Acórdão nº 50040946120228210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50040946120228210037
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003070385
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004094-61.2022.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

RELATÓRIO

EDERSON R. F., 37 anos na data do fato (DN 16/11/1983), foi denunciado e condenado por incurso no artigo 24-A, caput, da Lei n. 11.340/06.

O fato foi assim descrito na denúncia, recebida em 23/03/2022 (abreviaturas ausentes no original):

No dia 28 de fevereiro de 2022, por volta das 21h45min, na Rua [...], em Uruguaiana/RS, o denunciado EDERSON R. F. descumpriu decisão judicial exarada no bojo do expediente n.º 5006928-71.2021.8.21.00347, onde foram deferidas medidas protetivas de urgência em favor da vítima Júlia B. S., sua ex-companheira.

Na ocasião, o denunciado, ciente da decisão que o proibiu de aproximar-se e de manter contato com a vítima, procedeu de forma a violar as medidas protetivas impostas em seu desfavor, porquanto, com sintomas de embriaguez, dirigiu-se até a frente da casa da ofendida e passou a injuriá-la, gritando que ela era uma vagabunda e puta. Demais disso, o denunciado tentou forçar o portão no intuito de ingressar na residência. Razão pela qual a ofendida acionou a Brigada Militar, a qual compareceu ao local do fato, em momento posterior a fuga do denunciado. Registre-se, por oportuno, que tais fatos foram presenciados pelos filhos da vítima.

As medidas protetivas de urgência foram deferidas no bojo do expediente n.º 5006928-71.2021.8.21.00347, tendo sido cientificado no dia no mesmo dia da audiência em que ela foram decretadas, qual seja, dia 28/09/2021, com validade até a data de 28/03/2022 (vide termo de audiência juntado no Evento 2, REL_FINAL_IPL1, Página 9).

O crime foi praticado mediante o prevalecimento das relações domésticas e com violência contra a mulher, na forma da Lei n.º 11.340/06, em razão de a vítima ser ex-companheira do denunciado.

A vítima representou contra o agressor (vide termo de audiência trasladado para o Evento 2, REL_FINAL_IPL1, Página 5).

A DEFESA apelou, buscando absolvição, alegando insuficiência probatória. Subsidiariamente, requer o afastamento ou redução da condenação à reparação de danos.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença (abreviaturas ausentes no original, contrariando as recomendações do Of. Circ. 001/2016-CGJ, art. 25, XVIII da Cons. Normativa Judicial, e Resolução 01/2017-OE/TJRS):

Trata-se de ação penal em que se imputa ao réu o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei 11.340/06).

Estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, inexistindo questões pendentes e vícios a serem sanados ou ainda preliminares a serem enfrentadas e estando o processo em condições de imediato julgamento, passo logo ao exame do mérito, adiantando ser procedente a pretensão punitiva.

A prova da existência do crime encontra-se demonstrada no inquérito policial, no qual se destacam o registro de ocorrência (evento 2, REL_FINAL_IPL1, fls. 3/5, IP), o termo de audiência com a decisão que determinou as medidas protetivas de urgência em favor da vítima, ficando o réu devidamente intimado por estar presente na solenidade (evento 2, REL_FINAL_IPL, fl. 9, IP), além da prova oral colhida desde a fase investigativa.

A autoria do delito também restou induvidosa, conforme passo a demonstrar.

JÚLIA B.S., vítima, relatou que é ex-companheira do acusado, tendo vivido juntos por aproximadamente sete anos, resultando do relacionamento o nascimento de dois filhos. Afirmou que o réu não supera o término da união, o qual se deu há dois anos. Mencionou que, nos finais de semana, o acusado bebe e vai até a frente de sua casa, oportunidade em que profere ofensas. Aduziu que já solicitou medidas protetivas por duas vezes. Referiu que, na data dos fatos, o réu descumpriu as medidas protetivas impostas ao ir até sua residência e pedir para que saísse, senão invadiria o pátio. Falou que chamou a polícia e, antes dos policiais chegarem, o réu entrou no pátio e forçou a porta da casa para tentar abri-la, mas não obteve êxito. Ele também gritava vários "nomes feios". Relatou não ter medo do acusado, mas que gostaria de continuar com as medidas protetivas estabelecidas. Indagada, afirmou que seus dois filhos presenciaram os fatos, ficando nervosos.

Interrogado, o réu EDERSON R.F. confessou a prática do delito, o qual se deu por motivo de ciúmes. Disse que teve um relacionamento com a vítima e que ainda gosta dela, porém está conformado com o término da relação. Referiu saber sobre as medidas protetivas de urgência que haviam sido deferidas em seu desfavor. Relatou que a vítima estava se relacionando com outra pessoa e que em algumas das vezes em que foi buscar seus filhos ela não estava em casa, fatos esses que não gostava.

