Acórdão nº 50039607120198213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50039607120198213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003000421
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003960-71.2019.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Imissão

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: SANDRO LUIS RODRIGUES DOS SANTOS (REQUERIDO)

APELADO: CENIRA DOS SANTOS OLIVEIRA (REQUERENTE)

RELATÓRIO

SANDRO LUÍS RODRIGUES DOS SANTOS apelam da sentença proferida nos autos da ação de manutenção de posse que lhe move CENIRA DOS SANTOS OLIVEIRA, assim lavrada:

CENIRA DOS SANTOS OLIVEIRA ajuizou ação de manutenção de posse contra SANDRO LUIS RODRIGUES DOS SANTOS, dizendo-se legítima possuidora, desde 2006, do imóvel situado na Rua do Abacateiro, nº 54. Afirmou que, em junho de 2019, o réu passou a turbar a sua posse, ingressando no local sem a sua autorização e dizendo o que pode ou não ser feito no bem. Pediu a liminar de manutenção na posse e o benefício da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos (Ev. 1).
Concedida a AJG e deferido o pedido liminar (Ev.
3), o réu foi citado (Ev. 8) e contestou (Ev. 23), arguindo a preliminar de falta de interesse processual. No mérito, esclareceu que o imóvel objeto da ação integra loteamento de propriedade do seu genitor, João Rodrigues dos Santos, falecido em 1978. Disse que permitiu que a autora, na época sua ex-cunhada, residisse no local enquanto necessitasse, desde que não invadisse as propriedades vizinhas. Aduziu que, ao tomar conhecimento da intenção da autora de cercar o terreno, impediu o cercamento, pois a providência comprometeria o espaço dos demais lotes. Alegou que a demandante construiu uma área e uma peça de madeira anexas à sua residência, invadindo os lotes vizinhos, em desacordo com a combinação verbal feita por ocasião da cessão do imóvel entre as partes. Pediu a improcedência da ação e a concessão da AJG. Juntou documentos.
Houve réplica (Ev. 29).
A decisão do Ev. 31 levantou a revelia que havia sido decretada no Ev. 18 e rejeitou a preliminar suscitada na contestação.
A autora juntou mídias de áudio (Ev.
36) e o réu, documentos (Ev. 46).
Em audiência de instrução, ouvidas três testemunhas, as partes debateram a causa (Ev.
103).
É o relatório.
Decido.
A preliminar de falta de interesse processual, repisada pelo réu em sede de debates, já foi rejeitada pela decisão do Ev.
31, que ora resta mantida. Eventual ausência de prova de posse anterior é questão que pode influir no mérito da causa, não tendo o condão de acarretar a extinção antecipada do processo.
No mérito, a ação procede.

De acordo com o art. 561 do Código de Processo Civil, para que o possuidor possa fazer jus à manutenção de posse, ele deve provar a sua posse anterior, a turbação, a data da turbação e a continuação da posse, embora turbada.

No caso dos autos, a posse anterior da autora ficou comprovada pelas declarações do Ev.
1, Docs. 5 a 9, pelos comprovantes de residência do Ev. 1, Docs. 10 a 24, e pela prova testemunhal colhida em juízo (Ev. 103).
O réu, por sua vez, não fez prova suficiente de que a autora fosse simples detentora do bem, tendo ele deixado de se desincumbir do ônus que lhe era imposto pelo art. 373, inc. II, do CPC.
Embora as testemunhas ouvidas em juízo tenham referido que a autora foi morar no imóvel a chamado do réu, o fato é que isso aconteceu há mais de quinze anos, sem que depois o réu jamais tenha exigido aluguel ou outro tipo de contraprestação, a desmerecer a hipótese de comodato.
A alegação de invasão da propriedade vizinha também não foi comprovada pelo demandado, inexistindo elementos que apontem que o cercamento e as outras construções realizadas pela autora tenham avançado os limites do lote que ela ocupa há anos.

A turbação da posse da autora foi admitida pelo réu na contestação e restou evidenciada pelas fotografias do Ev.
29 e pelos áudios do Ev. 36, segundo os quais a primeira cerca levantada pela demandante teria sido colocada abaixo pelo demandado. Os atos de turbação somente cessaram após o deferimento da medida liminar do Ev. 3, que agora merece ser confirmada em tutela final, a fim de que a demandante seja mantida na posse do imóvel.
Isso posto, torno definitiva a tutela de urgência concedida no Ev.
3 e julgo procedente a ação para manter a autora na posse do imóvel situado na Rua Abacateiro, n° 54, nesta Capital, ficando o réu proibido de ingressar no local sem autorização da possuidora, bem como de praticar qualquer outro ato tendente a turbar o livre exercício da posse pela demandante.
A parte demandada pagará as despesas processuais e honorários de R$ 1.200,00 em favor do FADEP, nos termos do art. 85, § 8°, do CPC, ficando suspensa a exigibilidade das parcelas, em razão da AJG que ora resta concedida ao réu.

Intimem-se.

Nas razões sustenta que a prova constante nas fotos juntadas com a contestação, deixa evidente que a cerca precária edificada pela autora é recente e demarca de forma incorreta a divisão dos terrenos; que é até ilógico concluir que o requerido pretendesse agora, passados mais de 15 anos, turbar a posse que foi proporcionada à apelada por ele próprio; que a ré é mera detentora do imóvel objeto da lide, ou seja, estava morando no local por mera permissão e tolerância. requer a reforma da sentença. Postula pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento n. 122).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. PROVA.

A posse é fenômeno fático de exercício, pleno ou não, sobre a coisa de algum dos poderes próprios à propriedade. Dispõe o Código Civil:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Os interditos proibitório, de manutenção e de reintegração de posse constituem remédio adequado para assegurar proteção à posse, respectivamente, ante a ameaça, a turbação ou o esbulho, como disposto no Código Civil/02 e o Código de Processo Civil/15, respectivamente:

Código Civil/02:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Código de Processo Civil/15:

Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho.

Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.

Assim, a proteção possessória está assegurada ao “possuidor direto ou indireto” por ameaça, perturbação ao uso ou a privação do exercício do direito de posse.

A situação fática no momento da ciência da lesão e de quando citado o réu ou cumprida a medida não obsta a tutela específica, como disposto do art. 554 do CPC ante a unicidade, conversibilidade ou fungibilidade procedimental:

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

A turbação consiste na intervenção descontinuada que se caracterize por incômodo ou perturbação que não subtraia do possuidor o controle e atuação material sobre o bem, quanto então se caracteriza o esbulho. Comentam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A pretensão contida na ação de reintegração de posse é a reposição do possuidor à situação pregressa ao ato de exclusão da posse, recuperando o poder fático de ingerência socioeconômica sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo e a perturbação; essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e atuação material no bem antes possuído.
(In Direitos Reais, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 208).

As ações possessórias estão dispostas no Código de Processo Civil com procedimento comum e com rito especial. A ação de interdito proibitório não tem diferencial temporal dado ao seu caráter eminentemente acautelar; e as de manutenção e de reintegração sob o rito especial requisitam propositura dentro de ano e dia da ofensa, enquanto as propostas em tempo maior se desenvolvem pelo procedimento comum, sendo diferencial do procedimento somente os requisitos à concessão de liminar:

Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT