Acórdão nº 50042679820208210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50042679820208210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002080283
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004267-98.2020.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Registro Civil de Pessoas Jurídicas

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: COOPERATIVA DE TRABALHO E HABITACAO NOSSO LAR (AUTOR)

APELADO: ADRIANA AZEVEDO DO AMARAL (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de Apelação interposto por COOPERATIVA DE TRABALHO E HABITAÇÃO NOSSO LAR contra sentença que, nos autos da denominada Ação Ordinária de Restituição de Emolumentos com Repetição de Indébito Tributário ajuizada em face de ADRIANA AZEVEDO DO AMARAL, julgou improcedente o feito.

Cita-se a sentença recorrida (evento 57):

Vistos os autos.

Cuida-se de ação de repetição do indébito proposta pela Cooperativa de Trabalho e Habitação Nosso Lar – COOPERLAR – em face de Adriana Azevedo do Amaral, titular do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da 1ª Zona da Comarca de Rio Grande, objetivando a devolução, em dobro, da quantia de R$ 2.777,40 referente ao excesso cobrado a título de emolumentos.

Relatou que, em 05.03.2020, procedeu ao registro do Termo de Cooperação e Parceria celebrado com o Fundo de Desenvolvimento Social e a Comissão de Representantes de empreendimento imobiliário vinculado ao “Programa Minha Casa, Minha Vida”. A Oficiala não observou o percentual de isenção previsto na Lei n.º 11.977,09, pois o empreendimento contava com recursos do FDS e cobrou a integralidade dos emolumentos, totalizando a nota o valor de R$ 3.791,30. Houve impugnação pela autora, mas a titular do Ofício manteve o entendimento de que não se aplicava à hipótese a causa de isenção prevista nos artigos 42 e 43 da Lei n.º 11.977,09, razão por que a demandante ingressou com o pedido de repetição do indébito na forma da Lei Estadual n.º 12.692/06. A inicial veio instruída com documentos.

O Juízo da Direção do Foro declinou a competência para as varas cíveis (ev. 07).

Recebidos os autos, foi determinada a emenda à inicial a fim de que a autora acostasse procuração válida e informasse os dados complementares da requerida a fim de viabilizar sua citação por meio eletrônico (ev. 10).

A determinação foi atendida (ev. 13) e a inicial foi recebida.

Citada, a ré arguiu a impossibilidade jurídica do pedido ao argumento de que se tratava do procedimento de dúvida quanto aos emolumentos. No mérito, afirmou que o termo de cooperação não se enquadrava nas hipóteses de isenção previstas na Lei que instituiu o “Programa Minha Casa, Minha Vida”. Ainda que, por se tratar de renúncia de receita, a interpretação da norma tributária deveria ser restrita quanto ao abitamento de 75% sobre os emolumentos, os quais foram cobrados seguindo a tabela de emolumentos do Estado do Rio Grande do Sul e devidos pelo selo digital. A manifestação veio acompanhada por documentos.

Houve réplica (ev. 26).

A ré acostou escritura análoga proveniente do Cartório Borghetti desta Comarca em que foi utilizada a mesma metodologia (ev. 40).

Não houve impugnação (ev. 45).

Sem interesse na dilação probatória, os autos seguiram para o Ministério Público que opinou pela improcedência do pedido (ev. 54).

Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relato.

Passo a decidir.

Julgo o feito no estado em que se encontra, porquanto a matéria vertida nos autos encontra-se documentalmente delineada, consoante se extrai da manifestação das partes inexistem outras provas a serem produzidas.

Relevando a arguição de preliminar em sede de contestação, passo ao seu exame.

A ré alega a impossibilidade jurídica do pedido ao argumento de que a pretensão da autora comportaria a suscitação de dúvida a ser dirimida pelo Juízo da Direção do Foro.

Sem razão. O juízo especializado, por ocasião da análise da petição inicial, entendeu que a demanda versava sobre a restituição de valor a maior cobrado a título de emolumentos e, por tal razão, declinou a competência para processar e julgar a matéria para o juízo comum ordinário.

O artigo 198 da Lei dos Registros Públicos aponta que a controvérsia deve ser instaurada antes da realização do ato ou cumprimento da exigência do Oficial ou Registrador para execução e conclusão de um determinado procedimento extrajudicial. No caso em apreço, como bem aponta o Ministério Público, a parte autora anuiu com a exigência do pagamento integral dos emolumentos quando do registro do Termo de Cooperação, afastando-se, portanto, a possibilidade do juízo especializado de solver a dúvida por meio de procedimento judicial próprio.

Diante desse contexto, a preliminar não prospera, pois a pretensão da demandante diz com o reconhecimento do excesso na cobrança dos emolumentos, importando no pedido de repetição do indébito.

