Acórdão nº 50044754820168210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50044754820168210015
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002003690
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004475-48.2016.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: JOAO BATISTA LUZ DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: BANCO CIFRA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

JOÃO BATISTA LUZ DOS SANTOS interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida em face de BANCO CIFRA S/A, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 3 procjudic 4 fl. 44):

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados para revisar o contrato ora analisado, para o fim de limitar os juros remuneratório a média de mercado à época da contratação (2,05% a.m.) e afastar a incidência da comissão de permanência (juros Remuneratórios para Operações em Atraso) limitando os encargos da inadimplência aos juros remuneratórios da normalidade, juros de mora 1% a.m. e multa de 2%, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos.

Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais. Honorários de cada patrono, fixados em R$1.000,00 (hum mil reais) custeados pela parte adversa. Suspensa a exigibilidade à autora, em razão da AJG.

Em suas razões recursais alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a descaracterização da mora, a exclusão da cobrança da tarifa de cadastro, a compensação e a repetição de indébito e o deferimento da tutela provisória de urgência para ser mantido na posse do bem, depositar os valores entendidos como devidos e não ter seu nome inscrito nos órgãos restritivos ao crédito. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e a majoração do valor fixado para os honorários advocatícios. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 3 PROCJUDIC 5 FL. 24).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº 279610006221) foi firmado em 03/03/2015, no valor de R$ 6.000,00, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 3,89 % ao mês e de 58,08 % ao ano sobre o valor financiado (evento 3 procjdic 4 fl. 5).

QUESTÃO PRELIMINAR

AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL

É cediço que o interesse em recorrer constitui requisito à admissibilidade dos recursos, conforme dispõe o art. 996 do CPC.

Nesse sentido, cito as lições de Nelson Nery Junior, respectivamente, em Teoria Geral dos Recursos, 7ª edição, Editora RT, 2014, p. 300 e Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 1992.

“Da mesma forma com que se exige o interesse processual para que a ação seja julgada pelo mérito, há necessidade de estar presente o interesse recursal para que o recurso possa ser examinado em seus fundamentos. Assim, poder-se-ia dizer que incide no procedimento recursal o binômio necessidade + utilidade como integrantes do interesse de recorrer.

Deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito do interesse recursal”

“21. Requisitos de admissibilidade: interesse em recorrer. Consubstancia-se na necessidade que tem o recorrente de obter a anulação ou reforma da decisão que lhe for desfavorável. É preciso, portanto, que tenha sucumbido, entendida a sucumbência aqui como a não obtenção, pelo recorrente, de tudo o que poderia ter obtido no processo. Assim, ainda que tenha se saído vencedor da demandada, pode ter sucumbido e, consequentemente, ter interesse em recorrer”.

Frente ao exposto, não conheço do apelo em relação ao pedido de descaracterização da mora e compensação e repetição de valores, tendo em vista que já restou acolhido na sentença, o que configura ausência de interesse recursal em relação à matéria.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de...

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