Acórdão nº 50039770720158210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50039770720158210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002752974
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003977-07.2015.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: VALTER MATHIAS DE SOUZA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de VALTER MATHIAS DE SOUZA dando-o como incurso nas sanções do artigo 16 parágrafo primeiro inciso IV da Lei n° 10.826/2003, pela prática de fatos delituosos assim narrados:

“No dia 31 de maio de 2009, em horário não especificado, na Rua José Veríssimo, nº 681, Bairro Harmonia, em Canoas/RS, o denunciado VALTER MATHIAS DE SOUZA possuía em sua residência 01 (um) revólver, marca Taurus, calibre .38, com numeração de série lixada, bem descrita no auto de apreensão da fl. não numerada do IP, de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, o denunciado possuía, no interior de sua residência, a referida arma de fogo, municiada com 05 (cinco) cartuchos, quando foi abordado por policiais civis que, no cumprimento de mandado de busca e apreensão (expedido nos autos nº 008/2.15.0008745-1), ingressaram no local e apreenderam o referido bem.

O laudo pericial definitivo à fl. não numeradas atesta condição normais de uso e funcionalidade da referida arma de fogo apreendida.”

A denúncia foi recebida pelo Juízo singular em 19.04.2016 (fl. 03 do evento 3, PROCJUDIC4).

Após regular tramitação do feito sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a pretensão acusatória para condenar Valter Mathias De Souza como incurso nas sanções do artigo 16, parágrafo primeiro, inciso IV, da Lei n° 10.826/2003, às penas de 03 anos de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 10 dias-multa (fls. 49/50 do evento 3, PROCJUDIC4 e 01/50 do evento 3, PROCJUDIC5 e 01/06 do evento 3, PROCJUDIC6).

A sentença foi publicada em 14.03.2019 (fl. 07 do evento 3, PROCJUDIC6).

Inconformado, Valter apelou.

Nas razões, Valter pugna por absolvição alegando inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e insuficiência probatória. Subsidiariamente, requer a desclassificação para o artigo 12 caput da Lei n° 10.826/2003 e o afastamento da pena de multa (evento 43, PET1).

Os recursos foram contra-arrazoados (evento 48, CONTRAZAP1).

Em parecer apresentado nesta Instância, o Dr. Procurador de Justiça se manifestou pelo improvimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. O pleito absolutório não merece acolhida.

No que diz com o argumento de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, não assiste razão à defesa.

O delito de porte ilegal de arma de fogo se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação. Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida.

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

Outrossim, de acordo com a Súmula Vinculante n.º 10, da Corte Suprema, que consolidou o princípio da reserva de plenário, instituído no artigo 97, da Constituição Federal, não seria possível a esta Câmara Criminal declarar a inconstitucionalidade do artigo 14, da Lei n.º 10.826/03, por descaber a um órgão fracionário dos Tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo.

Eis sua redação:

Súmula Vinculante nº 10, STF: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

No ponto, trago, ainda, decisão da Excelentíssima Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, quando do julgamento, pela Colenda 3ª Câmara Criminal desta Corte, da apelação crime nº 70029523222, na sessão do dia 18.06.2009.

Assim se manifestou Sua Excelência:

“A Lei tutela a incolumidade pública, a segurança coletiva, estabelecendo penas proporcionais ao bem jurídico que busca proteger e garantir. O Estado, objetivando tutelar o interesse coletivo, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, como valores supremos, garantidos pela Carta Política de 1988, através do legislador pretendeu punir de forma mais rigorosa, o cidadão comum que pretendesse armar-se, ameaçando com isto a incolumidade pública. E não há inconstitucionalidade no exercício de sua função legislativa. O agravamento das penas cominadas na Lei 10.826/03 em comparação às Contravenções (artigo 19) e à Lei 9.437/97, buscou atender o interesse em punir mais severamente, aqueles que circulam, portam ou propagam o comércio de armas. Toda a severidade dos dispositivos, é verdade, justificava-se com maior propriedade, caso tivesse sido aprovado o Referendum de 2005, que proibia a comercialização de armas, mas rejeitado este, não significa que a punição de condutas normativas, comportamentais, delitos de perigo sejam inconstitucionais, pois como se disse, cabe ao Estado o poder regulatório, disciplinar da conduta dos cidadãos, a fim de assegurar a segurança da coletividade e neste se insere a Lei 10.826/03.

Além disso, vale lembrar que o STF, ao julgar a ADIN nº 3.112-1, relativa à Lei de Armas, declarou como inconstitucionais, tão-somente, os parágrafos únicos dos seus artigos 14 e 15, bem como seu artigo 21.

Nada há de inconstitucional, portanto, em suas demais previsões e determinações.

No tocante a materialidade e autoria dos delitos, tenho que veio comprovada pelo registro de ocorrência das fls. 32/40 (evento 3, PROCJUDIC1), auto de apreensão da fl. 11 (evento 3, PROCJUDIC2), laudo pericial da fl. 06 (evento 3, PROCJUDIC3), assim como pela prova oral produzida, cuja síntese adoto do decidir combatido, in verbis:

"Quanto à autoria, saliento que a policial civil Cíntia Suzana Machado referiu que na época havia desavenças entre vizinhos e ambos possuíam armas de fogo e que participou do cumprimento do mandado de busca e apreensão na casa do acusado e na ocasião encontrou o revólver municiado dentro do guarda-roupa. A depoente, devido o tempo, disse não lembrar se a arma estava com numeração suprimida. Acrescentou que o denunciado não chegou a ser preso em flagrante, pois não se encontrava em casa, e pelo que recordava a residência dele ficava nos fundos, pois na frente moravam os pais. A mãe de Valter Mathias acompanhou o cumprimento do mandado de busca e ela falou que havia uma desavença com o vizinho e que o filho achou por bem, para proteger a família, comprar a arma de fogo. A depoente, ao final, também mencionou que não participou de toda a investigação, mas lembrava que o acusado tinha referido que o revólver fora jogado pelo vizinho no pátio da casa da família, a fim de incriminá-los.

Por sua vez, Valter Mathias da Souza, perante a autoridade policial, prestou as seguintes declarações:

que no dia vinte e sete de março do corrente ano, quando saía de manhã para trabalhar, encontrou em seu pátio um revólver municiado. Que pensou tratar-se de uma ameaça de seu vizinho que o persegue, o qual havia feito alguns disparos em frente à sua casa ou que se tratava de alguém que quisesse incriminá-lo. Que guardou a...

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