Acórdão nº 50040506620208216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50040506620208216001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002279590
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004050-66.2020.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

APELADO: IARA MARIZA BARRIOS NASCIMENTO DA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de inexistência de débito com pedido de reparação por danos materiais e morais em que contende com IARA MARIZA BARRIOS NASCIMENTO DA SILVA. Constou na sentença apelada (Evento 39):

III – Dispositivo:

Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais ajuizada por IARA MARIZA BARRIOS NASCIMENTO DA SILVA em face de o BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. a fim de declarar a inexistência do débito dos valores impugnados em razão da ocorrência de fraude; condenar a parte ré à devolução do valor indevidamente pago pela autora (Crédito 1 Minuto, compras à vista e saques realizados na conta-corrente no dia 09/09/2020), na quantia de R$ 7.452,39, bem como a restituição dos valores impugnados da fatura do cartão de crédito vencido em 10/10 e 10/11/2020, no total de R$ 2.295,12 e, em caso de comprovação do pagamento da última parcela das compras realizadas no cartão de crédito com vencimento em 10/12/2020, a restituição da quantia de R$ 1.147,56, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês e correção monetária pelo IGP-M, ambos a contar da citação, nos termos da fundamentação supra.

Condeno as partes ao pagamento de 50% das custas processuais cada, e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação a cada um dos procuradores das partes, devidamente compensados, considerando o tempo despendido e o trabalho desenvolvido, forte no art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspendo, contudo, a exigibilidade do pagamento do referido encargo em relação ao autor em face da gratuidade judiciária condida.

Caso sobrevenham Embargos de Declaração, intime-se a parte adversa para contrarrazões. Depois, voltem para julgamento.

Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar as contrarrazões. Depois, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Transitando em julgado, e caso depositado o valor da condenação, expeça-se alvará à parte autora.

Por fim, recolhidas eventuais custas remanescentes, arquivem-se com baixa.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante defende a ausência de responsabilidade pelo golpe sofrido pela autora. Destaca que o cartão plástico somente pode ser utilizado mediante a aposição de senha pessoal e intransferível. Pondera que a parte autora possuía a sua senha anotada na sua carteira. Preconiza que a demandante alegou ter realizado o bloqueio do seu cartão de crédito "várias horas depois" do ocorrido, quando procurou a sua agência bancária, recebendo todas as informações necessárias. Assevera inexistir falha na prestação de serviço do banco, mas sim culpa exclusiva da vítima pelo evento danoso. Alude que as compras realizadas com o plástico da parte autora se encontram dentro dos limites de saldo em conta e crédito disponíveis a ela. Ressalta que, após o débito em conta de todas as avenças contratadas, o limite do cheque especial da autora não foi excedido. Reitera que as transações impugnadas no presente feito foram efetuadas com cartão plástico e senha pessoal. Salienta que a comunicação do evento danoso depois de sua ocorrência. Pugna pela reforma da sentença recorrida, a fim de ser julgada improcedente a demanda, com o afastamento da condenação a título de danos materiais. Requer o redimensionamento dos ônus sucumbenciais, com a condenação da demandante ao pagamento das custas e honorários advocatícios (Evento 44).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 48.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 44, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 24/01/2022 e findou em 14/02/2022 (Evento 41), sendo que o recurso foi interposto no dia 06/02/2022 (Evento 44). Além disso, a parte apelante comprovou o recolhimento do preparo (Evento 43). Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA.

Verifico que a petição inicial traz hipótese de operações realizadas por terceiro, sem autorização da consumidora, com cartão de crédito furtado.

Primeiramente, importante salientar que a fraude perpetrada por terceiros não constitui causa excludente de responsabilidade, pois configura fortuito interno, uma vez que decorre do risco do próprio empreendimento, que não tem o condão de romper o nexo de causalidade entre a atividade exercida pelo fornecedor e o evento danoso.

Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FINANCIAMENTO. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. DANO MORAL. LEGITIMIDADE. FORTUITO INTERNO.

SÚMULAS N. 479/STJ E 284/STF. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.

ILÍCITO EXTRA CONTRATUAL. EVENTO DANOSO. SÚMULA N. 54/STJ. DANO MORAL. VALOR. RAZOABILIDADE. REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" (Súmula 479/STJ).

2. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia" (Súmula n. 284/STF).

3. Nos ilícitos extra contratuais, os juros de mora fluem a partir do evento danoso, nos termos do verbete n. 54 da Súmula desta Casa.

4. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1748026/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 13/11/2018) – grifei.

A propósito, trago à baila a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável1.

Assim, a instituição financeira deve responder por eventuais danos causados ao cliente em decorrência de fraudes praticadas por terceiros (risco do empreendimento), salvo se provar inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor.

Está é, aliás, a orientação do Superior Tribunal de Justiça decorrente do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, conforme incidente de processo repetitivo, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011).

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº. 479, cujo enunciado, por oportuno, ora transcrevo:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Especificamente sobre o caso ora analisado, destaca Sergio Cavalieri Filho que:

Se os riscos do negócio correm por conta do empreendedor, forçoso será então concluir que, à luz do Código do Consumidor, o furto, o roubo ou o extravio do cartão de crédito é risco do empreendimento, e, como tal, corre por conta do emissor. O titular do cartão só poderá ser responsabilizado se ficar provada a sua culpa exclusiva pelo evento, consoante § 3º, II, do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor2.

Na hipótese, entretanto, a demandante não logrou demonstrar que adotou as cautelas necessárias com a finalidade de impedir que seu cartão de crédito fosse utilizado por terceiros, demonstrando descaso com a guarda do cartão e de sua senha pessoal, devendo, portanto, arcar com as consequências de sua conduta.

Insta destacar que o entendimento desta Câmara é no sentido da exigência de que a parte solicite o cancelamento do cartão, de forma imediata, porém, há de ser levado em conta, para a análise da conduta do consumidor, por óbvio, o momento em que teve a possibilidade de informar à parte ré a ocorrência do furto.

É cediço que as administradoras de cartão de crédito, por intermédio da central de atendimento, disponibilizam aos usuários, 24 horas por dia, sete dias por semana, acesso para comunicação de perda ou roubo do cartão.

No caso em apreço, muito embora a autora sustente que, na noite do...

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