Acórdão nº 50042259320198210052 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50042259320198210052
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001965882
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004225-93.2019.8.21.0052/RS

TIPO DE AÇÃO: Feminicídio (art. 121, §2º, VI e §2º-A)

RELATOR: Desembargador JOSE CONRADO KURTZ DE SOUZA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR) E OUTRO

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público contra FERNANDO BARBOSA COELHO, nascido em 20/11/1987 e com 31 anos de idade à época do fato, como incurso nas sanções do Art. 121, § 2º, IV e VI, c/c o Art. 14, II, ambos do Código Penal, com incidência das disposições da Lei nº 8.072/1990.

A denúncia ficou assim lavrada:

“No dia 17 de fevereiro de 2019, por volta das 00h50min, na Rua Um, n.º 26, bairro Nova Guaíba, em Guaíba/RS, o denunciado FERNANDO BARBOSA COELHO deu início à conduta de matar a vítima Cassiana Gross Peres, desferindo-lhe golpes com uma faca (apreendida), causando as lesões descritas no boletim de atendimento médico de fl. 80 que refere: “Traumatismo do intestino delgado (Traumatismo de órgãos intra-abdominais) (...) trauma, com FAB em abdome e mse (...)”.

Na ocasião, o denunciado esteve na residência da vítima para buscar seus pertences, mas pretendendo também retomar o relacionamento, o que foi negado por Cassiana. Inconformado, o acusado ingressou na casa, e, dirigindo-se ao quarto das filhas, ameaçou a vítima de que iria “tirar dela o que ela mais gosta”, com o que Cassiana reagiu, tentando puxá-lo para fora do imóvel. Neste momento, o denunciado puxou uma faca e, com animus necandi, desferiu o primeiro golpe na vítima, tentando acertá-la na região do tórax. Após troca de empurrões, já próximo do portão da residência, o acusado desferiu diversas facadas em Cassiana, atingindo-a na região do braço e abdômen. Em seguida, o denunciado empreendeu fuga.

O crime somente não se consumou por circunstância alheia à vontade do denunciado, uma vez que a genitora da vítima, a qual reside na mesma rua, ouviu os gritos da filha e foi ao seu encontro, socorrendo-a, com o que Cassiana recebeu pronto e eficaz atendimento médico.

A arma branca utilizada para o cometimento do delito foi apreendida, conforme auto de apreensão de fl. 44 que refere: “(uma) 01 faca grande com cabo de madeira contendo resquícios de sangue”.

O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, visto que o denunciado surpreendeu Cassiana com a atitude criminosa, a qual se encontrava desarmada.

O delito foi praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio), já que o crime envolve violência doméstica e familiar, em razão de o denunciado não aceitar o fim do relacionamento com a vítima. ”

Decretada a prisão preventiva do réu (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC1, págs. 26-28).

Realizada audiência de custódia em 19/02/2019 (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC1, pg. 34 – processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC2, pg. 01).

Recebida a denúncia (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC9, pg. 04).

Procedida à citação pessoal do réu (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC9, pg. 15), que ofereceu resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC9, pg. 16).

Em audiência de instrução foram ouvidas a vítima, duas testemunhas arroladas pela acusação, quatro testemunhas arroladas pela defesa, bem como foi efetuado o interrogatório do réu (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC15, págs. 32-36 - processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC16, processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC17, processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC18 e processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC24, págs. 09 e 14-15).

Foram atualizados os antecedentes criminais do réu (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC24, págs. 11-12).

As partes apresentaram memoriais (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC24, pg. 17-19 – processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC25, pg. 01-04 e processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC25, págs. 05-20).

Sobreveio a sentença (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC25, págs. 24-31), publicada em 21/11/2019, julgando procedente a denúncia para pronunciar o réu FERNANDO BARBOSA COELHO, como incurso nas sanções do Art. 121, § 2º, IV e VI, c/c o Art. 14, II, ambos do Código Penal.

Inconformada, a defesa técnica interpôs Recurso em Sentido Estrito em favor do réu (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC25, pg. 40), posteriormente apresentando as suas razões recursais (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC25, págs. 42-50 e processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC26, págs. 01-10), postulando a desclassificação da conduta imputada ao réu para afastar a competência do Tribunal do Júri, ou, alternativamente, o afastamento das qualificadoras e a revogação da prisão preventiva do réu.

