Acórdão nº 50038745520198210009 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50038745520198210009
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001552025
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003874-55.2019.8.21.0009/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5003874-55.2019.8.21.0009/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Nos autos da ação penal nº 009/2.19.0002571-9, posteriormente digitalizada e cadastrada no sistema e-proc sob o número 50038745520198210009:

O Ministério Público ofereceu denúncia contra PAULO CESAR ROSA DE OLIVEIRA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 14 da Lei 10.826/2003, em razão da prática do seguinte fato relatado na denúncia:

No dia 05 de agosto de 2019, por volta das 17h, na BR. 386, b. Sandri, em via pública, no Município de Carazinho/RS, o denunciado PAULO CÉSAR ROSA DE OLIVEIRA portava/transportava a espingarda, calibre 32, n° de identificação A278662, marca Rossi, municiada com 01 (um) cartucho intacto, calibre 32, de uso permitido, mas sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Segundo apurado, o denunciado estava na carona do veículo VW/Gol, placas AFO 2143, o qual trafegava pelo acostamento, na contramão, quando foi abordado por Policiais Federais que estavam em patrulhamento. Em revista ao veículo foi encontrada, embaixo do banco traseiro, a referida arma de fogo, de propriedade do denunciado, que, em razão disso, foi preso em flagrante.

A arma de fogo apreendida foi submetida à perícia, que atestou a aptidão da mesma para a produção de disparos, conforme Auto de Verificação de Funcionamento de Arma de Fogo (fl. 36 do IP).

A denúncia foi recebida em 21 de agosto de 2019 (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC2, fls. 43-44 dos autos físicos).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC4, fls. 80 e 83-84V dos autos físicos), datada de 08.07.2021, que julgou procedente a ação penal, para condenar PAULO CESAR ROSA DE OLIVEIRA, pela prática do crime previsto no art. 14, da Lei nº 10.826/03, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e de multa, fixada em 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo nacional vigente à época do fato. A pena restritiva de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos.

A defesa interpôs recurso de apelação (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC4, fls. 80 e 85-89 dos autos físicos). Em razões, prequestiona os incisos XXXIX e LVII do art. 5° da CF e transcreve a prova oral colhida nos autos. Refere que os delitos de perigo abstrato violam o princípio da lesividade e que não há violação ao bem jurídico tutelado, sendo caso de absolvição. Subsidiadamente, requer que a pena de multa seja afastada e que a pena privativa de liberdade seja substituída por uma única restritiva de direitos e multa, por ser o réu financeiramente hipossuficiente, bem como que o montante pago a título de fiança seja direcionado exclusivamente para o pagamento da multa e, restando valores, devolução destes ao condenado. Postula o provimento do recurso.

O Ministério Público apresentou contrarrazões (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC4, fls. 91-93V dos autos físicos).

Os autos foram remetidos a esta Corte (Evento 5 do processo originário).

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo provimento parcial do recurso (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado, como incurso nas sanções do art. 14 da Lei nº 10.826/2003, às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e de multa, fixada em 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo nacional vigente à época do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito: (i) prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo período da condenação, e (ii) prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, vigente à época dos fatos.

A defesa pleiteia a absolvição do réu, sustentando atipicidade da conduta.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada. Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

Assim, a conduta é típica.

A materialidade está demonstrada pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC1, fls. 12-13 dos autos físicos), Ocorrência policial: 6202/2019/153005 (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC1, fls. 5-9 dos autos físicos), Auto de Apreensão (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC1, fls. 10-11 dos autos físicos), Auto de Constatação de Eficácia de Arma de Fogo (Evento 3 do processo originário, PROCJUDIC2, fl. 36 dos autos físicos), bem como pela prova oral colhida.

Não há dúvida, tampouco, a respeito da autoria, confessada pelo apelante e bem analisada na sentença recorrida, de lavra do Dr. Bruno Massing de Oliveira (fls. 83-84V dos autos físicos), conforme segue:

Os policiais Rodoviários Federais, Alvair e Fernando, confirmaram a apreensão escrita na denúncia no sentido de o carro que estava o réu foi abordado em via pública por estar transitando em contramão, ocasião em que localizaram em baixo do banco onde estava o réu o armamento descrito na denúncia.

A testemunha Renato Wilges da mesma forma que se encontrava dentro do veículo confirmou ser apreendida a arma de fogo e que a arma de fogo teria sido colocada no local pelo próprio réu, uma vez que eles pretendiam caçar naquela ocasião.

Em interrogatório judicial no dia de hoje o réu confirmou espontaneamente a prática do ilícito, haja vista que informou que a arma pertencia a ele e que de fato pretendia caçar naquele dia em que foi preso mas acabou não caçando por motivos alegados pelo réu em seu interrogatório.

A reconstituição dos fatos, como acima descrita, não deixa dúvida sobre a prática do porte ilegal de arma de fogo por parte do recorrente. O relato apresentado pelos Policiais Rodoviários Federais Alvair e Fernando foi firme e minudente a respeito de ditas circunstâncias, a evidenciar pela clareza nos depoimentos – mantidos desde a primeira oitiva -, que o réu, sem qualquer dúvidas, portava e transportava uma espingarda, calibre 32, número de série A278662, marca Rossi, municiada com 1 cartucho intacto, calibre 32, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Ademais, o réu confessou em juízo a autoria do crime, de modo que o seu depoimento e o depoimento da testemunha Renato, amigo do réu, são coerentes com a versão relatada pelos policiais.

Vai mantida, portanto, a condenação.

Passo a analisar os pleitos referentes à pena.

A fixação da pena é atribuição do juiz, que, com base nas balizas do tipo penal em que condenado o acusado e nas particularidades do caso concreto, estabelece aquela que seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime7. Consabido que “O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena”8, de maneira que é imposto ao Juízo o dever de motivação9, a permitir o controle10de referido ato decisório. Em sede recursal, tem se entendido que, em espaços de discricionariedade (vinculada11), deve ser prestigiada a avaliação efetuada pelo Juízo da origem, mais próximo à realidade dos fatos, só merecendo ser alterada a pena aplicada na origem quando a reprimenda não...

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