Como se vê, há elementos seguros de prova a apontar que o réu praticou a conduta delituosa cuja autoria lhe é imputada, conforme ficou esclarecido pela palavra da vítima, pela confissão do acusado, bem como pelos demais documentos relacionados ao processo.

Observo que as medidas protetivas de urgência foram determinadas pelo juízo, durante audiência, no dia 28/09/2021, com vigência de 06 meses (evento 48, do expediente Nº 5006928-71.2021.8.21.0037/RS), ficando o réu devidamente cientificado de todo o seu teor e obrigatoriedade por ocasião da solenidade, uma vez que estava presente. O descumprimento da decisão judicial se deu no dia 28/02/2022, data em que estavam em plena vigência as medidas protetivas deferidas em favor da vítima.

Dessa forma, estando EDERSON a par da responsabilidade que lhe cabia em respeitar a decisão concedida em favor de JÚLIA, podendo o seu descumprimento inclusive resultar na decretação de prisão, imperiosa sua condenação pelo delito previsto na Lei Maria da Penha. No ponto, de salientar que o próprio acusado confirmou em juízo saber haver descumprido a decisão que o proibia de se aproximar e entrar em contato com a vítima, não havendo dúvidas quanto à consumação delitiva portanto.

Vale lembrar que a Lei Maria da Penha surgiu da imprescindibilidade de se oferecer efetiva proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, diante do agravamento dos crimes de gênero contra elas praticados, em especial na intimidade de seus lares.

Dispõe o art. 5ª da Lei nº 11.340/2006 que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A condenação tem um caráter preventivo que visa a coibir futuras e mais graves ações do agressor, sendo a resposta estatal justa e necessária.

Assim sendo, diante da robustez probatória, estando devidamente comprovada a materialidade e autoria do fato capitulado na denúncia, considero o réu como incurso nas sanções do artigo 24-A da Lei 11.340/2006. Reconheço, contudo, a atenuante da confissão espontânea, visto que o réu admitiu a prática delitiva em juízo.

Passo à dosimetria da pena.

[...]

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a PRETENSÃO PUNITIVA para CONDENAR o réu EDERSON R.F. ao cumprimento de 03 (três) meses e 13 (treze) dias de detenção, como incurso na prática do delito previsto no art. 24-A da Lei 11.340/06.

.../...

Documento assinado eletronicamente por SILVANA LECTZOW DOS SANTOS, Juíza Substituta, em 20/10/2022, às 8:32:58, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10027289028v88 e o código CRC 4263f1bb.

E parte da justificativa do parecer (abreviaturas ausentes no original):

(a) Das provas.

Ao contrário do que afirma a defesa, não é frágil o contexto probatório, sendo contundente para incriminar o réu pelo delito previsto no artigo 24-A, da Lei 11340/06, conferindo o amparo necessário ao êxito da pretensão acusatória.

A materialidade e a autoria emergem cristalinas dos autos, consubstanciadas pelo registro de ocorrência, pela certidão de intimação do réu das medidas protetivas deferidas no expediente n.º 5006928- 71.2021.8.21.0037, bem como pela prova oral angariada no feito.

Quanto aos depoimentos colhidos, a análise da prova oral realizada pela magistrado a quo, Dra. Silvana Lectzow dos Santos, ao prolatar a sentença foi precisa e exauriente, razão pela qual se pede vênia para transcrever excerto de seus fundamentos:

[...]

Do cotejo das provas dos autos, conclui-se que o réu efetivamente praticou a infração que lhe foi imputada, considerando que mesmo ciente das medidas protetivas deferidas em seu desfavor (Expediente nº 5006928-71.2021.8.21.0037 – evento 48), se dirigiu até a residência da vítima, agindo com demasiada violência, uma vez que, além de lhe proferir ofensas, tentou forçar o portão de entrada do imóvel.

Por oportuno, destaque-se que a palavra da vítima, em delitos decorrentes de violência doméstica, possui especial relevância, na medida em que ocorrem, normalmente, em ambiente privado e sem a presença de testemunhas. A propósito do tema, o julgado do TJRS:

.../...

Tem-se, pois, que o conjunto probatório se apresenta uníssono no sentido da ocorrência do crime de descumprimento de medida protetiva, devendo ser mantida a sentença condenatória.

(b) Da reparação civil.

Por fim, não há que se falar, igualmente, em afastamento da indenização fixada a titulo de danos morais à vítima.

Com efeito, a reparação dos danos...

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