Acórdão nº 50041601020208210070 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50041601020208210070
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002300222
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004160-10.2020.8.21.0070/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

MARCIO ARAUJO DA SILVA interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida em face de BANCO DIGIMAIS S/A, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 61):

Ante as razões alinhadas, forte no artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES o pedido formulado por Marcio Araujo da Silva em face de A.J. Renner S/A.

Sucumbente, condeno o requerente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor da causa, forte nos pressupostos do artigo 85 do CPC.

Retifique-se o polo passivo da demanda, fazendo constar Intacto Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, registrando-se os procuradores indicados no evento 59.

Em suas razões recursais alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a redução dos juros remuneratórios para 12% ao ano, a exclusão da capitalização dos juros, a impossibilidade da cobrança da comissão de permanência, a compensação e a repetição de indébito e o deferimento da tutela provisória de urgência para ser mantido na posse do bem, depositar os valores entendidos como devidos e não ter seu nome inscrito nos órgãos restritivos ao crédito. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e a majoração do valor fixado para os honorários advocatícios. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 70).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº 0002.000074.1007) foi firmado em 25/01/2019, no valor de R$ 21.628,67, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 2,18 % ao mês e de 29,54 % ao ano sobre o valor financiado (evento 15).

QUESTÃO PRELIMINAR

INOVAÇÃO RECURSAL

De acordo com o art. 1.014 do CPC, é defeso que o Tribunal admita exame de matéria nova arguida em apelação, sem que o recorrente comprove que deixou de fazer anteriormente por motivo de força maior.

Para corroborar a compreensão quanto ao ponto, oportuno reproduzir trecho da Doutrina citada na obra Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 2073:

“3. Proibição de inovar. Por inovação entende-se elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição (Fasching, ZPR, n. 1721, p. 872). Não se pode inovar no juízo de apelação sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda). Todavia, a norma comentada permite que sejam alegadas questões novas, de fato, desde que se comprove que não foram levantadas no primeiro grau por motivos de força maior. Pela proibição do ius novorum prestigia-se a atividade do juízo e primeiro grau (Holzhammer. ZPR, p. 322; Barbosa Moreira. Coment. CPC, n. 248, pp. 452/454). O sistema contrário, ou seja, o da permissão de inovar no procedimento da apelação, estimularia a deslealdade processual, porque propiciaria à parte que guardasse suas melhores provas e seus melhores argumentos para apresenta-los somente ao juízo recursal de segundo grau (Barbosa Moreira, Coment. CPC, n. 248. Pp 452/454). Correta a opção do legislador brasileiro pelo sistema da proibição de inovar em sede do recurso de apelação.

Desse modo, considerando que o autor/recorrente apresentou fundamentação e pedido que não constou na petição inicial, deixo de conhecer do apelo no que pertine a cobrança da comissão de permanência.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao enfrentamento dos demais pontos devolvidos no recurso.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

A discussão atinente à fixação de limites de juros remuneratórios, devidos pelo “custo” do capital financiado e pelo risco inerente à operação, a ser suportado pelo consumidor, encontra no revogado Código Civil de 1916 o seu ponto de partida.

O art. 1.262, “segunda parte”, liberava completamente a sua fixação nos contratos de mútuo, desde que houvesse pactuação por escrito, já que não se admitia, àquela época, juros remuneratórios não pactuados.

O limite previsto nos arts. 1.062 e 1.063 dizia respeito apenas aos juros moratórios, e ainda assim, apenas para a hipótese de não haver convenção em contrário ou, havendo esta, não ter sida fixada a sua taxa.

“Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano.

Art. 1.063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.

Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização.

Art. 1.263. O mutuário, que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital”.

A Lei de Usura, porém, pôs cobro à liberdade plena dos...

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