Acórdão nº 50041167620218210095 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50041167620218210095
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002004311
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004116-76.2021.8.21.0095/RS

TIPO DE AÇÃO: Não padronizado

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

N. S. D. S., menor impúbere, representada por sua genitora L.G.D.S., por intermédio da Defensoria Pública, interpõe recurso de apelação da sentença que, nos autos da ação de rito ordinário ajuizada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, indeferiu a inicial e julgou extinto o feito pela incompetência deste juízo, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal(CF) c/c art. 485, I e VI, ambos do Código de Processo Civil (CPC). Ainda, havendo interesse da União na causa, a competência para apreciação da lide passa a ser da Justiça Federal, com fulcro no art. 109, I, da CF e no art. 64, §1º, do CPC (Evento 16, DESPADEC1).

Após breve síntese dos fatos, tece considera a respeito do cabimento do recurso, da tempestividade e da dispensa do preparo. Sustenta que o juízo o quo decidiu erroneamente no momento em que extinguiu o processo por falta da inclusão da União no polo passivo da demanda. Alega que não lhe foi proporcionada a emenda à inicial ou eventual justificativa para a negativa de inclusão da União Federal no polo passivo da demanda previamente à decisão extintiva. Salienta que se trata de ação na qual se pleiteia direito consagrado na Constituição Federal, em que são solidários a prestá-lo todos entes federados: União, Estados e Municípios. Cita os artigos 196 e 23 da CF. Colaciona julgados. Assevera que não há norma processual que autorize a imposição de formação de litisconsórcio na presente demanda. Expressa que direito à vida e à saúde estão assegurados constitucionalmente, determinando-se o reconhecimento da máxima eficácia destes direitos fundamentais. Aduz que a Lei nº 8.080/90 disciplina o Sistema Único de Saúde e atribui à União, aos Estados e aos Municípios o dever de prestar os serviços à saúde, incumbindo ao paciente fazer a escolha do ente federativo que lhe dará assistência. Sustenta que a não inclusão da União em demanda judicial não significa que não possa haver um ajuste administrativo das despesas entre os entes, inclusive por meio de ação própria. Pugna pela reforma da decisão, para o fim de ser deferida liminarmente a tutela de urgência postulada, em efeito ativo. Requer, ao fim, "a) o deferimento da Gratuidade de Justiça, a teor do art. 98 do CPC, com a dispensa do preparo; b ) seja recebido o presente recurso de apelação com o deferimento da tutela provisória de urgência recursal, nos termos do art. 932, inciso II do Código de Processo Civil, para que seja reformada a decisão recorrida, deferindo -se a antecipação de tutela recursal, para que seja determinado ao requerido o fornecimento da FÓRMULA LÍQUIDA ENTERAL ORAL, sem sacarose, lactose e glúten, normocalórica, com densidade de 1,0 a 1,2 cal.ml com fibras , a ser ingerido 8x ao dia, em frações de 150 ml cada, por período indeterminado - logo, o total a ser consumido em um mês são 37,2 litros (38 frascos) - , sob pena de bloqueio de valores para aquisição particular.; c) seja intimado o recorrido para, querendo, responder o presente recurso; d) ao final, seja provido o presente recurso de apelação para reformar a sentença, determinando-se o normal processamento da ação no juízo e termos em que proposta; e) a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, por não possuir a parte recorrente condições de suportar o custo do processo, sem prejuízo do próprio sustento e de sua família; f) a intimação pessoal da Defensoria Pública, a contagem em dobro de todos os prazos processuais, a manifestação por cota nos autos e a dispensa de procuração, conforme disciplina o art. 128, inciso I, IX e XI da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994." (Evento 25, APELAÇÃO1)

O Ministério Público, nesta instância, opina pelo provimento do apelo (Evento 13 do recurso).

Vindo os autos conclusos, e editalizado para seu julgamento na sessão do dia 20/04/2022, foi determinada a retirada de pauta, haja visto que não intimado o Estado do Rio Grande do Sul para apresentação de contrarrazões, e, mais, ao final das razões de recursos havia pedido de tutela de urgência recursal, "para que seja determinado ao requerido o fornecimento da FÓRMULA LÍQUIDA ENTERAL ORAL, sem sacarose, lactose e glúten, normocalórica, com densidade de 1,0 a 1,2 cal.ml com fibras , a ser ingerido 8x ao dia, em frações de 150 ml cada, por período indeterminado - logo, o total a ser consumido em um mês são 37,2 litros (38 frascos) - , sob pena de bloqueio de valores para aquisição particular." (Evento 25). Diante de tais circunstâncias, foi determinada a intimação para apresentação de resposta pelo recorrido, bem como apreciada e deferida a postulação da parte autora, em tutela provisória de urgência recursal (Evento 16 do recurso).

Devidamente intimado o Estado apresentou suas contrarrazões (Evento 41 do originário), vindo-me novamente conclusos os autos em 14/06/2002 (Evento 39 do recurso).

É o relatório.

VOTO

Merece provimento a inconformidade.

De plano adiciona-se, para que faça parte deste voto, trechos da análise efetivada quando do deferimento do pleito de antecipação de tutela recursal:

"(...) o que se tem é uma ação ajuizada pela ora requerente, menor, portadora de Paralisia Cerebral Quadriplégica Espástica (CID 10 G80), na qual objetivada a dispensação de tratamento com a "utilização do alimento, via gastrostomia, FÓRMULA LÍQUIDA ENTERAL ORAL, sem sacarose, lactose e glúten, normocalórica, com densidade de 1,0 a 1,2 cal.ml com fibras".

Na origem, haja vista o Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, foi indeferida a inicial e julgado extinto o feito "pela incompetência deste juízo, forte no art. 109, I, da CF c/c art. 485, I e VI, ambos do CPC" (Evento 25).

E exatamente para fins de contornar essa situação, em hipóteses em que demonstrada a relevância da fundamentação e presença de risco de dano grave ou de difícil reparação, é que manejada a pretensão em causa.

Nesta quadra dos acontecimentos, sem embargo, naturalmente, de aprofundamento de análise a se dar no seu devido tempo, tenho que o acolhimento do que se pretende é de rigor.

Isto porque, a despeito de a "FÓRMULA LÍQUIDA ENTERAL ORAL" não constar nas listas do Sistema Único de Saúde, mas pelo conjunto de documentos que instrumentalizam os autos, destacando-se que, conforme laudo firmado pela profissional que assiste a menor junto ao Hospital da Criança Santo Antônio no Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre, a criança necessita da fórmula "para manter o peso e estado nutricional de acordo com seu crescimento e desenvolvimento"(Evento 1, LAUDO6, Página 1).

Importante destacar, ainda, a fragilidade das condições de saúde da menor, cuja família não dispõe de condições econômicas de custear o tratamento no valor anual de R$ 9.804,00.

Em suma, a necessidade da menor de receber o tratamento, pelo que se tem, parece incontestável.

Por outra, quanto à verossimilhança da pretensão recursal, destaco que a posição do Supremo Tribunal Federal, expressa no Tema 793, é no sentido da solidariedade da obrigação dos entes públicos federados de prestar atendimento à saúde daqueles que necessitam, independentemente da repartição de competências administrativas.

Desse modo, ainda que a responsabilidade direta pela dispensação do que pretendido possa vir a ser reconhecida como sendo da União Federal, nem por isso, se colocados também no polo passivo, hão de ser reconhecidos como partes ilegítimas o Estado e o respectivo município. Entra em cena aí a aventada, no julgado de que resultou o Tema em comento, responsabilidade subsidiária.

Sendo assim, o indeferimento da petição inicial, pelo reconhecimento da ilegitimidade passiva do Estado, talvez tenha sido mesmo açodado.

O que vem grassando na jurisprudência pátria, em casos que tais, quando identificada a responsabilidade direta da União Federal, pelas regras de repartição próprias, é o entendimento da presença do litisconsórcio necessário, hipótese em que, antes de extinguir a ação, o que caberia ao juízo seria instar a parte autora a requerer a integração ao feito da União.

Confira-se alguns dos precedentes emanados do Supremo Tribunal Federal que sinalizam a presença do litisconsórcio necessário da União Federal: RE 1307921/PR, relatoria Ministra Carmen Lúcia; STP 649/MC, relatoria Ministro Luiz Fux; ARE 1285333/PR, relatoria Ministro Gilmar Mendes; ARE 1299773/PR, relatoria Ministro Alexandre de Moraes, RE 1303165/PR, relatoria Ministro Roberto Barroso e ARE 129832 relatoria do Ministro Edson Fachin, redator do EDcl no RE 855178.

Enquanto isso, diante da urgência do provimento liminar objetivado, incumbiria ao juízo de origem apreciá-lo, até porque, mesmo que posteriormente viesse a reconhecer sua incompetência (se a parte autor pedir a inclusão da União Federal), e assim determinando o envio dos autos à Justiça Federal, o interesse maior (no caso, as condições de saúde da parte autora) ficaria preservado, vigendo o provimento que ditasse pelo menos até sua confirmação neste Grau de Jurisdição, se objeto de recurso, ou até a revisão pelo juízo competente (art. 64, § 4º, do CPC).

E é essa mesma urgência que autoriza, desde já, e neste Grau de Jurisdição mesmo, o exame precário do pedido liminar encartado na peça inicial, até porque, com a apelação, se operou a devolução plena do conhecimento da matéria postas nos autos a esta Corte.

Deste modo, até que se analise o apelo interposto pela requerente, suspendo os efeitos da sentença, e defiro o pedido de tutela provisória de urgência recursal, para fins...

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