Acórdão nº 50039207320168210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 07-07-2022

Data de Julgamento07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50039207320168210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002191142
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003920-73.2016.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Poluição

RELATORA: Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (RÉU)

APELANTE: PICORAL E SOLANO ARQUITETURA E ENGENHARIA LTDA (RÉU)

APELADO: CONSTRUTORA TEDESCO LTDA. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ajuizou, em 3 de novembro de 2016, ação civil pública contra o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, PICORAL E SOLANO ARQUITETURA E ENGENHARIA LTDA e CONSTRUTORA TEDESCO LTDA. para declarar "a inconstitucionalidade do Anexo 6 e dos art. 113, II, "b" e "e", e 105, III, todos do PDDUA, anulando-se todo o procedimento de licenciamento urbano-ambiental, em razão da nulidade do ato que aprovou o EVU, tudo sob pena de astreinte a ser judicialmente fixada" e "declarar o espaço territorial indicado no atual plano diretor como sendo a AEIC 3.125 (Vila Assunção) como área especial de interesse cultural a merecer preservação e observância dos critérios elencados no estudo fruto do convênio entre o Município e a Faculdade Ritter dos Reis". Pediu, ainda, a concessão de tutela de urgência.

Nos dizeres da inicial, (I) instaurou inquéritos civis para apurar a licitude da expedição de licença edilícia para o empreendimento residencial situado na R. Goitacaz, 118, Vila Assunção, e dos regimes urbanísticos aplicados, (II) o empreendimento causará impactos negativos ao patrimônio cultural do Município de Porto Alegre, (III) a Vila Assunção é considerada Área de Interesse Cultural (AEIC), desde a edição do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), Lei Complementar nº 434/1999, por apresentar características de Cidade Jardim, (IV) o Decreto Municipal nº 14.530/2004, fruto de Convênio com a Universidade Ritter dos Reis, previa a preservação dos valores identificados nas 80 AEICs do Município de Porto Alegre e os regimes urbanísticos aplicáveis, (V) após audiências públicas e pressão do setor de construção civil, foram redefinidos os regimes urbanísticos aplicáveis às áreas de interesse cultural e revisão das áreas, que passaram a ser 134, (VI) em 2014, diversas áreas foram objeto de bloqueio preventivo, a fim de evitar a total descaracterização dessas fisionomias urbanas, (VII) a partir de 2015, contudo, determinou-se o desbloqueio das áreas, havendo aprovações de projetos edilícios que, no plano fático, descaracterizam as AEICs, (VIII) a Lei Complementar nº 646/2010 revisou a cota ideal prevista para a Vila Assunção de 300 m² para 150 m², o que descaracteriza as características de Cidade Jardim, (IX) "o plano diretor revisado possui mecanismos que autorizam a descaracterização gradativa dessas áreas, permitindo a elevação da altura, como no caso em pauta, para 16,20m (ou cinco pavimentos)", nos termos dos artigos 113, II, 'b' e 'e' e art. 105, III, da Lei Complementar nº 646/2010, (X) o Plano Diretor apresenta contradição, porquanto, por um lado, permite flexibilizações e, por outro, conceitua a Cidade Jardim como aquela de baixa densidade, uso preponderante residencial unifamiliar, com elementos naturais integrados às edificações, (XI) o empreendimento Reserva das Figueiras está localizado na AEIC 3.125, na Vila Assunção, agredindo as características de baixa densidade da Cidade Jardim, já que prevê a construção de prédio de cinco pavimentos, com altura de 16,20m e cota ideal de 150m², (XII) as áreas de interesse cultural são espaços territoriais protegidos, nos termos do artigo 225, § 1º, III, da Constituição da República, devendo ser aplicado ao caso o princípio da precaução, (XIII) o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, razão pela qual se aplicam às alterações na legislação o princípio da vedação ao retrocesso, forte nos artigos 225, 216 e 4º, IX, da Constituição da República, (XIV) deve ser reconhecida a inconstitucionalidade do anexo 6 do PDDUA, que projeta para a AEIC em questão o índice de aproveitamento 1,0 e a quota ideal de 150m², e dos artigos 113, II, 'b' e 'c', e 105, III, da Lei Complementar 434/1999, alterada pela Lei Complementar 646/2010, que elevou a altura permitida das edificações para mais de 16m, (XV) o Plano Diretor vigente afronta o art. 2º, XII, Estatuto das Cidades, porquanto não observa a função social da propriedade no meio urbano e (XVI) deve ser determinada a inversão do ônus da prova.

Na decisão de 23 de novembro de 2016, a MM. Juíza a quo deferiu a liminar para "sustar o procedimento de licenciamento edilício e ambiental do empreendimento localizado na Rua Goitacaz, 118, cargo das demandadas Picoral e Solano Arquitetura e Engenharia Ltda. e Construtora Tedesco Ltda." (evento 3, PROCJUDIC15, fls. 41/50 e evento 3, PROCJUDIC16, fls. 1/4).

