Acórdão nº 50044558520198210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50044558520198210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003257508
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004455-85.2019.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: ALINE CAMARGO TENEDINE (RÉU)

APELADO: VIVIANE TORALES SOLARI (AUTOR)

RELATÓRIO

VIVIANE TORALES SOLARI ajuizou ação de indenização por danos morais em face de ALINE CAMARGO TENEDINE, narrando que é funcionária da loja da Vivo, na Cidade de Bagé, sendo que, no dia 30.09.2019, a requerida esteve no seu local de trabalho e, na frente de vários clientes, teria sido lhe ofendido, com palavras agressivas e injuriosas, gerando grande desconforto e vergonha. Asseverou que tentou contornar a situação, pois não havia feito nada que justificasse as agressões, sem sucesso. Narrou que, depois do ocorrido, a requerida foi surpreendida, ainda, com ofensas pelas redes sociais, sendo chamada de sem vergonha e de cara de pau. Sustentou que, em razão dos fatos, sofreu danos morais que devem ser indenizados. Postulou, assim, pela procedência da ação.

Sobreveio sentença de procedência da ação, para o fim de condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (...), a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar da data da sentença. Em razão do resultado do julgamento, condenou a demandada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte autora, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, cuja exigibilidade resta suspensa em face da gratuidade de justiça deferida na origem (evento 47, SENT1).

A parte ré apelou aduzindo que em momento algum teve a real intenção de causar danos a recorrida, pois, no dia em que aconteceram os fatos, estava muito nervosa diante da situação que se formou. Subsidiariamente, pugnou pela redução do quantum indenizatório. Requereu, assim, o provimento do recurso (evento 51, APELAÇÃO1).

A parte autora apresentou contrarrazões pugnando pela condenação da parte ré ao pagamento de multa por litigância de má-fé (evento 57, CONTRAZ1).

Os autos vieram conclusos em 15 de dezembro de 2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação através da qual a parte autora pretende ser indenizada pelos danos morais experimentados em decorrência das agressões verbais proferidas pela ré em seu local de trabalho e em rede social, julgada procedente na sentença.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o artigo 927 do código civil prevê que aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, in verbis:

Artigo 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por sua vez, o artigo 186 do precitado diploma legal menciona que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ipsis litteris:

Artigo 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

No caso dos autos, consoante narrado na exordial, a parte ré compareceu a Loja Vivo localizada na Cidade de Bagé onde a parte autora trabalha como gerente e, insatisfeita com o atendimento que anteriormente lhe foi prestado, passou a agredir verbalmente a demandante chamando-se de sem vergonha e mentirosa. Não satisfeita, a demandada realizou postagem em rede social chamando a autora de cara de pau e sem vergonha.

A parte autora logrou êxito em fazer prova acerca de suas alegações, eis que o fato restou devidamente comprovado nos autos através da prova testemunhal e da cópia da publicação realizada pela demandada, nos termos do que determina o art. 373, inciso I, do CPC/15.

Como consignado na sentença, a testemunha Janice Vaz Martins disse, basicamente, que trabalhou na loja vivo e presenciou os fatos; que a requerida foi até o local, entrou alterada na loja, gritando, nervosa, chamando a atenção de todos os clientes. Narrou que o fato foi bem constrangedor, não tendo deixado a autora, que era gerente, falar, chamando-a de sem vergonha e mentirosa, que a tinha enganado. Falou que a loja estava bem movimentada e que a situação foi bem tensa. Tomou conhecimento das postagens realizadas em redes sociais e que ela esteve conversando com a proprietária do estabelecimento sobre o fato. Disse que todo mundo ficou sabendo da postagem no facebook e que a autora ficou com receio de ser demitida. Do mesmo modo, a testemunha Carla Beatriz Pereira apresentou depoimento compatível com o da testemunha Janice, afirmando que trabalhava na loja e estava no local. Disse que a requerida entrou na loja dizendo que não tinha assinado o novo contrato, que sua assinatura tinha sido forjada. Entrou gritando na frente dos clientes, chamando a autora de sem vergonha. Mencionou que a parte requerida não deixou a autora falar, para tentar solucionar a questão. Também soube dela ter feito postagens em rede social. Basicamente teria a autora sido chamada de mentirosa e sem vergonha. Narrou que a loja estava bem movimentada e que a autora ficou com receio de perder o emprego.

