Acórdão nº 50041732920198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50041732920198210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002354048
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004173-29.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Mandato

RELATORA: Desembargadora DEBORAH COLETO A DE MORAES

APELANTE: ANA PAULA GUASQUE GALLO (EMBARGADO)

APELADO: RAFAEL MENEZES (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANA PAULA GUASQUE GALLO contra a sentença de evento 142 que julgou procedentes os embargos de terceiros movidos em seu desfavor por RAFAEL MENEZES e que foi encerrada pelo seguinte dispositivo:

Isso posto, JULGO PROCEDENTE os presentes embargos de terceiro, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para desconstituir as averbações constantes na Av. 4/88.416 e na Av. 4/88.420do Registro de Imóveis da 1ª Zona desta Comarca, determinando o cancelamento das mesmas.

Pela sucumbência, condeno a embargada ao pagamento da taxa única e despesas processuais, mais honorários ao procurador do embargante, que fixo em R$ 3.000,00, a ser corrigido pelo IGP-M a contar da presente sentença, com acréscimo de juros de mora de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado, observados critérios de razoabilidade, proporcionalidade, equidade e moderação, com aplicação, por analogia, do § 8º, do art. 85, do CPC, porquanto trata-se de causa de elevado valor, mas sem maior complexidade, de sorte que o arbitramento pelas regras do § 2º ou 4º, representaria verba exorbitante e desproporcional em relação ao trabalho efetivamente realizado (Embargos de Declaração Cível, Nº 70084437300, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 30-09-2020).

Em suas razões recursais (Evento 148), requer a embargada a reformada da sentença, ao argumento, em síntese, de que não há prova da posse do imóvel pelo embargante, na medida em que este apresentou apenas documentos aleatórios e unilaterais e que tampouco demonstram que a alegada posse perdura até os dias atuais. Afirma que é questionável a circunstância de que a promessa de compra e venda haja sido firmada no ano de 2010, mas que até este momento não tenha o recorrido formalizado a compra com o registro na matrícula. Destaca que o IPTU também segue em nome do devedor, inclusive havendo dívida, deixando o embargante de demonstrar o seu pagamento. Quanto ao contrato de promessa de compra e venda que lastreia os embargos de terceiro, ressalta que estipula que a escritura e registro do negócio deveria ser encaminhado até dezembro de 2014, mas tal não foi cumprido e que não há prova de que haja realmente sido assinado em 2010, porque não foram reconhecidas as firmas, motivo pelo qual deverá ser aplicado ao caso o parágrafo único do artigo 409, inciso III do CPC. Por fim, em caso de manutenção da decisão, postula pela inversão dos ônus sucumbenciais, argumentando que não deu causa à ação, mas sim o embargado que supostamente adquiriu um imóvel em 2010 e até os dias atuais não promoveu a alteração de propriedade na matrícula do bem.

Com contrarrazões (Evento 151), subiram os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça, vindo conclusos para julgamento.

É o relatória.

VOTO

Eminentes Colegas,

Cuida-se de apelação interposta pela credora/embargada contra a sentença que reconheceu que o imóvel que permanece registrado em nome do devedor é de propriedade de terceiro, ora embargante/recorrido.

Em suma, a embargada sustenta que não há prova da posse pelo recorrido e tampouco da data da suposta assinatura da promessa de compra e venda.

Sem razão, entretanto.

Primeiramente, no tocante à data da assinatura da promessa de compra, a ausência de reconhecimento de firma não afasta a validade do ato, sobretudo, no caso concreto, em que o documento está aliado a vários outros elementos probatórios que levam à conclusão de que o embargante é o proprietário do imóvel desde, no mínimo, 2011.

No ponto, destaco que o próprio artigo de lei citado pela recorrente (art. 409, CPC), determina que a data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito.

In casu, além da ata de assembleia do condomínio colacionada pelo embargante, que dá conta de que este foi síndico no ano de 2012, o que comprova que agia como proprietário do bem, mesmo que não haja formalizado negócio jurídico junto à matrícula do imóvel.

Somado a isso, o embargante arrolou testemunha ouvida em juízo (evento 123), Ivana Fadanelli, a qual é vizinha que reside no apartamento nº 101, ao lado do apartamento objeto da discussão. Ela afirma que, apesar de não ter conhecimento do contrato de promessa de compra e venda, refere que, para ela, ou seja, no quanto externado, o embargante agia, e se apresentou, como proprietário.

Ademais, disse ela que sabia que o ora recorrido foi síndico em 2012, porque ela exercia tal cargo no ano anterior, em 2011. A esse propósito, quando questionada, diz que não se lembra de haver visto Renato, o devedor e antigo proprietário, nas assembleias de condomínio quando era síndica. Aliás, relata que depois que o embargante se apresentou como proprietário nunca mais viu o Sr. Renato no condomínio.

Narra a testemunha, ainda, que o recorrido residia no imóvel com sua então esposa/companheira Cristina e filho e, quando da separação do casal, aquela permaneceu lá com a criança, exatamente como dito pelo embargante no seu depoimento pessoal, no qual este esclarece que compartilham a guarda do menino.

Por fim, a Sra. Ivana conta que, naquele momento, o imóvel estava alugado para alguém que conheceu como Fernando e que tal situação era recente, havia se iniciado na pandemia.

Ou seja, a prova testemunhal é exatamente no sentido do que se extrai da prova documental.

Isso porque, na DIRF do exercício do ano de 2011 (Evento 01, OUT9), o recorrido declara haver adquirido o imóvel e, apesar da declaração ser preenchida pelo próprio, evidente que não haveria interesse escuso em fazer constar mais um bem, o que aumenta o valor devido pelo imposto.

Do mesmo modo, contrato de aluguel colacionado ao evento 126, faz prova de que o embargante é o possuir indireto do imóvel, porquanto figura como locador e terceiro, Fernando, como locatário, no mesmo sentido do que narrado pela testemunha.

Nesse contexto, cabe ainda relembrar que não apenas a propriedade - que me parece comprovada à suficiência - mas também a posse é protegida pela via dos embargos de terceiro.

De sorte que o argumento de que o apelado não é o proprietário registral do bem não afasta a procedência do incidente. O artigo 674 do Código de Processo Civil estabelece que:

Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.

§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.

Destarte, a ausência de registro do ato junto ao competente Registro de Imóveis não afasta a proteção à posse desejada pelo terceiro embargante.

Pela mesma razão, apenas porque também deixou de formalizar a alteração do proprietário junto à Prefeitura, sendo o IPTU mantido no nome do antigo proprietário, também não afasta a procedência do pedido, na medida em que o embargante haje como proprietário e detém a posse, mesmo que indireta, do bem.

Este é o entendimento que vem diuturnamente sendo adotado por este Egrégio Tribunal de Justiça:

CONTRATOS AGRÁRIOS. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA JUDICIÁRIA. DESCONSTITUIÇÃO. 1. DO INTERESSE PROCESSUAL Embora a propriedade dos bens imóveis somente se transfira com o registro, conforme o art. 1.245 do CC, é possível o ajuizamento de embargos de terceiro para defender posse decorrente de contrato de promessa de compra e venda, ainda que não registrado , a teor do que estabelece a Súmula 84 do STJ (E admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro ). 2. DA BOA-FÉ DOS ADQUIRENTES Considerando que a prova carreada para os autos demonstra que o contrato de promessa de compra e venda foi firmado pelos embargantes em data anterior à liquidação de sentença e ao pedido de averbação formulado pelo embargado, bem como que, ao tempo do referido pedido, este já havia sido notificado para desocupar o imóvel, resta...

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