Acórdão nº 50039740320218210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50039740320218210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003222625
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003974-03.2021.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: SALETE JANDIRA DA ROSA SILVA (AUTOR)

APELADO: DELTASUL UTILIDADES LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

A sentença julgou improcedente a ação de nulidade de cláusulas contratuais abusivas cumulada com indenizatória formulada por SALETE JANDIRA DA ROSA SILVA em face de DELTASUL UTILIDADES LTDA. (Evento 26-SENT1)

Transcrevo a sentença que serve ao relatório e ao voto:

Vistos, etc.

SALETE JANDIRA DA ROSA SILVA, qualificada na inicial, ajuizou ação de nulidade de cláusulas contratuais abusivas cumulada com indenizatória, contra DELTASUL UTILIDADES LTDA, igualmente qualificada, aduzindo que adquiriu uma antena digital e uma SMART TV LED WI-FI no dia 13/10/2018, no valor total de R$1.598,90, sendo que, posteriormente, verificou na nota fiscal a inclusão de um seguro no valor de R$89,00, tratando-se de inserção sem sua autorização. Salientou que, posteriormente, adquiriu na data de 28/12/2019 um fogão a gás, 5 bocas pelo valor de R$1.299,00, para pagamento em 15 parcelas mensais e fixas. Alegou que, após análise, constatou a cobrança de uma garantia adicional no valor de R$116,00. Relatou que, do mesmo modo, em 19/12/2020, adquiriu um smartphone 5k 64 GB, no valor de R$1.549,00, parcelado em 9 vezes no carnê, sendo que, após a análise, verificou a inclusão de um seguro no valor de R$171,15, sem sua solicitação. Discorreu sobre os fundamentos jurídicos que amparam sua pretensão, notadamente a aplicabilidade do CDC e a configuração de venda casada, devendo haver a repetição dos valores em dobro. Argumentou ter sofrido abalo moral. Postulou a procedência do feito, a fim de declarar a ausência de contratação e cancelar o seguro e garantia adicional, com a condenação da parte ré à repetição em dobro dos valores e, subsidiariamente, à devolução simples dos valores corrigidos. Pleiteou ainda a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$11.000,00. Pediu a gratuidade judiciária. Instruiu a inicial com documentos (Ev. 1 ).

Deferida a gratuidade judiciária, dispensada a audiência de conciliação em razão da pandemia e determinada a citação da parte ré para contestar (Ev. 3).

Citada (Ev. 8), a parte ré contestou no Ev. 11. Preliminarmente, arguiu a falta de interesse de agir, pois não utilizou o prazo de 07 dias de arrependimento. No mérito, defendeu, em suma, a legalidade da contratação, uma vez que o contrato foi firmado livremente firmado e a autora se trata de pessoa capaz, bem compreendendo os termos das garantias adicionais. Sustentou o descabimento da repetição do indébito, visto a ausência de pagamento indevido. Discorreu sobre a inexistência dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil e a inexistência de abalo moral indenizável. Postulou a improcedência do feito. Colacionou documentos.

Houve réplica (Ev. 15).

Intimadas as partes acerca do interesse na produção de outras provas (Ev. 16), ambas requereram o julgamento antecipado do mérito.

Vieram-me os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Passo à fundamentação.

O feito foi regularmente instruído, não havendo nulidades. Estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Não havendo questões preliminares passo, de imediato, ao julgamento do mérito.

MÉRITO

Almeja a parte autora a declaração de nulidade da contratação de seguro e garantia adicional adquiridos por ocasião da compra de produtos em estabelecimento da ré, alegando, em suma, que não anuiu e que se trata de venda casada. Pleiteia, ainda, a devolução dobrada dos valores e a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$11.000,00.

DA APLICABILIDADE DO CDC

Primeiramente, convém ressaltar que a relação jurídica que envolve as partes é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois os litigantes enquadram-se perfeitamente nos conceitos de fornecedor e consumidor esculpidos por este diploma legal (arts. e do CDC), o que, inclusive, não é rebatido pelo réu.

Nesse rumo, tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade civil do fornecedor é objetiva, ou seja, prescinde da prova e da análise da culpa do réu, sendo suficiente para a configuração do dever de reparar a demonstração do ato ilícito e da relação de causalidade entre esse e o dano (art. 14 do CDC).

DO SEGURO PARCELA PROTEGIDA E DA GARANTIA ESTENDIDA

No caso em comento, alega a parte autora que nunca contratou seguro ou garantia estendida quando da aquisição dos produtos, alegando estar caracterizada a prática abusiva da venda casada. A parte ré, por outro lado, defende que a contratação dos seguros e da garantia não foi imposta à demandante, a qual o contratou por mera liberalidade.