Relativamente à publicação realizada pela demandada chamando a autora de sem vergonha e cara de pau, por pertinente, a reproduzo para melhor visualização das ofensas, ipsis litteris:

O fato de a demandada dizer que estava nervosa e que não teve a intenção de ofender a autora não afasta o seu agir ilícito consubstanciado no fato de ter proferido ofensas à demandante em seu local de trabalho e na presença de várias pessoas, além de ter reiterado a conduta indevida quando realizada a publicação nas redes sociais.

Portanto, presentes os pressupostos do dever de indenizar, quais sejam, o ato ilícito, o dano e o nexo causal, configurado está o dever de indenizar, pelo que deve ser mantida a sentença de lavro do Dr. HUMBERTO MOGLIA DUTRA, cujas judiciosas razões transcrevo e passam a fazer parte das razões de decidir deste voto, sic:

No mérito, conforme ensinamento de San Tiago Dantas, “O principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito. Vale dizer, ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem, que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contraria” (Programa de Direito civil, V.I/341, ed. Rio, in Programa de Responsabilidade Civil, Sérgio Cavalieri Filho, 2ª edição, p.19).

Dentro desta noção, o ordenamento jurídico pátrio estabeleceu direitos e deveres que devem ser observados por todos, sob pena de, não sendo respeitados, surgir a obrigação de indenizar pelos danos causados sem a observância de tais regras.

Com relação à responsabilidade civil, o legislador pátrio adotou, em regra, a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, com algumas exceções expressamente previstas em lei, ou nos casos em que a atividade desenvolvida normalmente pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos dos outros. É o que dispõem os artigos 927 e 186 do Código Civil de 2002.

O dever de indenizar, portanto, como regra geral, depende da comprovação da ação danosa, do resultado danoso, do nexo de causalidade entre a ação e o resultado e, por fim, a culpa do agente que deu causa ao resultado danoso. Em casos específicos previstos em lei, ou naqueles em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano cause risco a direitos de terceiros, inexigível se torna a comprovação da culpa, tratando-se de hipóteses de responsabilidade objetiva.

No caso em apreço, ainda, o julgamento do feito passa pela análise de conflito entre direitos previstos constitucionalmente como direito à liberdade de expressão e do pensamento com o direito à honra e à imagem.

Se é verdade que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos IV, prevê o direito à liberdade de expressão e do pensamento, não é menos verdade que no seu inciso X prevê o direito à inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando indenização por danos materiais e morais decorrentes da ofensa a tais direitos.

A dificuldade cotidiana das lides forenses está em harmonizar estes dois princípios constitucionais importantíssimos e que não possuem relação de hierarquia entre si. Todos os princípios e direitos acima mencionados se encontram elencados dentre os direitos e garantias fundamentais. Nenhum, isoladamente, possui maior valor ou importância dentro do sistema constitucional do que o outro.

O certo é que o direito à liberdade de expressão não é ilimitado, nem pode ser exercido de forma irresponsável, como também não é ilimitado o direito à imagem, à privacidade e à honra. A partir do momento em que princípios constitucionais, direitos constitucionalmente previstos se chocam, deve-se adotar mecanismos de harmonização da convivência de tais princípios. Isso ocorre mediante aplicação do chamado princípio da proporcionalidade, de modo que, no caso concreto, deve-se verificar qual dos dois direitos/princípios em choque deve prevalecer, pelas características dos fatos em análise.

O mencionado choque entre direitos constitucionais se mostra evidente em feitos como o presente, em que, de um lado, se argumenta pela existência do direito à liberdade da manifestação do pensamento e de expressão e, de outro, pela...

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