Acórdão nº 50042625920208212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50042625920208212001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002270090
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004262-59.2020.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: FRANCISCO DE PAULA DA COSTA (AUTOR)

APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por FRANCISCO DE PAULA COSTA em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de nulidade contratual com pedidos de repetição de valores em dobro e indenização por danos morais em que contende com BANCO CETELEM S/A. Constou na sentença apelada (Evento 87):

“Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por FRANCISCO DE PAULA COSTA em face de BANCO CETELEM S/A, forte no artigo 487, I do Novo Código de Processo Civil, tão somente para DETERMINAR a conversão do empréstimo via cartão de crédito celebrado entre as partes para empréstimo pessoal consignado (Contrato de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado, registrado sob o nº 97-820809071/16), devendo ser utilizada a taxa de juros de 30,35% ao ano, sendo que valores eventualmente pagos a mais deverão ser restituídos de forma simples e/ou compensados, após apurados em sede de liquidação de sentença.

Diante da sucumbência recíproca das partes, condeno ambas ao pagamento das custas na proporção de 50% cada; bem como, honorários para os advogados da parte contrária, arbitrados em 15% sobre o valor da causa atualizado pelo IGPM, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º do CPC, vedada a compensação. Suspensa a exigibilidade da parte autora, pois litiga com justiça gratuita.

Intimem-se. Publique-se. Registre-se.

Opostos embargos de declaração pela parte ré (Evento 92), estes foram desacolhidos (Evento 105).

Em suas razões recursais (Evento 96), a parte autora alega que não consentiu com a realização do contrato de cartão de crédito consignado, requerendo a declaração de nulidade do contrato. Destaca que não recebeu qualquer valor referente à suposta contratação. Informa nunca ter usufruído de cartão de crédito consignado. Salienta que as assinaturas em seu nome não demonstram manifestação de vontade para realização de tal operação. Relata a ocorrência de prejuízo ao consumidor com o lançamento de contratos dos quais não solicitou. Ressalta que, comprovados os descontos indevidos, o indébito deve ser repetido, em dobro, pois caracterizado enriquecimento ilícito da instituição bancária. Refere que merece ser indenizado pelos danos extrapatrimoniais experimentados, pugnando pelo arbitramento da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Invoca a aplicação da Súmula 479 do STJ. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Postula pela majoração dos honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em seu benefício na decisão recorrida. Pede, ao final, o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 103.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 96, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 15/03/2022 e findou em 04/04/2022 (Evento 107), sendo que o recurso já havia sido interposto em 14/12/2021 (Evento 96). Além disso, a parte apelante é beneficiária da justiça gratuita, sendo dispensada do recolhimento do preparo (Evento 6).

Dessa forma, considerando que é própria, tempestiva e dispensa preparo, recebo a apelação, a qual passo a examinar, em tópicos.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito e a indenização por danos morais.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°).

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/2003, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pela parte autora do serviço de cartão de crédito consignado, acostando aos autos a “proposta de adesão – cartão de crédito consignado” (Evento 17 - OUT3 e OUT4), bem como, as faturas de tal plástico (Evento 43 – OUT2,...

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