Acórdão nº 50043489520208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50043489520208210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002565707
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004348-95.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora CLAUDIA MARIA HARDT

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação, interposto por NILO SCHMEGEL, contra a sentença de improcedência da ação indenizatória ajuizada em face da COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D.

A fim de contextualizar a inconformidade recursal, reproduzo o relatório da sentença proferida pelo eminente Dr. Daniel de Souza Fleury (1ª Vara Cível da Comarca de Camaquã) - evento 34, SENT1:

A parte autora diz que é produtor rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D impugnou a gratuidade de justiça deferida e no mérito alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi afastada a incidência do CDC e delimitada a matéria controvertida e o ônus da prova.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das notas fiscais da venda do fumo. O autor nada requereu e apenas se manifestou sobre os pedidos da ré.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

RELATEI. DECIDO.

O dispositivo sentencial está assim redigido:

ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na AÇÃO DE INDENIZATÓRIA movida por NILO SCHMEGEL contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, nada sendo requerido, arquive-se com baixa.

Irresignado, o autor apelou. Argumenta que o fornecimento de energia elétrica constitui serviço essencial e deve ser contínuo. Dispõe sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor e a responsabilidade civil objetiva das concessionárias de energia. Afirma que mesmo com o apoio de um gerador, a problemática não seria solucionada porque o petrecho não suporta longos períodos sem o fornecimento de energia. Alega que restou caracterizada falha na prestação dos serviços pela suspensão do fornecimento de energia elétrica sem causa aparente e sem que tenha havido o restabelecimento em tempo hábil, causando perda na qualidade do fumo. Afirma que a interrupção do fornecimento de energia nas estufas é incontroversa, dado que não foi impugnada pela recorrida. Discorre sobre as provas apresentadas no laudo técnico. Impugna o laudo de vistoria e avaliação do fumo danificado pois elaborado por pessoa diversa (Walmor Dupont) daquela que realizou a vistoria in loco (Técnico Agrícola Tiago Dorneles Bierhals). Aduz se tratar de prova unilateral eivada de vícios e irregularidades que não o validam como meio de prova. Requer a procedência da ação (evento 40, APELAÇÃO1).

A peça recursal do autor veio desacompanhada de preparo, em razão do recorrente ser beneficiário da gratuidade da justiça (evento 3, DESPADEC1).

As contrarrazões foram apresentadas e, alternativamente, a ré requereu a aplicação do índice IPCA-E, a contar da data de confecção do laudo que apontou o prejuízo, e, a partir da citação, a taxa SELIC, exclusivamente (evento 43, CONTRAZ1).

Os autos vieram para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A peça recursal foi interposta tempestivamente e atende aos requisitos do art. 1.010 do atual CPC, razão pela qual conheço do apelo.

Em primeiro lugar, cumpre referir que ao caso em tela aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor. Sob a ótica do destinatário final do produto ou serviço, o egrégio STJ mitiga a teoria finalista preconizada pelo CDC quando comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica ou física, submetida à situação de vulnerabilidade ou prática abusiva, estendendo o conceito àqueles que se enquadrem nessas hipóteses, ainda que desenvolvam atividade lucrativa (teoria maximalista).

Na hipótese, inegável a hipossuficiência/vulnerabilidade técnica dos agricultores frente à concessionária de energia elétrica.

Neste sentido é a jurisprudência desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO VERIFICADA A VULNERABILIDADE DA PARTE FRENTE AO FORNECEDOR. [...]. 1. São aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço, as normas do código de defesa do consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (art. 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (art. 22). 2. Outrossim, ainda que a parte não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatária final do produto ou do serviço, é possível a aplicação das disposições do cdc quando configurada situação de vulnerabilidade entre as partes, como na hipótese do produtor rural frente à empresa pública fornecedora do serviço de energia elétrica. trata-se da mitigação da teoria finalista do conceito de consumidor, aplicada pela jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça. [...] APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 50035729520208210007, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 03-06-2022)

De tal sorte, a requerida responde objetivamente pelos danos causados a terceiros durante a prestação do serviço concedido, nos moldes dos artigos 37, §6º, da CF e 14 do CDC, além de estar obrigada a prestar os serviços objeto de concessão de forma adequada, eficiente, segura e contínua, nos termos do art. 22 do CDC.

Assim, ainda que aplicável à hipótese a responsabilidade civil objetiva, recaía sobre a autora, nos termos do art. 373, I, do CPC, o dever de comprovar o nexo de causalidade entre os danos suportados e a suposta falha na prestação dos serviços.

Na hipótese é incontroversa a interrupção do fornecimento de energia elétrica na ocasião apontada na inicial, o que sequer fora impugnado pela empresa demandada. Os danos estão comprovados através do laudo técnico que instruiu a exordial (evento 1, LAUDO9), sendo atestada a perda da qualidade e, consequentemente, do valor comercial do produto:

O próprio estudo técnico encomendado pela concessionária ré, apesar de indicar valor inferior àquele apontado na exordial, concluiu pela ocorrência dos danos em decorrência da interrupção do fornecimento de energia elétrica no dia 27/09/2020, a ver (evento 6, OUT2, fls. 16-30):

Inobstante, não há falar em culpa exclusiva ou concorrente dos clientes da companhia. Imputar aos produtores de fumo a responsabilidade, ainda que concorrente, pelos prejuízos que sofreram com falha na prestação dos serviços seria transferir aos usuários ônus que incumbe exclusivamente à concessionária de serviço público, única responsável pela continuidade do fornecimento do serviço e...

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