Acórdão nº 50038698420208210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50038698420208210013
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002040898
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003869-84.2020.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Dever de Informação

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: JAIR ZYCH (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JAIZ ZYCH em face de sentença (evento 42, SENT1) que julgou improcedente os pedidos formulados na ação declaratória c/c repetição de indébito em desfavor do BANCO BMG S/A, nos seguintes termos:

Diante do acima exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por JAIR ZYCH em desfavor de BANCO BMG S/A, julgando extinto o feito, com resolução de mérito, conforme o art. 487, I, do CPC.

Face à sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado atribuído à causa, assim considerado o trabalho realizado e o tempo despendido para tanto, com base no art. 85, §§2º e 8º do CPC. Suspendo a exigibilidade de pagamento das custas, em razão de que a parte autora é beneficiária da gratuidade da justiça.

Em seu arrazoado recursal (evento 46, APELAÇÃO1), o autor alega que buscou a instituição financeira com o intuito único de realizar empréstimo pessoal consignado. Afirma que, mesmo não tento solicitado, o Apelado emitiu cartão de crédito em seu nome, realizando saque do limite do rotativo e lhe enviando o valor via TED, tudo sem seu consentimento. Ressalta que a documentação juntada pela parte ré não demonstra a utilização do plástico. Alega que os pagamentos descontados de seu benefício não são suficientes para amortizar o cerne da dívida, mas somente os encargos mensais referentes ao pagamento mínimo da fatura. Postula pela declaração de nulidade dos descontos a título de RMC, bem como pela restituição simples dos valores debitados no benefício previdenciário do autor.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 51, CONTRAZAP1).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

VOTO

Recebo o recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que o autor firmou junto a instituição financeira contrato de empréstimo consignado, sendo informado que o pagamento seria realizado mediante descontos em seu benefício previdenciário. Contudo, foi surpreendido com débitos a título de "RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO". Entrou em contato com a parte ré, sendo-lhe informado que se tratava de "RETIRADA DE VALORES EM UM CARTÃO DE CRÉDITO", dando origem a constituição de reserva de margem consignável (RMC). Ressalta que em momento algum solicitou tal modalidade de empréstimo. Afirma que os descontos mensais em seu benefício previdenciário não abatem o saldo devedor, uma vez que as parcelas somente amortizam os juros referentes ao pagamento mínimo da fatura, tornando o endividamento "praticamente impagável". Manifestou que houve evidente falta de informação nos termos da contratação. Postulou pela devolução, na forma simples, dos valores pagos a título de RMC. Pugnou pela declaração de nulidade de cobrança dos descontos, bem como pela conversão de empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado.

O juízo a quo julgou improcedente os pedidos formulados na inicial.

Irresignado com o resultado desfavorável, o autor apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que não solicitou empréstimo via cartão de crédito, alegando falta de informações necessárias na celebração da relação contratual.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que o autor autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, juntou "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO" e "CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (...)" (evento 13, CONTR2, pgs. 1 e 4), ambos com a assinatura de três testemunhas e com a marcação do polegar do autor, por se tratar de pessoa analfabeta, como possível se constatar pelos autos.

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal. Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração ao consumidor e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”).

Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Na hipótese dos autos, o réu transferiu para a conta corrente do autor a quantia total de R$ 1.739,78 por meio de três TEDs, um com Saque Autorizado no valor de R$ 1.065,94, datado de 26/11/2015, e outros dois Saques Complementares, nos valores de R$ 623,80 e R$ 50,04, datados de 07/10/2019 e 03/02/2020 (evento 10, FATURA3), respectivamente. A partir disso, debitou-se mensalmente em sua folha de pagamento valores a título de Reserva de Margem Consignável. E como se verifica na fatura com vencimento em 10/09/2020, o valor total da dívida era de R$ 1.612,81 (evento 10, FATURA3, pág. 57). Nesse contexto, percebe-se que mais de de seis anos se passaram da celebração do contrato e o autor deve quantia aproximada a que recebeu a título de empréstimo, mesmo com os descontos mensais. Logo, as parcelas que vêm sendo descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o instrumento contratual não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido, conclui-se que o contrato em exame também ofende o art. 6°, inc. III, do Código Consumerista, que prevê como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem...

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