Acórdão nº 50041077620198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50041077620198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003218128
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004107-76.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Prestação de serviços

RELATOR: Desembargador GLENIO JOSE WASSERSTEIN HEKMAN

APELANTE: REDECARD S/A (RÉU)

APELADO: PARTENON AUTO SOM LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por REDECARD S/A contra sentença (Evento 122, SENT1), que julgou a pretensão de duzida na ação ordinária ajuizada por PARTENON AUTO SOM LTDA. - ME, nos seguintes termos:

"Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda ajuizada por PARTENON AUTO SOM LTDA-ME contra REDECARD S.A e BANCO ITAÚ UNIBANCO S.A., todos qualificado, para manter a liminar antes deferida e condenar os réus, solidariamente a devolverem à autora, de forma simples, os juros pagos em decorrência de serviço de "antecipação de recebíveis" não usufruída pela autora entre outubro de 2013 e abril de 2014, e de dezembro de 2016 até o encerramento do serviço, em 2018. Ainda, as taxas de juros incidentes no período de vigência do serviço de antecipação de recebíveis, devem fluir no limite do que contratado, ou seja, 5,25% a.m. de maio de 2014 até agosto de 2016, e 6,99% a.m. entre setembro de 2016 e dezembro de 2016. As montas devolvidas devem ser apuradas em liquidação de sentença, e devem ser corrigidas pelo IGP-M desde cada desembolso e acrescidos de juros de mora, na taxa legal, a contar da citação.

Pela sucumbência, condeno a parte ré a pagar as 50% das custas processuais, ficando o restante por conta das rés. As demandadas também devem pagar os honorários advocatícios ao advogado da autora no montante de 10% sobre o valor da condenação. Os autores, por sua vez, devem pagar honorários ao advogado da autora, estes fixados em R$ 2.000,00. Tais valores devem ser corrigidos monetariamente, pelo IGPM, desde a sentença, e acrescido de juros demora, na taxa legal, a contar do trânsito em julgado."

Ambas as partes manejaram embargos de declaração (Evento 129, EMBDECL1 - autora e Evento 136, EMBDECL1 - rés), assim decididos (Evento 145, DESPADEC1):

"Diante do exposto, rejeito os aclaratórias opostos pela parte ré e dou provimento aos embargos declaratórios manejados pela parte autora para, sanando omissão havida, declarar que, em virtude do deferimento da gratuidade judiciária à parte demandante, fica suspensa a exigibilidade dos encargos de sucumbência que lhe cabem."

