Acórdão nº 50044830820218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50044830820218212001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001545258
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004483-08.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: EVA SAIOLARA GONÇALVES PUREZA PUREZA (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por EVA SAIOLARA GONÇALVES PUREZA PUREZA em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação de obrigação de fazer ajuizada contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A – BANRISUL, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 19):

“[...] Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por EVA SAIOLARA GONÇALVES PUREZA PUREZA em face de

BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00, em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária.

Interposto(o) o(s) recurso(s), restará ao Cartório, por meio de ato ordinatório, abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, consequentemente, remeter os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Igual procedimento deverá ser adotado na hipótese de recurso adesivo.

Transcorrido o prazo recursal sem movimentação das partes, certifique-se o trânsito em julgado e, nada sendo requerido, dê-se baixa e arquive-se.

Intimem-se.”

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta que há abusividade na relação contratual analisada. Afirma que o cartão não foi desbloqueado ou utilizado. Assevera que o pagamento da dívida não tem prazo final e que, após meses, o valor a ser abatido ainda é maior do que o inicialmente disponibilizado. Pede a reforma da sentença a fim de que o contrato seja convertido para empréstimo consignado tradicional. Pleiteia a repetição em dobro dos valores pagos a maior. Postula a inversão dos ônus sucumbenciais e a majoração dos honorários advocatícios. Requer o provimento do presente recurso (Evento 23).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 30.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 23 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 10/11/2021 e findou em 01/12/2021 (Evento 20), sendo que o recurso havia sido interposto no dia 09/11/2021 (Evento 23). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária (Evento 6), sendo dispensada do pagamento do preparo.

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Inicialmente, cabe destacar que é objeto da presente demanda o contrato de cartão de crédito consignado do Evento 13 - OUT2, o qual ensejou os descontos a título de reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário auferido pela parte demandante, nº 602.254.008-2 (Evento 1, CHEQ5).

A sentença recorrida julgou improcedente a demanda.

Tecidas estas considerações iniciais sobre as contratações discutidas nos autos, passo à análise do mérito propriamente dito.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°2).

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pela parte autora do serviço de cartão de crédito consignado, acostando aos autos o “termo de adesão ao cartão de crédito INSS” (Evento 13, OUT 2), bem como, as faturas de tal plástico (Evento 13, OUT3).

Da leitura do referido termo de adesão ao cartão de crédito consignado, afere-se que, quanto ao pagamento, foi estabelecido o seguinte:

Ocorrendo a Reserva de Margem junto ao INSS, autorizo o Banrisul a emitir o Cartão de Crédito Consignado e a debitar o valor do pagamento mínimo (conforme definido no Contrato) de meu benefício ou pensão do INSS.

A par disso, cumpre referir ter restado demonstrado nos autos que foi celebrado entre as partes o contrato de cartão de crédito consignado em 29/06/2017 (Evento 13, OUT2).

Ocorre que, muito embora tenha a parte ré comprovado a contratação do cartão de crédito consignado pela parte autora (Evento 13, OUT2), não restou demonstrado que esta o tenha desbloqueado e utilizado em sua finalidade precípua, qual seja, para realização de gastos e pagamento mensal conforme a despesa efetuada, porquanto não registradas compras com a tarjeta nas faturas colacionadas ao feito (Evento 13, OUT3).

Menciona-se, ainda, que no contrato firmado entre as partes sequer há menção ao número de prestações mensais necessárias para a quitação da dívida assumida...

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