Acórdão nº 50042267320218210031 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50042267320218210031
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002029097
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004226-73.2021.8.21.0031/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5004226-73.2021.8.21.0031/RS

TIPO DE AÇÃO: Contra a vida

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Adoto o relatório constante no parecer de lavra do em. Procurador de Justiça, Ricardo Vaz Seelig (evento 8):

Trata-se de APELAÇÃO interposta por PABLO A. A. M. e VAGNER GABRIEL P. R. contra sentença (evento 163, origem) que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pelo Ministério Público, reconhecendo o primeiro como incurso nos artigos 121, §2º, incisos I e III, c/c art. 14, inciso II, e art. 350, todos do Código Penal, aplicando-lhe a medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas — ISPAE; o segundo, como incurso nos arts. 121, §2º, incisos I e III, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, aplicando-lhe medida de proteção, nos termos do art. 112, VII, do ECA, com avaliação médica para aferir a necessidade de internação em regime hospitalar ou se o caso é de tratamento ambulatorial.

Os representados interpuseram apelação através da Defensoria Pública. Em suas razões (evento 174, origem), pugnam, preliminarmente, pelo reconhecimento da existência de um sistema penal juvenil e da aplicação subsidiária das regras do CPP. Suscitam, ainda, a nulidade do feito por ausência de confecção do laudo de avaliação social. No mérito, alegam a insuficiência de provas para a condenação pelo homicídio tentado e pelo incêndio, requerendo, subsidiariamente, o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do meio cruel. Por fim, pugnam pelo abrandamento da medida de internação imposta ao acusado Pablo. Nesses termos, postulam o provimento do apelo.

Ofertadas contrarrazões pelo Ministério Público (evento 102, origem), vieram os autos com vista a esta Procuradoria de Justiça.

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (idem).

É o relatório.

VOTO

De saída, verifico que tanto a representação oferecida pelo Ministério Público, como a sentença prolatada pelo Juízo da origem, fazem referência ao art. 350 do Código Penal, mas trazem a redação do caput do art. 250. Trata-se, portanto, do delito de incêndio, previsto no art. 250 do Código Penal.

Pois bem. Aos adolescentes são imputadas as práticas dos atos infracionais equiparados aos crimes de tentativa de homicídio qualificado e incêndio, tipificados nos arts. 121, § 2º, incisos I e III, na forma do art. 14, inciso II, e 250, caput, todos do Código Penal.

Preliminarmente, a defesa requer seja (a) reconhecido a existência de um sistema penal juvenil e assim, aplicado, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, por força do art. 152 do ECA; e (b) declarada a nulidade da instrução, decorrente da ausência de confecção do laudo de avaliação social.

Quanto à primeira preliminar, é sabido que efetivamente em todo e qualquer processo judicial é inafastável a observância do devido processo legal, com reverência à ampla defesa, à presunção de inocência e demais garantias, as quais não foram feridas no caso, diga-se.

Aliás, a defesa não aponta objetivamente nenhuma infração às garantias legais/constitucionais, o que evidencia que essa impropriamente denominada "preliminar" tem cunho meramente retórico, razão pela qual vai afastada.

No que tange à segunda preliminar, igualmente vai afastada, pois, consoante jurisprudência deste Tribunal de Justiça, a produção de laudo interdisciplinar constitui faculdade do Juízo, que é destinatário das provas, jamais uma obrigatoriedade. Registro que tal entendimento se encontra pacificado, tendo resultado na edição da conclusão n. 43 do Centro de Estudos deste Tribunal, com o seguinte teor:

43ª - Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização.

Em sua Justificativa, lê-se: Trata-se de mera faculdade, devendo, assim, o juiz solicitá-lo apenas quando considerar pertinente, isto é, se restar em dúvida quanto ao comportamento, sanidade do adolescente, ou desejar obter algum outro dado importante. Outrossim, o art. 151 do ECA deixa claro que a equipe interprofissional tem a finalidade de fornecer subsídios ao Juiz, nos casos em que este assim entender, ou for requerido pelos interessados. Tais profissionais apenas assessoram a Justiça da Infância e da Juventude – art. 150 do ECA –, pelo que não se pode ter como obrigatória a apresentação de seus laudos.

Superadas as prefaciais, passo à análise do mérito, adiantando que não assiste razão aos recorrentes.

Quanto ao 1º fato, narra a representação que, no dia 29 de outubro, os representados, em comunhão de esforços e conjugação de vontades, utilizando-se de arma branca (facão), deram início ao ato de matar a vítima Giovani, causando-lhe lesões na boca, perna esquerda, pescoço e mãos (com decepação de alguns dedos).