Citada, PICORAL E SOLANO ARQUITETURA E ENGENHARIA LTDA contestou, alegando que (I) o projeto passou pelo Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), e, após análise pela Equipe de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura/EPAHC, foi deferida a licença por atender às exigências do regime urbanístico aplicável á área, (II) a SMURB concluiu que o projeto atendida plenamente ao Plano Diretor, aprovando o Expediente, (III) "uma das tipologias propostas na Vila do IAPI é a de habitação multifamiliar com quatro pavimentos, mais a altura do telhado, e, os apartamentos são de pequeno porte. Logo, na medida em que se reconhece que a Vila do IAPI também foi concebida dentro do conceito CIDADE-JARDIM, não nos parece adequado afirmar que tipologias multifamiliares não são adequadas para loteamentos tipo cidade-jardim, como afirmado às fls. 9-v da inicial", (IV) o empreendimento Reserva das Figueiras observa o conceito de Cidade Jardim, já que possui características residenciais e preserva os 82 vegetais existentes no terreno, (V) no período em que o loteamento Vila Assunção foi concebido, a estrutura viária, os serviços públicos e o entorno do bairro - que ficava fora dos limites urbanos de Porto Alegre - eram muito diferentes, (VI) o número de pessoas por domicílio diminuiu consideravelmente no período de 1940 a 2010, de forma que a redução da cota ideal de 300m² para 150m² não representa um adensamento no bairro, (VII) "as alturas que estão sendo praticadas no bairro não descaracterizam o conceito cidade jardim (vide VILA DO IAPI), já que os elementos determinantes são o traçado orgânico adaptado à topografia e a abundância de espaços públicos existentes e vegetados", (VIII) não é possível "congelar" um modelo de ocupação proposto há mais de 80 anos, (IX) "a taxa de ocupação utilizada no projeto aprovado do Reserva das Figueiras é 41,45%, praticamente o parâmetro proposto no projeto original do Loteamento Vila Assunção", (X) a densidade prevista no Plano Diretor para a Vila Assunção está na faixa de densidade mais baixa proposta para as áreas de ocupação intensiva do Município, (XI) o pedido é impossível juridicamente, porquanto importará em invasão pelo Poder Judiciário na competência dos Poderes Legislativo e Executivo, (X) não é cabível o controle abstrato de constitucionalidade por meio de ação civil pública, (XI) a inconstitucionalidade é pedido e não causa de pedir, devendo ser reconhecida sua impossibilidade jurídica, (XII) o licenciamento foi expedido em observância à legislação vigente, devendo ser mantido em razão dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da legalidade, (XIII) outros prédios no mesmo bairro apresentam idêntica composição do empreendimento em questão, devendo ser aplicado o princípio da isonomia, (XIV) não há incremento na altura do empreendimento, que se revela igual ou inferior a de outros prédios já construídos na Vila Assunção e (XV) a Construtora Tedesco Ltda. não possui legitimidade passiva ad causam, proquanto contratada apenas para execução do empreendimento (evento 3, PROCJUDIC17, fls. 47/50 e evento 3, PROCJUDIC18 e evento 3, PROCJUDIC19, fls. 1/14).

Citada, a CONSTRUTORA TEDESCO LTDA contestou a ação, arguindo (I) a ilegitimidade passiva ad causam, pois não praticou nenhuma conduta descrita na inicial, tendo sido contratada apenas para executar o empreendimento em questão, (II) a inadequação da via processual eleita, já que o Autor pretende a declaração de inconstitucionalidade de lei em tese por meio da ação civil pública, (III) o bairro Vila Assunção, "por estar inserido num contexto maior em contínuo dinamismo, acabou por adaptar à nova realidade urbana", (IV) a judicialização da regularização urbanística quanto ao uso e ocupação do solo urbano invade a competência do Poder Executivo e Legislativo, (V) "os atos administrativos ocorridos no procedimento de regularização urbanística do empreendimento de "Reserva das Figueiras" constituem limite imposto pela boa-fé e pela segurança jurídica desde o momento em que gerou no empreendedor a confiança razoável de que não agiria a Administração Pública de outro modo", (VI) os atos administrativos relativos à regularização e licenciamento ambiental e urbanístico do empreendimento gozam de presunção de legitimidade e legalidade e (VII) não estão presentes os requisitos para inverter o ônus da prova, nem para o deferimento da liminar (evento 3, PROCJUDIC20, fls. 27/50 e evento 3, PROCJUDIC21, fls. 1/12).

Citado, o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE contestou o feito. Afirmou que (I) "a pretensão de impor ao Executivo a modificação de atos jurídicos realizados em conformidade com a legislação edilícia em vigor fere o princípio constitucional da separação de poderes", (II) a aprovação e o licenciamento do projeto observaram a lei vigente, tendo a proposta atendido ao regime...

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