Acórdão nº 50038757620158210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50038757620158210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038399
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003875-76.2015.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Guarda

RELATORA: Desembargadora SANDRA BRISOLARA MEDEIROS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por KÉTLIN APARECIDA L. P. contra sentença que, apreciando ação de regularização de guarda, cumulada com alimentos e regulamentação de visitas, que lhe é movida por VOLNEI DE S. M., referente aos infantes BEATRIZ BRITTNEY P. M. e DIONATAN LUCAS P. M., julgou procedente o pedido para (a) conceder a guarda unilateral dos filhos ao autor/genitor; (b) regulamentar o convívio materno-filial quinzenalmente, buscando a genitora os filhos na escola, às sextas-feiras, com devolução no mesmo local, às segundas-feiras, permanecendo os infantes com a mãe nos períodos de férias escolares e feriados, conforme já vem ocorrendo; e, c) fixar os alimentos devidos pela genitora à prole em 30% dos salário mínimo nacional ( Evento 3, PROCJUDIC4, fls. 20/27 - originário).

Nas razões recursais, sustenta que há aproximadamente dez meses, os filhos passam quinze dias em sua residência e quinze dias na residência paterna, porque sentem sua falta, eis que sempre esteve presente em suas vidas, mas precisou se afastar em decorrência da violência doméstica praticada pelo autor. Menciona que antes de iniciar o período de guarda alternada, estava buscando os filhos todas as sextas-feiras e devolvendo-os nas segundas-feiras, com evidente alteração da situação de fato desde o ajuizamento da ação, estando as crianças, atualmente, adaptadas ao convívio materno. Afirma que nunca teve a intenção de deixar de exercer a guarda dos filhos, porém, em face da violência doméstica sofrida, precisou buscar acolhimento na casa dos pais. Assevera que o apelado deveria ter sido afastado do lar conjugal, mas os oficiais de justiça não conseguiram cumprir a medida. Sustenta que a guarda alternada não é benéfica para os menores, em razão de não possuírem moradia fixa e precisarem se reorganizar cada vez que vão para a casa de um dos genitores. Pugna, no caso de manutenção da guarda dos filhos com o genitor, que a convivência materno-filial ocorra em todos os finais de semana, de sexta-feira à segunda-feira ou, alternativamente, seja estabelecida a guarda compartilhada, com a fixação de alimentos em 15% do salário mínimo. Postula o provimento do recurso, a fim de que lhe seja atribuída a guarda dos filhos, com a fixação de alimentos a cargo do genitor em 30% dos seus ganhos líquidos ou 40% do salário mínimo, em caso de trabalho informal ou desemprego, e visitas quinzenais, de sexta-feira à segunda-feira (Evento 3, PROCJUDIC4, fls. 30/40 - originário).

Apresentadas contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC4, fls. 44/45 - originário), o Ministério Público, nesta instância recursal, opinou pelo desprovimento do recurso (Evento 7 - PROMOÇÃO1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Adianto, o recurso não merece provimento.

Não é demais recordar que a guarda é inerente ao poder familiar, tratando-se, ao mesmo tempo, de direito e dever. Exprime a “obrigação imposta a certas pessoas de manter em vigilância e zelo, protegendo-as, certas pessoas que se encontram sob sua chefia ou direção”1, sujeitando o guardião à prestação de assistência material, moral e educacional, podendo opor-se a terceiros, inclusive aos pais, conforme disciplina o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 33 e seguintes).

O instituto da guarda, portanto, confere à determinada pessoa – o guardião – um conjunto de deveres-direitos, cuja finalidade precípua é a proteção e o amparo material necessários ao desenvolvimento de outra pessoa que dele necessite, podendo ocorrer, tal responsabilização, por lei ou por decisão judicial.

Ainda, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, o instituto da guarda deve atender ao princípio do melhor interesse do menor, levando-se em conta a regra da proteção integral, in verbis:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Outrossim, com o advento da Lei nº 13.058/14, a regra é o compartilhamento da guarda, e não mais a unilateral.

A guarda compartilhada, prevista nos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, pressupõe existência de respeito mútuo e entendimento entre os genitores, que devem mostrar real intenção e aptidão para transmitir carinho, segurança e apoio aos filhos menores de maneira harmoniosa, ainda que separados.

Na hipótese de separação dos pais, em tese, a guarda compartilhada é a forma ideal para o desenvolvimento sadio dos filhos. Assim, pais e mães compartilham a responsabilidade legal, decorrente do poder familiar, como também as questões cotidianas e extraordinárias relacionadas à criança.

Contudo, as disposições legais precisam ser interpretadas de forma sistemática e sem perder de vista os princípios que norteiam o sistema. No caso da guarda, o interesse do menor deve sempre prevalecer.

A guarda compartilhada não pode ser deferida na ausência de demonstração de sua conveniência em prol dos interesses do filho menor.

Isto porque, ao compartilhar a guarda, haverá entre os genitores a necessidade de diálogo constante, semelhante ao que mantinham ao tempo de convívio. Não havendo uma relação respeitosa e cordial, a responsabilidade comum e todas as negociações decorrentes da guarda compartilhada apenas ensejarão a multiplicação de conflitos, os quais afetarão direta e indiretamente a criança.

Ainda, não basta estabelecer que a guarda será compartilhada, mas também como ocorrerá esse compartilhamento, o que será inexequível se não houver conformidade entre as partes.

Outrossim, as alterações de guarda, em regra, devem ser evitadas, na medida em que acarretam modificações na rotina e nos referenciais dos menores, gerando transtornos de toda ordem.

De outro lado, insta assinalar que o exercício do poder familiar não é – e não pode ser – afetado pela separação dos pais.

Não se pode olvidar que o art. 1.632 do Código Civil estabelece que não há alteração na relação entre pais e filhos em caso de dissolução do casamento ou união dos primeiros, in verbis:

“Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.”

Portanto, a separação dos pais pode alterar a convivência direta e diária de ambos com os filhos, mas não modifica os direitos e deveres decorrentes do poder familiar, que continua a ser exercido conjuntamente, a fim de garantir o desenvolvimento saudável da criança, quer físico quer psíquico-emocional.

Feitas tais digressões, passo ao exame do debate trazido a este Colegiado.

Pois bem.

Os infantes Beatriz Brittney e Dionatan Lucas, nascidos em 11/11/2009 e 17/08/2011 (Evento 3, PROCJUDIC1, fls. 14/15 - originários), respectivamente, contam 11 (onze) e 10 (dez) anos de idade.

Nada veio aos autos capaz de demonstrar, minimamente, que os menores se encontram em situação de risco sob a guarda unilateral paterna, que a exerce desde o ano de 2015.

O estudo social, realizado em 18/10/2019, concluiu pela insuficiência de elementos para a modificação da guarda, na medida em que apontou acusações mútuas entre os genitores a respeito das condições pessoais para se responsabilizarem pelos filhos: a apelante diz ter sido vítima de violência doméstica praticada pelo apelado durante anos (Evento 3, PROCJUDIC3, fl. 49 - originário), ao passo que o genitor refere que a mãe fazia uso frequente de bebidas alcoólicas, promovendo escândalos e o agredindo (Evento 3, PROCJUDIC3, fls. 15/16 - originário). Contudo, "não foram verificadas negligências concretas, pelo contrário, estão com os direitos garantidos e em ambiente protetivo" (Evento 3, PROCJUDIC3, fls. 48/50 e PROJUDIC4, fl. 01 - originário).

De salientar que também constou que “as crianças também convivem regularmente com a genitora, o que é importante ser mantido, já que Beatriz e Dionatan referem grande afeto pela mãe, assim como pelo pai”.

Concluiu o estudo social que "o melhor para as crianças, no momento, é que permaneçam sob a...

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