A venda casada consiste em prática abusiva, não sendo admitida nas relações de consumo. Conforme dispõe o art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor, é vedado ao fornecedor condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. Aliás, o STJ já firmou entendimento no sentido de que o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada1. A pactuação do seguro ou garantia estendida (não entendida aqui a legal), portanto, deve ser uma opção ofertada ao consumidor, e, na mesma linha, assim deve ser com qualquer outro serviço, podendo ser abusiva a depender do contexto concreto.

Pois bem. Em análise ao contexto probatório dos autos, não verifiquei a ocorrência da venda casada. Pelo contrário, os documentos do Ev. 11, docs. 4, 5, 10 e 14, devidamente assinados pela demandante, demonstram que a adesão aos seguros e garantia estendida foram opções do próprio consumidor, de forma clara e consciente. Concluo, pois, que os serviços foram pactuados de forma livre, consciente e espontânea pelo demandante - pessoa plenamente capaz até onde se tem notícia - e, inclusive, em instrumentos separados, em respeito ao art. 50 do CDC2.

Nada indica a obrigatoriedade do consumidor contratar os acessórios. Poderia ter buscado outra loja de departamentos dentre as diversas opções existentes em Passo Fundo - sem olvidar do comércio online ou outros meios, sem que tenha havido coação, obrigatoriedade ou compulsoriedade na aquisição dos produtos. Como não estava a adquirir um produto especial - são eletrodomésticos e bens para a casa - bastava se recusar a comprar naquela loja, e procurar outra, pois a disponibilidade e a oferta são amplos.

Logo, neste caso, a parte ré logrou êxito em comprovar que oferecera ao demandante a opção de contratar ou não o seguro e a garantia adicional, observando, dessa forma, o dever de informação previsto no art. 6º, III e IV, do CDC. Se não quisesse a contratação, bastaria a não assinatura dos termos de adesão, não bastando, para anular o pacto assumido, um arrependimento posterior ou a mera alegação de que não era sua vontade, desamparada de outras provas nos autos.

Reforço, uma vez mais, que são documentos (contratos) completamente separados, com a clara identificação do que se trata, a afastar a abusividade. Nesse sentido, a jurisprudência do TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DE MÁ-FÉ E VENDA CASADA. INOCORRÊNCIA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. Compra e venda de ar-condicionado. Código de Defesa do Consumidor. Incidência. Natureza consumerista da relação contratual havida entre as partes a ensejar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie. Contudo, não se pode olvidar que o fato constitutivo do direito há de estar minimamente comprovado por aquele que o alega, sob pena de isentá-lo de realizar prova mínima na instrução. Parte autora/apelante que não logrou comprovar a indução a erro na aceitação e a abusividade quanto à diferença entre o preço ofertado e o efetivamente cobrado pela empresa ré. Contrato firmado pelas partes que apresenta os valores acordados repetidas vezes, bem como a modalidade de “venda parcelada”, sendo lícita a contratação da compra do ar-condicionado a prazo e, assim, devida a dívida. Seguro de Garantia. Alegação de venda Casada. Não Comprovação. Não há, nos autos, qualquer indício de que a apelante tenha sido induzida a assinar a contratação do seguro ou mesmo de que esta aquisição tenha sido condicionada pela empresa para possibilitar ou facilitar a compra do produto principal. Além disso, o ato contratual do seguro se deu em instrumento autônomo, de onde é possível presumir que a anuência da parte tenha sido livre e espontânea. Venda casada não configurada. Restituição em dobro de valores cobrados e danos morais. Reconhecida a licitude da cobrança da dívida, não comprovada a má-fé da parte demandada e tampouco demonstrado o defeito na prestação do serviço, improcedem as pretensões de restituição de valores e de indenização por danos morais. Dano moral que não se caracteriza in re ipsa. Ônus da sucumbência e honorários recursais. Verba honorária de sucumbência majorada em favor dos procuradores da parte ré, na forma dos §§ 2º e 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50089278420198210019, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Ines Claraz de Souza Linck, Julgado em: 23-07-2021) - grifei.

Considerando, então, que o demandante pactuara os referidos serviços por vontade própria, não resta caracterizada a venda casada e, por conseguinte, não há que se falar em nulidade na pactuação do seguro e da garantia contratual adicional, tampouco em restituição dos valores pagos.

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