Acórdão nº 50043027420148210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50043027420148210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002256644
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004302-74.2014.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Inquérito / Processo / Recurso Administrativo

RELATOR: Desembargador FRANCESCO CONTI

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: PATRICK FERRAO CUSTODIO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de improbidade administrativa movida contra PATRICK FERRAO CUSTODIO, nos seguintes termos (evento 26, origem):

Ou seja, para ficar caracterizada a conduta dolosa, elemento necessário à configuração da prática de improbidade administrativa, necessariamente o agente deve ter praticado algum dos atos dispostos nos incisos supramencionados, cujo rol é taxativo.

O Ministério Público fundamentou sua pretensão no inciso I, do art. 11, que foi revogado pela Lei nova.

Fato é, portanto, que a suposta conduta ímproba do réu não encontra-se explicitamente prevista no rol do novo art. 11, e assim, sendo a Lei nova mais benéfica, esta deve ser aplicada sem a imputação de sanções em face do acusado, por manifesta atipicidade.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o feito.

Sem custas e honorários, nos termos da Lei.

Intimem-se.

Não é caso de reexame necessário.

Alegou a parte apelante (evento 33, origem), em síntese, que não há de se falar em retroatividade da nova lei de improbidade, porquanto não se trata de lei penal, inexistindo, no diploma, expressa menção à sua aplicação a fatos anteriores à vigência. Aduziu que a Constituição Federal prevê a retroação da lei benéfica ao réu apenas em relação ao direito penal. Discorreu sobre a natureza das sanções por improbidade administrativa e o interesse público envolvido na matéria. Reiterou o conteúdo da inicial e dos memoriais em relação ao mérito. Citou julgados. Requereu o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 38, origem).

Nesta instância, o Ministério Público apresentou parecer pelo provimento do recurso (evento 7).

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, recebo o recurso interposto.

A questão trazida a lume diz respeito a imputação de ato de improbidade administrativa com base no art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92, por ter o réu, em tese, na condição de servidor público do Poder Judiciário ocupante do cargo de Oficial Escrevente e da função de secretário de Juiz: a) falsificado a assinatura de advogado em recurso autos de processo no qual era parte, dirigindo ofensas ao Magistrado de primeiro grau; b) extraviado os autos do processo durante a investigação sobre a falsificação; c) declarado falsamente a ausência de demissão a bem do serviço público nos últimos anos em processo seletivo para emprego público de advogado da Fundação de Atendimento SocioEducativo (FASE/RS).

O juízo de origem, tendo em vista o advento da Lei nº 14.230/21, julgou improcedente o pedido, ante a revogação do dispositivo legal que o embasava.

Pois bem. Cumpre observar que a Lei nº 14.230/21 estabeleceu "novo sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa", com expressa previsão de que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Por tal passo, a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador resulta na necessidade de reconhecimento da retroatividade da norma mais benéfica ao réu, como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA.AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.[...] 2. O processo administrativo disciplinar é uma espécie de direito sancionador. Por essa razão, a Primeira Turma do STJ declarou que o princípio da retroatividade mais benéfica deve ser aplicado também no âmbito dos processos administrativos disciplinares. À luz desse entendimento da Primeira Turma, o recorrente defende a prescrição da pretensão punitiva administrativa. [...] Agravo interno não provido. (AgInt no RMS 65486 / RO. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. DJe 26/08/2021) (Suprimi e grifei).

Saliento que é este o norte que tem orientado os julgados sobre a matéria no âmbito deste órgão colegiado, a exemplo:

APELAÇÃO CÍVEL. LEI Nº 14.230/21. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. A expressa incidência dos "princípios constitucionais do direito administrativo sancionador" (art. 1º, §4º) acarreta retroatividade das disposições mais benéficas ao réu trazidas pela Lei nº 14.230/21. 2. Reconhecimento da prescrição intercorrente, pois transcorridos mais de quatro anos, entre o ajuizamento da demanda e a prolação de sentença. Art. 23, caput e §§ 4º, I, 5º e 8º, da Lei nº 8.429/92. RECONHECIDA, DE OFÍCIO, A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APELAÇÃO PREJUDICADA.(Apelação Cível, Nº 70085213148, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 24-05-2022)

De tal sorte, ante a aplicação retroativa da nova legislação, solução outra não há para a presente demanda que a improcedência do pleito inicial, visto que o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92, o qual embasou a imputação, foi expressamente revogado, observada, ainda, a taxatividade atribuída ao dispositivo legal pelo novo texto.

No mesmo sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI 14.230/2021. DIREITO SANCIONADOR. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ROL TAXATIVO. REVOGAÇÃO DO INCISO I, ART. 11, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. Da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica 1. A Lei de Improbidade Administrativa tem o escopo de proteger os princípios administrativos e o erário, por meio de sanções que não aquelas previstas na legislação penal, ou seja, trata-se do Direito Administrativo Sancionador, que em muito se assemelha à função do Direito Penal, mas que a este não se iguala. Em virtude disso,...

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