Segundo consta, na ocasião, os adolescentes se dirigiram ao local e agrediram a vítima, por motivo torpe, qual seja vingança em razão de briga e incêndio anterior que haviam se envolvido (processo n.º 5003813-60.2021.8.21.0031), e por meio cruel, desferindo diversos golpes de facão que causaram inúmeras lesões de natureza grave. Ainda, o homicídio não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos representados, já que houve pronto atendimento médico.

Quanto ao 2º fato, conforme consta na exordial, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, os representandos, também em comunhão de esforços e conjugação de vontades, causaram incêndio em casa habitada e destinada à habitação, expondo a perigo a vida, a integridade física e o patrimônio de outrem.

De acordo com a inicial, os adolescentes, após terem cometido o primeiro ato infracional, voltaram ao local e atearam fogo na residência onde a vítima Giovani estava hospedada (evento 36 do processo originário).

Destaca-se que o Juízo da origem entendeu pela insuficiência de elementos probatórios em relação à participação do adolescente Vagner no 2º ato infracional. Ainda, pela prática do 1º ato infracional, impôs a ele medida protetiva de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico, com determinação de avaliação médica para aferir a necessidade de internação em regime hospitalar ou tratamento ambulatorial.

A materialidade dos atos infracionais foi comprovada pela ocorrência policial (evento 1, REGOP2, e evento 1, REGOP28, idem); auto de apreensão (evento 1, AUTOCIRCUNS3, idem); auto de apreensão em flagrante (evento 1, P_FLAGRANTE5, idem); depoimento dos policiais militares Diego e Edivam (evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA6, e evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA7, idem); depoimento da informante Taísa (evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA8, idem); depoimento da informante Roselaine (evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA9, idem); relatório de investigação (fls. 11/22, evento 64, OUT2, idem); auto de constatação de dano indireto (fl. 24, idem).

A autoria, da mesma forma, está demonstrada pelo conjunto probatório. No ponto, transcrevo parte da sentença, a fim de evitar desnecessária tautologia (evento 163, idem):

"[...] Quanto à autoria, passo inicialmente à análise da prova oral produzida em Juízo.

A vítima do segundo ato infracional Carlos E. C. M., em seu depoimento, declarou: não estava presente no momento das agressões, mas de outro modo ficou sabendo que os representados cortaram Giovani; que soube através dos comentários pela cidade. Informou que Giovani frequentava sua casa. Aduziu que não sabe porque investiram contra Giovani. Referiu que no início do mês de outubro brigou com Pablo e que colocaram fogo em sua casa, onde viviam crianças e doentes. Narrou que brigou com Pablo, mas que este não conseguiu lhe agredir e ateou fogo em sua casa. Aduziu que quando colocaram fogo em sua casa estavam os dois juntos. Afirmou que Giovani não teve nenhum envolvimento com os primeiros fatos. Aduziu não saber se Pablo e Vagner andam armados. Referiu que Giovani estava em sua casa quando foi cortado; que depois atearam fogo em sua casa. Disse que os dois incêndios se deram na sua casa; que foram queimadas três casas. Informou que no dia 29 quem queimou a residência foram Pablo e Gabriel de apelido Didi, juntos.

Em continuação a sua oitiva, a vítima do segundo ato infracional, Carlos E. C. M., referiu: que é conhecido como Dudu. Sobre o incêndio no final do mês de outubro, disse que os vizinhos chegaram a “correr” os dois indivíduos quando incendiaram a casa de seu irmão do meio, Elton, que estava na Delegacia. Narrou que então voltou para casa e que Didi, começou a lhe provocar um dia que estava indo para a igreja com seu irmão, fazendo gestos e lhe mandando “subir lá”. Disse que era ele sozinho tendo que defender dois “doentes” e não sabia mais o que fazer. Declarou que, então, foi para a casa de sua irmã, sendo que quando estava retornando ligaram no telefone de sua irmã dizendo que se cuidasse porque já “lastimaram um” dentro da casa; que então se preocupou com seu irmão Elton que ficou dentro de uma das casas; disse que quando desceram ali já tinham ido; que os vizinhos socorreram seu irmão, que possui enfermidade. Narrou que tirou seu irmão dali e levar para outro local, sendo que quando o levava para outro local, chegaram e atearam fogo na casa novamente, dessa vez nas duas casas, de sua falecida mãe e onde estava o “guri”; que dessa vez atearam fogo nas duas casas, na de sua falecida mãe e em sua casa, onde estava o “guri”, sendo que na primeira vez não atearam, pois atearam somente na do meio. Referiu que na segunda vez Giovani estava em sua residência; que Giovani estava embriagado...

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