Acórdão nº 50041733620208212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50041733620208212001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002023746
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004173-36.2020.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: MARISTELA MENDES DE MESQUITA (AUTOR)

APELANTE: GOLDSZTEIN CYRELA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S/A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Maristela Mendes de Mesquita e Goldsztein Cyrela Empreendimentos Imobiliários S.A., respectivamente, contra a sentença que, nos autos da Ação Indenizatória por Danos Morais ajuizada pela primeira apelante, julgou a demanda nos seguintes termos:

ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido, para o fim de condenar a requerida GOLDSZTEIN CYRELA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S/A a pagar para a autora, MARISTELA MENDES DE MESQUITA, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais, atualizada pelo IGP-M a contar desta decisão e acrescida de juros de 1% ao mês a partir da citação.

Sucumbente, arcará a requerida com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, estes fixados no percentual de 20% sobre o valor da condenação, em observância ao artigo 85, §2º do CPC, corrigidos monetariamente pela variação do IGP-M a contar da data da fixação da verba e acrescidos de juros de mora de 1% a.m a contar do trânsito em julgado.

A apelação da autora sustenta que o vazamento de gás em razão dos vícios construtivos trouxe risco à saúde e à vida da requerente. Pretende a majoração da indenização por danos morais para o valor de R$ 15.000,00.

Requer o provimento do apelo (Evento 54 dos autos originários).

A apelação da ré assevera estar configurada a culpa exclusiva de terceiro, capaz de afastar a responsabilidade da construtora, na forma do art. 12, § 3º, III, do CDC. Destaca que, em conformidade com o laudo pericial obtido na demanda pretérita, foi reconhecido que o condomínio não comprovou ter realizado as manutenções preventivas, dando azo ao agravamento da situação, além de ter optado, sem necessidade técnica, por fazer uma obra maior do que a efetivamente necessária para sanar o vazamento de gás. Diz que a apelante não foi comunicada na via extrajudicial sobre o suposto vício construtivo. Argumenta que o vazamento de gás ocorreu cerca de oito anos após a entrega do empreendimento, estando fora do prazo da garantia contratual. Rechaça a condenação por danos morais, eis que não comprovados na situação fática, tratando-se de mero desabastecimento de gás no imóvel.

Requer o provimento do apelo (Evento 55 dos autos originários ).

Intimadas, as partes apresentaram as as contrarrazões (Eventos 59 e 60 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, foi dado vista à parte autora acerca do fato novo suscitado pela ré no Evento 05 - PET1, hipótese em que se manifestou no Evento 10 - PET1.

Adiante, foi declinada a competência por este Relator no Evento 21 - DESPADEC1.

Ato continuo, a colenda 20ª Câmara Cível suscitou Dúvida de Competência no Evento 27 - DESPADEC1, a qual foi desacolhida através da decisão proferida pela egrégia 1ª Vice Presidência (Evento 31 - DESP1).

A 20ª Câmara Cível ingressou com pedido de reconsideração à decisão que desacolheu a Dúvida de Competência (Evento 37 - DESPADEC1). Assim, sobreveio nova decisão que acolheu a Dúvida, determinando a redistribuição dos autos a este Relator (Evento 40 - DESPADEC1).

Após, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

Os apelos são tempestivos. Os preparos recursais estão comprovados no Evento 54 e Evento 55 dos autos de origem.

As insurgências serão analisadas conjuntamente.

Para melhor entendimento dos fatos, transcrevo parte do relatório da sentença:

Vistos.

MARISTELA MENDES DE MESQUITA ajuizou ação de indenização por danos morais em desfavor de GOLDSZTEIN CYRELA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A. Relatou ser proprietária do apartamento nº 204, da Torre B, do Condomínio Villagio Planalto Triunfo, construído pela requerida e ficou privada de utilizar o gás central durante o período de 29/05/2019 a 29/06/2019, pois foi constatado vazamento subterrâneo em um dos canos da tubulação (parte do joelho), com vazamento intermitente de gás. Discorreu acerca dos danos morais sofridos, pois ficou privada da utilização do gás, sofrendo transtornos para realizar a higiene e alimentação. Discorreu acerca da responsabilidade da requerida. Requereu a procedência do pedido de indenização por danos morais e pugnou pela aplicação do CDC. Recolheu custas.

Citada, a requerida contestou, destacando não ter sido informada do suposto vazamento de gás, não sendo possível avaliar a situação e tentar verificar as causas e consequências e até mesmo apurar se o vazamento ocorreu, impugnando todos os documentos acostados pela autora. Aduziu estar o empreendimento finalizado há mais de oito anos, pois o habite-se foi expedido em 26/10/2011, tratando-se de empreendimento antigo que necessita de manutenção constante pelos condôminos e pelo próprio Condomínio, além disso, todos os prazos de garantias, sejam os contratuais (previstos no Manual do Proprietário), sejam os legais, já se esgotaram. Defendeu a culpa exclusiva do condomínio. Destacou a realização de laudo pericial nos autos da ação proposta pelo Condomínio em face da Construtora, processo nº 5004932-34.2019.8.21.2001. Impugnou os alegados danos morais sofridos. Requereu a improcedência do pedido. Juntou procuração e documentos.

Pois bem. Segundo Maria Helena Diniz: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, Volume 7, 29ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, p. 51).

Nessa linha, importante referir que para ficar caracterizada a responsabilidade subjetiva é necessária a comprovação da ação (conduta comissiva ou omissiva), da culpa do agente, da existência do dano e do nexo de causalidade entre a ação e o dano.

Sobre o tema, os arts. 186, 187 e 927, do Código Civil, assim dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

(...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

No entanto, a hipótese dos autos trata de relação de consumo, sendo objetiva a responsabilidade da demandada, nos termos do art. 12, caput, do CDC, ou seja, a parte requerida responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados ao autor (consumidor) relativamente aos vícios construtivos do imóvel.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Aliás, Antônio Herman V. Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa (in Manual de Direito do Consumidor, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2014, p. 172) ensinam que:

(...)

A sociedade de consumo, com seus produtos e serviços inundados de complexidade tecnológica, não convive satisfatoriamente com um regime de responsabilidade civil baseado em culpa. "Se é relativamente fácil provar o prejuízo, o mesmo já não acontece com a demonstração da culpa. A vítima tem à sua disposição todos os meios de prova, pois não há, em relação à matéria, limitação alguma. Se, porém, fosse obrigada a provar, sempre e sempre, a culpa do responsável, raramente seria bem sucedida na sua pretensão de obter ressarcimento".

A substituição da culpa, como informadora do dever de reparar, por um outro critério, em especial na proteção do consumidor, vinha sendo reclamada de há muito.

Afastando-se, por conseguinte, do direito tradicional, o Código dá um fundamento objetivo ao dever de indenizar. Não mais importa se o responsável legal agiu com culpa (imprudência, negligência ou imperícia) ao colocar no mercado produto ou serviço defeituoso.

Não é sequer relevante tenha ele sido o mais cuidadoso possível. Não se trata, em absoluto, de mera presunção de culpa que o obrigado pode ilidir provando que atuou com diligência. Ressalte-se que tampouco ocorre mera inversão do ônus da prova. A partir do Código - não custa repetir - o réu será responsável mesmo que esteja apto a provar que agiu com a melhor diligência e perícia.

(...)

Uma das grandes inovações do Código foi exatamente a alteração do sistema tradicional de responsabilidade civil baseada em culpa. A responsabilização do réu passa a ser objetiva, já que responde, "independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores" (art. 12, caput).

A alteração da sistemática da responsabilização, retirando-se o requisito de prova da culpa, não...

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