Assim, afasto a preliminar e passo ao exame do mérito.

A questão não requer maiores digressões, sendo analisada à luz da legislação relativa à interpretação da norma tributária e dos incentivos fiscais previstos na Lei n.º 11.977/09 que dispõe do “Programa Minha Casa, Minha Vida”.

Sucintamente, os emolumentos constituem a remuneração dos serviços notariais e de registro e decorrem de atividade estatal exercida em caráter de delegação (art. 236 da CF); possuem natureza jurídica de taxa, espécie de tributo (ADI 1444/PR).

Sabe-se que a norma tributária, quando prevista hipótese de outorga de isenção (art. 111, II, CTN), deve ser interpretada de forma literal e a extensão de seus efeitos ou incidência deve ser examinada de forma restrita, caso a caso.

Na situação dos autos, a Cooperativa de Trabalho e Habitação Nosso Lar (COOPERLAR) firmou termo de cooperação com o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) com o objetivo de concluir e legalizar empreendimento imobiliário vinculado ao Programa “Minha Casa, Minha Vida”, sendo que os recursos do FDS seriam repassados como aporte adicional ou suplementar à Cooperativa, qualificada com Entidade Organizadora (cláusula sexta, doc. 03, ev. 01).

O artigo 42 da Lei n.º 11.977/09 aponta, para empreendimentos do FAR e do FDS, benefício fiscal de 75% de redução do valor dos emolumentos para “atos de abertura de matrícula, registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de construção, instituição de condomínio, averbação da carta de 'habite-se' e demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV”.

Na sequência, o artigo 43 da supracitada Lei dispõe que:

Os emolumentos referentes a escritura pública, quando esta for exigida, ao registro da alienação de imóvel e de correspondentes garantias reais e aos demais atos relativos ao imóvel residencial adquirido ou financiado no âmbito do PMCMV serão reduzidos em:

I – 75% (setenta e cinco por cento) para imóveis residenciais adquiridos do FAR e do FDS;

II – 50% (cinquenta por cento) para os imóveis residenciais dos demais empreendimentos do PMCMV.

A autora busca o reconhecimento de tais isenções para o ato de registro do termo de cooperação e parceria de empreendimento que já estava em andamento, mas não foi concluído, tampouco legalizado. Muito embora conste no preâmbulo a expressão genérica “RECURSOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL – FDS”, no corpo do termo, percebe-se que os recursos, em verdade, são apenas adicionais ou suplementares.

Nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 42 se enquadram no caso em apreço. Mesmo que a norma preveja genericamente a isenção para os “demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV”, a parte autora não comprovou que o registro do termo de cooperação e parceria estaria inserido na cláusula de isenção. Não bastasse, o artigo 43 tem sua abrangência para os beneficiários do empreendimento, e não as entidades organizadoras.

Essa interpretação genérica mais alargada das hipóteses de isenção é vedada pela norma tributária, demandando um esforço probatório mais robusto por parte daquele que afirma enquadramento legal para fins de obtenção de benefício fiscal.

Intimada a dizer do interesse na dilação probatória, bem como a se manifestar quanto à metodologia empregada em caso análogo por outra serventia extrajudicial, a autora limitou-se a reafirmar seus argumentos.

Nesse sentido, o órgão ministerial pontuou que: “no presente feito, não restou cabalmente comprovado pelo autor que fazia jus à redução dos emolumentos, nos termos previstos pelos artigos 42 e 43 da Lei nº 11.977/2009 […] interpretação diversa vai de encontro com o artigo 111 do Código Tributário Nacional, o qual prevê a interpretação literal da legislação tributária, visto que o emolumento em questão trata de receita do Estado, tendo repasse de valores ao Fundo Notarial e Registral – Funore” (ev. 54).

Dessarte, não encontrando respaldo na prova colacionada aos autos, a improcedência do pedido é medida que se impõe.

Isso posto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela Cooperativa de Trabalho e Habitação Nosso Lar – COOPERLAR – contra Adriana Azevedo do Amaral.

Dada a sucumbência, a parte autora arcará com o pagamento das custas processuais, e com os honorários devidos ao procurador da parte ré, estes arbitrados em 20% sobre o valor da causa (art. 85, §2º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, baixe-se.

Nas razões recursais da demandante, ora apelante, disse que decisão ignorou o fato de que, por ocasião do Termo de Cooperação e Parceria, através do programa “Minha Casa Minha Vida”, adiantou quantia integral para fazer frente ao competente registro, enquanto que o efetivamente devido seria o equivalente ao desconto de setenta e cinco por cento, conforme determinado pelo artigo 43 da Lei n.º 11.977/2009. Sustentou que deve ser conferido a incidência do benefício legal em virtude da modalidade de instrumento que pactuou...

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