Acórdão nº 50042747520198210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 02-09-2022

Data de Julgamento02 Setembro 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50042747520198210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002147759
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004274-75.2019.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: VOLNEI FONSECA AMARAL (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por VOLNEI FONSECA AMARAL e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D contra a sentença (Evento 3, doc. 5, pp. 3-10 do processo originário) que, nos autos desta ação indenizatória por danos materiais que o primeiro move em face da última, julgou parcialmente procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, pois bem narrou o presente caso:

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.


A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude.
Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica e despacho saneador.


A ré requereu a juntada por parte do autor das notas fiscais referentes à venda do tabaco.

O autor informou que a venda ocorreu para atravessadores (picaretas), que não fornecem notas fiscais.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.024,10 (cinco mil, vinte e quatro reais e dez centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Em suas razões de apelação (Evento 3, doc. 5, p. 13-50 e doc. 6, pp. 01-18 do processo originário), a parte autora, inicialmente, requer a concessão da gratuidade da justiça. Após, tece comentários acerca do laudo técnico acostado pela parte ré. Defende a ausência de evento climático que configure força maior na sua localidade. Discorre sobre da má qualidade do serviço prestado pela ré, bem como sobre sua responsabilidade objetiva. Insurge-se contra o entendimento exposto pela sentença de primeiro grau, afirmando ser aplicável o CDC ao caso. Sustenta ser indevido o reconhecimento de culpa concorrente. Postula o redimensionamento do ônus de sucumbência, com a majoração da verba honorária e a concessão do benefício da gratuidade da justiça. Requer o provimento do recurso. Junta documentos.

Por outro lado, a parte ré, em suas razões recursais (Evento 3, doc. 6, pp. 22-50 e doc. 7, pp. 01-47) do processo originário), sustenta a ocorrência de força maior, tendo em vista os eventos climáticos que assolaram a região. Afirma que a alta demanda saturou a estrutura da demandada, impossibilitando que restabelecesse imediatamente o fornecimento de energia elétrica. Discorre acerca da ausência de culpa na conduta da concessionária de energia elétrica, ressaltando que efetua regularmente a devida manutenção em seus equipamentos. Refere inexistir serviço de fornecimento de energia elétrica ininterrupto. Alega que interrupções são previstas e reguladas pela ANEEL. Defende a ausência de danos ao autor de acordo com o laudo juntado à contestação. Tece comentários sobre a "Indústria do Dano". Menciona que ocorreu culpa exclusiva do autor, que deveria possuir geradores de energia para evitar danos à sua produção. Postula, subsidiariamente, caso mantida a condenação, a fixação dos juros de mora a contar da citação. Prequestiona todos os dispositivos legais citados. Requer o provimento do recurso. Junta documentos.

Apresentadas as contrarrazões pela parte ré (Evento 3, doc. 8, pp. 01-11 do processo originário).

Constatada, neste grau recursal, a ausência de certidão de decurso de prazo para a parte autora apresentar contrarrazões, foi baixado o feito em diligência ao Primeiro Grau para averiguação do ocorrido (evento 4, DESPADEC1).

Certificado na Origem o transcurso de prazo in albis para contrarrazões pela parte autora (evento 8, CERT1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, todos os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos recursos, tempestivamente interpostos, dispensado o preparo pelo autor em razão de litigar sob o amparo da gratuidade judiciária, ainda que de forma parcial, e com o devido preparo realizado pela ré, passando a analisá-los de forma conjunta.

Por primeiro, registro que não devem ser conhecidos os documentos acostados pelas partes em sede de apelação, em razão da flagrante extemporaneidade da sua juntada, visto que, caso assim pretendesse, poderiam ter sido juntados aos autos durante a instrução do feito (inclusive, ao menos parte da documentação, ao que parece, já havia sido juntada ao feito, em momento oportuno).

Há atentar que a juntada de documentação nova só é justificada quando for destinada a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos, nos termos do artigo 435 do Código de Processo Civil1, circunstância, esta, que não se verifica na hipótese dos autos.

Passo seguinte, destaco que a falta de energia ocorrida das 17h44min do dia 02/01/2019 até as 12h27min do dia seguinte, na propriedade do autor, tornou-se questão incontroversa, considerando a matéria impugnada nas apelações.

O autor postula que seja reconhecida a responsabilidade integral da ré pelo prejuízo que sofreu, bem como o redimensionamento da verba sucumbencial e a integral concessão da gratuidade da justiça. A demandada, por sua vez, aduz a possibilidade da interrupção do serviço, requerendo, em suma, que seja reconhecido o caso fortuito/força maior ou a culpa exclusiva da vítima como excludentes da responsabilidade civil da companhia, com a consequente improcedência dos pedidos autorais.

De pronto, com o devido respeito ao entendimento do magistrado a quo, importa ressaltar que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (artigo 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (artigo 22).

No caso, o autor é fumicultor, sua subsistência é baseada na agricultura familiar, identificando-se como destinatário final (consumidor) do serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada, nos termos do que dispõem os artigos 2º, caput2, e 3º, §2º3, da legislação consumerista.

Importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer pessoa os adquira como destinatária final. São os bens e serviços tipicamente de consumo, levados ao mercado numa rede de distribuição, que serão em algum momento adquiridos independentemente de o produto ou serviço estar sendo usado ou não para a produção de outros4, como acontece com o serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada.

A respeito do tema, bem esclarece o ilustre Professor Rizzatto Nunes em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor5: a Lei n. 8.078 regula o pólo de consumo, isto é, pretende controlar os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para ser vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.

E, mais adiante, conclui: Dessa maneira, repita-se, toda vez que o produto e/ou serviço puderem ser utilizados como de consumo, incidem na relação as regras do CDC. Vale para a caneta do exemplo supra, mas vale também para a água e a eletricidade que se fornece e para o dinheiro que é emprestado por um banco, porque tais bens são utilizados tanto por consumidores quanto por fornecedores.

Ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse que a parte,...

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