Foram apresentadas contrarrazões (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC26, págs. 13-23).

Mantida a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC26, pg. 24), subiram os autos à consideração desta Corte.

Sobreveio o Acórdão da 3ª Câmara Criminal (RSE nº 70083819631) que, à unanimidade, negou provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto pela defesa e manteve a decisão de pronúncia (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 3, PROCJUDIC26, págs. 41-48).

Realizado o julgamento perante o Tribunal do Júri em 14/12/2021 (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 70, ATAJURI1), o Conselho de Sentença o condenou o réu FERNANDO BARBOSA COELHO como incurso nas sanções do Art. 121, § 2º, IV e VI, c/c o Art. 14, II, ambos do Código Penal.

Sobreveio a sentença (processo 5004225-93.2019.8.21.0052/RS, evento 71, SENT1), publicada em 16/12/2021, para fixar a pena do réu FERNANDO BARBOSA COELHO em razão da sua condenação, nos seguintes termos:

“As circunstâncias são reprováveis – tudo se deu mediante recurso que dificultou a defesa. Ao portar uma faca, assim como pode causar lesões mais graves, impediu que a vítima se defendesse. Os motivos são igualmente reprováveis – causou as lesões para poder atacar a filha da vítima, criança indefesa, e impor sofrimento psicológico à vítima, embora não tenha sido esclarecido o que pretendia fazer com a criança. As circunstâncias também reprováveis por o crime ter sido cometido na casa da vítima, à noite, enquanto as filhas, crianças, estavam no quarto. As consequências, graves. Além das lesões físicas, dos posteriores cistos na vítima, referidos pela genitora da mesma, segundo as testemunhas, a vítima perdeu o emprego por crise emocional, emociona-se diante de imagens de facas, a filha passou dias sem falar, experimenta problemas psicológicos até os dias atuais. O comportamento da vítima exige, da mesma forma, recrudescimento da sanção ao réu. A vítima buscou, mesmo diante da ameaça à própria vida, conter o réu, interpondo-se como óbice ao objetivo, sofrendo diversas, sucessivas facadas. Mesmo diante da resistência, o réu continuou até, conforme reconhecido pelo conselho de sentença, ter sido impedido por circunstância alheia a sua vontade. As demais circunstâncias judiciais referidas no art. 59 não levam ao aumento da pena. Fixo a pena-base, assim, em 16 anos.

Não é caso de redução em razão da confissão. O réu confirmou ter desferido os golpes, mas aduziu que apenas o fez em razão das agressões iniciadas por aquela que consta como vítima na denúncia. A confissão, portanto, vinculada a excludente de tipicidade, não pode ser utilizada para a redução da pena. Assim se posiciona o Superior Tribunal, quanto ao crime de tráfico, nas situações em que o réu confessa a posse, mas afirma destinar ao uso. Nesta perspectiva, por analogia, afasto a redutora.

Diante da gravidade das lesões, da quantidade de golpes que atingiram a vítima, fica claro que o homicídio quase foi consumado. Entretanto, os golpes não foram desferidos em regiões que mais expõem a vida, como coração, como pescoço, como cabeça, o que traria ainda maior probabilidade de que a vida da vítima fosse perdida. Reduzo a pena, portanto, em 40%.

Art. 14 - Diz-se o crime:

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Pena de tentativa

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Não há outras causas para alteração da quantidade de pena. Fixo a pena definitiva, assim, em nove anos, sete meses e seis dias de reclusão.

O regime inicial de cumprimento é o fechado.

Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

A prisão cumprida até o momento da execução deve ser considerada para todos os fins, inclusive para progressão do regime e para os demais benefícios estabelecidos para o período de cumprimento de pena, o que deve ser avaliado quando da formação do processo de execução penal, provisório ou definitivo.

De qualquer sorte, não seria merecedor nem de livramento, nem de progressão de regime, pois não cumpriu prisão cautelar pelo período correspondente a 40% da pena.

Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde...

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