Em suas razões de apelação (Evento 152, APELAÇÃO1), a apelante sustenta, em síntese, preliminarmente, a inexistência da relação de consumo, pelo que não comportaria, o feito, a inversão do ônus da prova. Aduz que a parte autora não é a destinatária final do serviço de disponibilização de meio de pagamento prestado, conforme exige o art. 2º, caput, do Código do Consumidor para a caracterização de uma relação de consumo. Assim sendo, requer a recorrente a reforma da decisão de primeiro grau, para reconhecer a inaplicabilidade das normas insertas no CDC para o caso em análise, em face da inexistência de relação de consumo entre as partes, afastando, assim, a inversão do ônus da prova em favor da parte autora. Em prejudicial de mérito, aduz que requereu a extinção do feito com resolução de mérito, em face da incidência da prescrição trienal, com relação às cobranças anteriores a 30/04/2016. O Julgador de primeira instância, contudo, entendeu pela aplicação da prescrição decenal ao caso, nos termos do art. 205 do Código Civil. Destarte, requer a apelante seja reconhecida a incidência da prescrição trienal ao caso, com a extinção do feito com resolução de mérito no que se refere às parcelas anteriores à 30/04/2016, nos termos do art. 487, inciso II, do Código de Processo Civil. Subsidiariamente, acaso venha a ser mantida a aplicabilidade do Código de Defesa ao Consumidor, deverá ser aplicado o prazo prescricional previsto nesta legislação extravagante, qual seja, de 05 anos, consoante o artigo 27 do CDC. Assim, não sendo aplicada a prescrição trienal, o que não se acredita, deverá ser aplicada a prescrição quinquenal, com a consequente extinção do feito com resolução no mérito no que se refere às parcelas anteriores a 30/04/2014. No mérito, defende a regularidade das cobranças. Disse que apresentou Extratos Rede que comprovam a efetiva implantação do Rav desde outubro de 2013, isto é, a correta antecipação dos recebíveis do estabelecimento autor. Outrossim, não restam dúvidas que a parte autora, ora apelada, utilizou-se das benesses da antecipação de recebíveis por mais de 5 anos (cancelamento do serviço se deu em outubro de 2018) e agora, a contrassenso de suas condutas, vem ao juízo alegar desconhecimento da contratação. Não obstante o juiz de piso alegar que a antecipação de recebíveis, na prática, teria ocorrido apenas em 2014, todavia, esta alegação encontra-se equivocada. Outrossim, após o implemento da modalidade Flex, não há o que se falar em cobrança de juros, eis que é cobrado um valor da taxa de administração e uma taxa pela contratação do serviço, assim, o cálculo dos valores cobrados não abarcam juros e capitalização. Nesse contexto, causa estranheza que a parte ajuíze demanda para reclamar o recebimento antecipado das vendas somente em 30/04/2019, sob o argumento de que não teria contratado os serviços, sendo que é fato incontroverso nos autos que a contratação dos serviços perdurou de 10/2013 a 10/2018, ou seja, mais de seis anos após a contratação da antecipação da agenda. Isso porque não houve reclamação anterior da parte demandante para o cancelamento do serviço, como restou demonstrado nos autos. A situação relatada conduz à conclusão de que a parte autora aquiesceu com a contratação da antecipação de recebíveis e obteve seus benefícios por todo esse lapso temporal, pelo que, em razão da teoria da supressio, a pretensão de repetição de indébito, mediante a presente ação, se revela injusta e indevida. Ora, não é crível que alguém que não contratou, ou que não teve interesse em determinado serviço, tenha permitido que ocorressem descontos ao longo de tantos meses sem apresentar qualquer oposição ou reclamação administrativa. A isso, aplica-se também ao caso dos autos a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), ou seja, não pode a parte solicitar a restituição dos valores quitados de forma voluntária por longo período, sem qualquer impugnação. Requer, ao final, o provimento do apelo, com a reforma da sentença atacada, de modo a julgar improcedente o pedido de danos materiais formulado pela parte autora.

Foram ofertadas contrarrazões recursais (Evento 157, CONTRAZAP1), pugnando, a apelada, pela manutenção da sentença.

Após redistribuição por prevenção ao magistrado em razão de incompetência (Evento 4 - Segundo Grau), vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Conheço do apelo em seu duplo efeito, eis que preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade recursal.

Analiso a preliminar de não incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso sub judice.

Ao analisar a controvérsia a respeito da aplicação ou não do CDC no caso em tela, respeitados os argumentos da apelante, compartilho do entendimento de que é possível a incidência da legislação consumerista ao caso em comento, por aplicação da Teoria Finalista Mitigada.

O art.2º do CDC dispõe que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Assim, pela aplicação da Teoria Finalista, a parte autora não poderia ser considerada consumidora, pois resta claro que os serviços fornecidos pela ré fazem parte do insumo da atividade empresarial da autora, pois auxilia o desenvolvimento da sua atividade comercial, facilitando os meios de pagamento das suas vendas, não se enquadrando, portanto, como destinatária final do serviço.

Entretanto, ao analisar o Código do Consumidor como um todo e considerando os seus princípios norteadores, a referida concepção destoa do objetivo da legislação em comento, porquanto acaba por excluir as pessoas jurídicas que, embora utilizem os serviços como incentivo e/ou implementação ao seu negócio, igualmente, de certa forma, acabam por se tornar vulneráveis em relação à prestadora de serviços.

Nesse sentido, observa-se que a jurisprudência tem mitigado o conceito de destinatário final, aceitando a aplicação das cláusulas consumeristas também às relações comerciais, quando constatada a existência de vulnerabilidade jurídica, técnica ou econômica do beneficiário do serviço. Entendimento que vai corroborado pelo seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. ART. 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ARTIGO 1.025 DO CPC/2015. APLICAÇÃO. ALEGAÇÕES RELEVANTES. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE TÉCNICA. CARACTERIZAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. CRITÉRIO DO JUIZ. REVISÃO. IMPOSSIBLIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
3. Para que o artigo 1.025 do CPC/2015 seja aplicado , é necessário que, além de ter havido oposição de aclaratórios na origem e indicação de violação do art. 1.022 do CPC/2015 no recurso especial, as alegações da recorrente sejam relevantes e pertinentes com a matéria, o que não se verifica no presente caso.
4. O aresto recorrido está...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT