Acórdão nº 50043082920208210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50043082920208210035
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002218049
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004308-29.2020.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: DEONICE DA SILVA COUTO DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por DEONICE DA SILVA COUTO DOS SANTOS contra a sentença proferida na ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais, repetição indébito ajuizada em face de FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com o seguinte dispositivo (Evento 52 do originário):

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por DEONICE DA SILVA COUTO DOS SANTOS em face de FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador que representa a parte ré, verba que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil; suspendo a exigibilidade do ônus sucumbencial, contudo, pois a parte litiga sob o abrigo da gratuidade de justiça (evento 08). Ainda, condeno a parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé correspondente a 1% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 80, inciso II, do Código de Processo Civil, que deverá ser revertida em favor da parte ré.

A parte-autora, declinando suas razões (Evento 56 do originário), ressaltou que não reconhece a tomada dos respectivos créditos na forma que vem sendo cobrada, embora reconheça ter realizado transações antigas, inclusive tal informação fora devidamente fundamentada nos autos. Destacou que o banco requerido acostou termos diversos com datas que não coincidem ao contrato reclamado pela autora, não se desincumbindo a ré a contento de seu ônus probatório, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil, deve ser declarada a inexigibilidade do débito. Referiu que os documentos apresenta redação genérica, sem a identificação e sequer contextualização ou descrição do negócio subjacente ensejador da dívida pendente. Disse que a digitalização do arquivo que fora manipulado não só o conteúdo, mas principalmente a forma, já que sequer acompanha assinatura da parte autora nas informações principais, somente em uma pagina solta com termo gerais que não possui correlação alguma com o contrato discutido. No final, requereu seja julgada procedente a apelação para que 1) seja reformada a sentença e declarada a inexistência da relação jurídica entre as partes e/ou a extinção da mesma, em razão da não regular contratação dos mencionados empréstimos. 2) seja determinada a restituição em dobro do valor descontado do benefício previdenciário da parte autora, que deve ser corrigido pelo IGP-M e acrescidos de juros legais. 3) seja fixada indenização pelos danos morais sofridos a condenação da empresa Requerida ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos em benefício da vítima, parte autora. 4) seja afastada a condenação em litigância de má fé, que além de injusta e descabida, não possui respaldo fático e jurídico algum no caso em tela.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 60 do originário).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL E DA LEGITIMIDADE DA INSCRIÇÃO RESTRITIVA DE CRÉDITO.

A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) é aplicável aos contratos bancários, pois há uma prestação de serviços, estabelecendo-se uma relação de consumo entre a instituição financeira prestadora e o cliente consumidor.

Esta questão encontra-se resolvida em caráter definitivo, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 297: “O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras” (Súmula 297, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 09/09/2004, p. 149).

Os fornecedores de produtos e serviços respondem pelos vícios que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor (arts. 18 e 20 do CDC).

A responsabilidade é objetiva, encontrando fundamento na Teoria do Risco do Empreendimento, pois a instituição financeira deve responder pelos defeitos resultantes do negócio independentemente de culpa.

Por isso, as instituições financeiras somente não serão responsabilizadas por falha ou má prestação dos serviços quando houver prova da inexistência do defeito/vício ou da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Nestas circunstâncias, a inclusão/manutenção indevida do nome do cliente em órgãos restritivos de crédito é risco do empreendimento, motivo pelo qual a instituição financeira deve ser responsabilizada pelos eventuais danos decorrentes, salvo se provar inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor.

A indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, X, da Constituição Federal, nos arts. 186 e 927, combinados, do Código Civil Brasileiro e no art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor.

Sérgio Cavalieri Filho1 ensina que “em sentido estrito dano moral é violação do direito à dignidade”; já em sentido amplo dano moral é a “violação dos direitos da personalidade”, abrangendo “a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, as aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais”.

A inscrição ou manutenção indevida do nome em órgãos restritivos de crédito causa humilhação, sofrimento e sério constrangimento, interferindo no comportamento psicológico de qualquer cidadão, constituindo-se, por isso, dano moral indenizável. Neste caso, o dano moral caracteriza-se in re ipsa, ou seja, deriva do próprio fato e independe de comprovação do prejuízo.

Paralelamente, observa-se que o Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas – NUMOPEDE, criado no âmbito desta Corregedoria-Geral da Justiça, pela Portaria nº 21/2018, desde o COMUNICADO NUMOPEDE n. 04/2019, tem alertado para a existência de (1) "pedidos iniciais embasados em alegações de que o nome da parte autora foi negativado por dívida desconhecida, contrato não firmado, cobranças de serviços cancelados e/ou sem comunicação prévia, com alegação de fatos genéricos, sem apresentar particularidades do caso concreto"; (2) "requerimento de AJG e de inversão do ônus da prova – combinação que torna a ação uma demanda 'sem riscos' para o autor, uma vez que não lhe imputa o ônus de demonstrar os fatos que alega, nem o risco de arcar com seus custos"; (3) "manifestação de desinteresse pela designação de audiência de conciliação"; (4) "grande número de processos julgados improcedentes (durante a instrução, o demandado comprova a existência da relação contratual, dívida e/ou a legitimidade da inscrição restritiva de crédito), indicando perfil de ingresso de ações sem litígio real (“se colar, colou”), onde o autor pretende se aproveitar da desorganização dos réus para fazer valer um direito que, de fato, não existe, ou ver declarada inexistente uma relação que, na verdade, existe".

No mesmo sentido, o COMUNICADO NUMOPEDE n. 07/2019, em que há na petição inicial descrição genérica e padronizada, na qual a parte-autora alega existência de inscrições supostamente indevidas, sem comunicação prévia, decorrentes de débitos não reconhecidos, contratos não firmados ou de origem fraudulenta, mas após "a comprovação da relação contratual e/ou a dívida dita irregular é demonstrada como legítima", nos processos em que designada audiência para depoimento do autor ou determinada períciagrafológica, a parte autora não comparece ao ato e/ou postula desistência da ação.

Na hipótese dos autos, o conjunto probatório permite uma conclusão segura no sentido de que não houve falha na prestação de serviços, na medida em que comprovada a existência da relação contratual e da legitimidade da dívida.

Na petição inicial, a parte-autora, de forma genérica, alegou que "vem sofrendo descontos consignados em folha de forma indevida, posto que teve refinanciado/renegociado um empréstimo anterior com a ré, sem sua autorização" e declarou "que desconhece a origem dos contratos, e não recebera os créditos que lhe imputa como empréstimo". Alegou "simulação de negócio inexistente", sem ter realizado qualquer tipo de serviço ou vinculo de contratação com a financeira (Evento 1 do originário - Petição Inicial).

Contudo, na contestação, a parte-ré demonstrou existência da relação contratual, juntando prova documental acerca da contratação, nas seguintes condições (Evento 21 do originário - Outros1, fls. 02-3):

- Contrato n.º 5253437, por intermédio do qual foi financiado o valor de R$ 11.770,10 a ser quitado em 72 parcelas mensais e sucessivas no valor de R$329,81 cada; Com esse valor, de acordo com o interesse da própria demandante, foram 2 quitadas dívidas suas junto ao Banco Cetelem, conforme comprovam os comprovantes de pagamento anexos. Nesse sentido, foi quitada dívida junto à instituição no valor de R$10.846,48. O valor restante, por sua vez, num total de R$ 923,62 foi devidamente creditado em conta corrente de sua titularidade, conforme demonstra o comprovante de crédito também anexo. Ocorre que, o contrato de origem foi suspenso pela APS, de forma que a demandante não pagou as parcelas conforme acordado, ficando inadimplente, não buscando qualquer forma de renegociação dos seus débitos. Assim, estes descontos de R$ 329,81 têm origem em uma dívida contraída pela demandante, na qual ela está inadimplente, afigurandose em uma forma de adimplemento parcial de empréstimo voluntariamente contraído e não...

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