Acórdão nº 50041829520188210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50041829520188210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002694854
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004182-95.2018.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Juiz de Direito AFIF JORGE SIMOES NETO

APELANTE: GILBERTO LUIZ MARTINS (EMBARGANTE)

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (EMBARGADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apreciar apelações interpostas por GILBERTO LUIZ MARTINS e BANCO BRADESCO S.A. em face da sentença que, nos autos dos embargos à execução, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do dispositivo assim exarado (evento 25, SENT1):

Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por GILBERTO LUIZ MARTINS em face de BANCO BRADESCO S.A., com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, para REVISAR o contrato n° 0557629, para determinar:

a) a revisão dos juros remuneratórios para 23,18% ao ano;

b) adequar o valor cobrado na execução.

Reciprocamente sucumbentes, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais, metade para cada um, e dos honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, que fixo em R$ 1.000,00, considerando a baixa complexidade da ação e o seu caráter repetitivo (art. 85, § 8º, CPC).

Em suas razões recursais (evento 31, APELAÇÃO1), o BANCO BRADESCO S.A. discorreu sobre o princípio da pacta sunt servanda, bem como defendeu a legalidade da taxa de juros contratada. Asseverou que, em razão do princípio da causalidade, é a parte embargante quem deve custear os ônus sucumbenciais. Ao final, requereu o provimento do recurso interposto.

Por sua vez, GILBERTO LUIZ MARTINS aduziu, em suas razões recursais (evento 34, APELAÇÃO1), a necessidade de limitar os juros com base nas taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central sob nº 25434 e 20715. Defendeu a abusividade da cobrança de capitalização e de IOF. Ao final, requereu o provimento do recurso interposto.

Apresentadas contrarrazões recursais (eventos 40/41, CONTRAZ1), vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo à análise da matéria devolvida a este Colegiado.

Possibilidade de revisão contratual:

As disposições da Lei Consumerista aplicam-se aos contratos celebrados com instituições financeiras, como no caso dos autos, consoante entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Entretanto, embora aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, não é admitido proceder revisão de ofício das cláusulas contratuais entendidas por abusivas, embora incidam as regras do Estatuto Consumerista, em consonância com o Enunciado 381 do STJ: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Com efeito, o código consumerista consagrou o princípio da função social dos contratos (CDC, art. 6º, inciso V), relativizando assim o rigor do Pacta Sunt Servanda e permitindo ao consumidor a revisão do contrato entabulado, inclusive se renegociado, extinto, novado ou quitado (Súmula nº 286/STJ), quando constatada abusividade, conforme o entendimento sufragado por esta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS FINDOS. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. - A possibilidade de revisão judicial de contratos findos, seja pelo pagamento, seja pela novação contratual, encontra-se sedimentada na jurisprudência brasileira, encontrando guarida a partir da exegese da Súmula nº 36 deste Tribunal e 286 do Superior Tribunal de Justiça. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO REVISIONAL. NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. - Princípio relativizado, diante da aplicação do art. 6º, inciso V, do CDC que consagra o princípio da função social dos contratos. (...). APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 51200241220208210001, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 30-11-2021) (grifei)

No caso, portanto, não merece agasalho o pleito recursal da instituição financeira embargada, ora apelante.

Juros Remuneratórios:

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (tema nº 27), definiu que é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).

Na esteira do entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, para verificação da abusividade, deve-se fazer um comparativo entre a taxa de juros contratada e a taxa média de juros de mercado, apurada pelo Bacen, observando-se a natureza do crédito concedido e a data da contratação.

Com efeito, tão somente nas situações em que ficar cabalmente demonstrada a onerosidade excessiva é que se admite a limitação dos juros contratados pelas partes. Nesta linha, colaciona-se o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. 1. Nos contratos bancários não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano 2. A redução dos juros dependerá de comprovação da onerosidade excessiva - capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - em cada caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média de mercado para as operações equivalentes, não sendo a hipótese dos autos. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.287.346/MS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe de 20/11/2018.) (grifei)

No caso em exame, tenho por correta a utilização da taxa média de mercado como parâmetro para a aferição da abusividade dos juros incidentes no contrato em questão. Isso porque, embora a instituição financeira exequente defenda a inaplicabilidade do critério, ao argumento de que se trata de contrato de alto risco, a modalidade de crédito concedido possui correspondência exata nas informações econômico-financeiras organizadas nas séries temporais divulgadas pelo Bacen, não havendo outra medida mais específica que pudesse ser aplicada ao caso trazido à lume nestes autos.

Nesse sentido, pela aplicabilidade da taxa média de mercado como parâmetro para a verificação da abusividade dos juros previstos em "contratos de alto risco", encontra-se a jurisprudência desta 23ª Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR. NULIDADE DE SENTENÇA. (...) O argumento de que o elevadíssimo risco de inadimplemento na contratação obriga a recorrente a enfrentar riscos maximizados na realização de seus créditos, não elide nem neutraliza a evidência de que está cobrando taxas superiores à média mensal aferida pelo BACEN. E isso a enquadra nos precedentes do STJ que consideram a ultrapassagem daquela média como indicativa da abusividade na cobrança dos encargos do empréstimo. - A financeira que realiza empréstimos para clientes de "alto risco", assume as consequências respectivas, que não podem ser repassadas justamente para o tomador do crédito. (...). APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50554841820218210001, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 22-02-2022) (grifei)

Não obstante, reputo como descabida a aplicação da série temporal aventada pela parte embargante (operações de crédito com recursos livres - pessoa jurídica - total), pois não corresponde especificamente à natureza contratual do título executivo sub judice (operações de crédito com recursos livres - pessoa jurídica - capital de giro com prazo superior a 365 dias).

Assentada tal premissa, verifica-se que a taxa de juros remuneratórios prevista no contrato objeto da demanda supera substancialmente a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central, conforme abaixo ilustrado:

Evento Data Juros contratados Taxa média de mercado
(cód. nº 20723 e 25442)
Evento 2, OUT - INST PROC7, pgs. 11/23 11/2016 2,6771% a.m e 37,30% a.a 1,75% a.m e 23,18% a.a

Em relação à margem de tolerância, esta Câmara, em julgamento realizado sob a égide do art. 942 do CPC, decidiu ser possível a revisão do encargo quando houver discrepância entre a taxa de juros praticada e a taxa média divulgada pelo Banco Central, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (Apelação Cível nº 70083564989), circunstância que se evidencia no caso em exame, com relação ao contrato revisado.

Registra-se que, para além do critério objetivo (taxa média de mercado divulgada pelo Bacen), deve ser levado em consideração que as orientações contida no REsp nº 1.061.530/RS, que permeiam a questão atinente à abusividade dos juros remuneratórios, têm por escopo os ditames contidos no Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual o parâmetro mais adequado para aferição da abusividade não pode ser aquele que onere ainda mais o consumidor (parte sabidamente vulnerável da relação), em detrimento das instituições financeiras.

Portanto, evidenciado que a taxa de...

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