas privativas de liberdade de 20 (vinte) anos de reclusão, esta a ser cumprida em regime inicial fechado, e de 3 (três) meses e 10 (dez) dias de detenção.

1. A materialidade com relação ao delito de estupro de vulnerável, assim como a autoria, restaram devidamente comprovadas pelo Boletim de Ocorrência Policial (fls.3/4 -1.1), certidão de nascimento da vítima (fl.6 -1.1), avaliação psíquica (fls.8/12 -1.1), laudo pericial nº 116846/2019 (fl.15 -1.1), todos anexados no IP nº 50036749620208210014, bem como pela prova oral produzida em juízo.

A fim de evitar desnecessária tautologia, reproduzo os termos da sentença acerca da prova oral colhida no curso da instrução processual:

A.B.F, vítima, ouvida pelo depoimento especial, referiu que, quando morava em Esteio com sua tia Ivonete, a quem sua mãe a entregou para ser cuidada. Descreveu que, no mesmo terreno da residência, morava o acusado, na companhia de Isis, filha de Ivonete e, quando ela se ausentava de um cômodo, o réu se aproveitava da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT