Acórdão nº 50043210620218211001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Recursal Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo50043210620218211001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Turma Recursal Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:10019453780
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Turma Recursal Cível

RECURSO INOMINADO CÍVEL Nº 5004321-06.2021.8.21.1001/RS

TIPO DE AÇÃO: Produto Impróprio

RELATORA: Juiza de Direito ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA

RECORRENTE: MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES DE INTERNET LTDA (RÉU)

RECORRIDO: DANIEL RICHARD GONZALEZ ROSA DA SILVA 50891405020 (AUTOR)

RELATÓRIO

MERCADOLIVRE.COM ATIVIDADES DE INTERNET LTDA recorre da sentença (fls. 116/119) que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação promovida por DANIEL RICHARD GONZALEZ ROSA DA SILVA.

Em razões (fls. 126/142), manifesta da necessária atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 43 da Lei 9.099/95. Defende, liminarmente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a incompetência territorial. No mérito, afirma que a "inabilitação do usuário decorreu de violação às políticas de uso da plataforma". Ainda, manifesta que não "houve qualquer irregularidade na conduta da empresa". Defende o afastamento da indenização por lucros cessantes. Postula o provimento do recurso.

Sem contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Inicialmente, não encontro dano irreparável, de modo a ensejar a concessão de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 43 da Lei 9.099/95, como pretende a parte recorrente. Deste modo, afasto o pedido.

Cuida-se de ação por meio da qual reclama o autor a condenação da parte ré em obrigação de fazer, consistente na imediata reativação de sua conta na plataforma de vendas, bem como indenização por lucros cessantes.

A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, dela recorrendo a parte ré.

Em suma, defende a demandada a legalidade do seu agir, afirmando que a "inabilitação do usuário decorreu de violação às políticas de uso da plataforma".

Pois bem.

Inicialmente, necessário analisar a possibilidade de aplicação, ao caso, das normas contidas no Código de Defesa do Consumidor.

Como é cediço, o artigo 2º da Lei nº 8.078/90 conceitua consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

No que concerne à definição da expressão "destinatário final", prevista no supracitado dispositivo legal, pontuo que os Tribunais Superiores, em inúmeros casos, adotam a teoria finalista mitigada ou finalista aprofundada, vislumbrando-se a existência de relação de consumo, sempre que se aferir vulnerabilidade em relação a uma das partes, seja ela técnica, jurídica, fática ou informacional.

Nesse sentido, lecionam Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem1:

“É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. De um lado, a maioria maximalista e objetiva restringiu seu ímpeto; de outro, os finalistas aumentaram seu subjetivismo, mas relativizaram o finalismo permitindo tratar de casos difíceis de forma mais diferenciada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços; provada a vulnerabilidade, concluiu-se pela destinação final de consumo prevalente. Assim, por exemplo, um automóvel pode servir para prestar os serviços da pequena empresa, comprado ou em leasing, mas também é o automóvel privado do consumidor. Ou, de forma semelhante ao caso francês do sistema de alarme, uma empresa de alimentos contrata serviços de informática, que não serão usados em sua linha de “produção” a não ser indiretamente e a jurisprudência tende a considerar estes usuários mistos, ou consumidores finais diretos, como consumidores, uma vez que a interpretação da dúvida sobre a destinação final e sobre sua caracterização é resolvida, de acordo com os arts. 4.º, I e 47 do próprio CDC, a favor do consumidor. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprova ser vulnerável e atua fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás.”

A propósito, cito recente precedente do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. MONITÓRIA. CONCEITO DE CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. DESPACHO SANEADOR. FIXAÇÃO DOS PONTOS CONTROVERTIDOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE, EM TESE. NO JULGAMENTO, INCABÍVEL.

...

3. A jurisprudência desta Corte Superior tem ampliado o conceito de consumidor e adotou aquele definido pela Teoria Finalista Mista, isto é, estará abarcado no conceito de consumidor todo aquele que possuir vulnerabilidade em relação ao fornecedor, seja pessoa física ou jurídica, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço. Jurisprudência.

...

(REsp 1798967/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 10/12/2020)- grifei

Conclui-se, portanto, que em situações específicas, permite-se que pessoas físicas ou jurídicas estejam sob a proteção do Código Consumerista, apesar de não utilizarem o bem para consumo próprio, em razão da existência de vulnerabilidade perante o fornecedor.

No caso dos autos, verifica-se que a recorrida é administradora de empresas, não tendo, a meu sentir, conhecimentos técnicos, sobretudo jurídicos, para avaliar as cláusulas constantes do contrato entabulado entre as partes, mostrando-se evidente a incidência do Código de Defesa...

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