Acórdão nº 50045054020158210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 31-05-2022

Data de Julgamento31 Maio 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50045054020158210073
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002110760
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004505-40.2015.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Tramandaí/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra ANGELICA ANDREA WAGNER, nascida em 23/08/1979, com 35 anos de idade ao tempo do fato, e ALEXANDRO LUÍS MACIEL DE OLIVEIRA, dando-os como incursos nas sanções do art. 171, caput, na forma do art. 29, ambos do Código Penal.

Narrou a peça vestibular acusatória (3.1, fls. 02/10), in verbis:

Em dias e horas não esclarecidos nos autos, porém, nos meses de outubro e dezembro do ano de 2014, no interior do estabelecimento comercial conhecido como “Mercado Oliveira”, situado na Av. Protásio Alves, n.º 1889, bairro Zona Nova, município de Tramandaí, os denunciados ALEXANDRO LUIS MACIEL DE OLIVEIRA e ANGÉLICA ANDREA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, obtiveram, para si, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, mediante meio fraudulento.

Na ocasião, Alexandro Luis Maciel de Oliveira, representando a pessoa jurídica “Mercado Oliveira” (SVW Atacado e Varejo Amorim Ltda. - CPNJ 89577357/0001- 40), e em conluio com a também denunciada Angélica Andrea Wagner, contratou com os representantes comerciais da empresa Morbene Comércio e Representações Ltda, Luciano Saccol e Rogério Rodrigues, adquirindo diversos produtos alimentícios, de higiene, limpeza, dentre outros, no valor de R$ 17.935,00, induzindo em erro a empresa vítima através de falsas promessas de pagamento dos bens mediante boleto bancário.

Os boletos bancários emitidos não foram pagos na data do seu vencimento, sendo enviados a protesto, razão pela qual o representante do ofendido se dirigiu à empresa dos denunciados para cobrar o valor referente ao negócio, momento em que se deparou com o estabelecimento fechado e recebeu a informação de que os sócios Alexandro e Angélica haviam fugido com as mercadorias para a Cidade de Sapiranga/RS, onde parte dos objetos foram apreendidos e restituídos à vítima (Auto de Apreensão de fl. 33 e Restituição da fl. 34 do IP).

Na cidade de Sapiranga/RS, os denunciados abriram um novo comércio para revender a terceiros as mercadorias e, assim, obter lucro, já que do valor original da compra, apenas foram apreendidos produtos que perfizeram o valor de R$ 8.607,00, acarretando uma vantagem indevida de R$ 9.327,35 aos autores do fato.

Recebida a peça acusatória em 10/08/2016 (3.4, fl. 42), a ré foi citada e, por Defensora Pública, apresentou resposta à acusação.

Declarada extinta a punibilidade do réu ALEXANDRE, com espeque no art. 107, inc. I, do Código Penal (3.4, fl. 50).

Ausente hipótese de absolvição sumária, o feito prosseguiu com a inquirição das testemunhas, ao final interrogada a ré.

O Ministério Público e a defesa apresentaram memoriais em substituição a alegações finais orais.

Em 03/10/2019, sobreveio sentença, publicada na mesma data (3.8, fls. 29/35), julgando procedente a ação penal e condenando a ré ANGELICA ANDREA WAGNER como incursa nas sanções do art. 171, caput, Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e à pena de multa de 10 (dez) dias-multa, à razão unitária mínima. Condenada ao pagamento das custas processuais.

A ré foi pessoalmente intimada do veredicto (3.8, fls. 42/44).

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação (3.8, fl. 37). Em suas razões, preliminarmente, requereu a rejeição da denúncia ante a sua inépcia, limitada a descrever o inadimplemento de dívida contraída pela acusada, sem especificar qual teria sido o meio fraudulento utilizado no suposto estelionato, impedindo, assim, o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Sustentou o cabimento da suspensão condicional do processo, não proposto injustificadamente pelo Ministério Público, na medida em que se trata de crime cuja pena mínima cominada é igual a um ano, imputado à acusada primária e que não responde a outra ação penal, conforme certidão nos autos, pelo que postulou a remessa dos autos ao Parquet para oferecimento de proposta. Arguiu ainda a nulidade da instrução pela ausência do ente ministerial na audiência do dia 15/04/2019, violada a norma processual insculpida no art. 212 do CPP e o próprio sistema acusatório, e da sentença por ausência de fundamentação, porquanto não consta uma linha sequer a respeito de qual teria sido o meio fraudulento empregado pela acusada. Além disso, também não menciona a partir de qual elemento probatório entendeu demonstrado o elemento subjetivo do tipo penal imputado (dolo).

No mérito, aduziu a atipicidade da conduta, não ultrapassado o inadimplemento contratual, a configurar mero ilícito civil a ser resolvido na esfera própria, observado o princípio da intervenção mínima. Não houve induzimento ou manutenção da pessoa em erro, tampouco "fuga" da acusada, que mantinha comércio há mais de seis anos e pretendida abrir novo negócio na Cidade de Sapiranga. Assim não entendido, asseriu insuficiente a prova coligida à revelação da autoria e do meio fraudulento. Apontou a falta de atuação da apelante nas questões financeiras do comércio. Ao final, prequestionou a matéria ventilada (3.8, fls. 45/50 e 3.9, fls. 01/09).

Apresentadas as contrarrazões ministeriais (3.9, fls. 11/14), subiram os autos a esta Egrégia Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo improvimento do apelo (8.1).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, sendo observado o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS e no art. 609 do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

O voto, adianto, vai no sentido de rejeitar as prefaciais suscitadas e, no mérito, dar parcial provimento ao apelo defensivo.

Da preliminares.

Inicialmente, alega, a apelante, a inépcia da denúncia, na medida em que ausente descrição do meio fraudulento utilizado para a perpetração do ilícito.

Sem razão.

Segundo lição de Pacelli, O essencial em qualquer peça acusatória, seja ela denúncia ou queixa, é a imputação, com a precisa atribuição a alguém do cometimento ou da prática de um fato bem especificado. Esse, ou esses, fatos, devem ser descritos com rigor de detalhes, para que sobre eles se desenvolva a atividade probatória. A exigência de delimitação precisa do fato imputado encontra-se na linha de aplicação do princípio constitucional da ampla defesa (PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 12ª ed. Editora Atlas: São Paulo, 2020, p. 140).

Na hipótese, da leitura perfunctória da aludida peça processual, desponta, de plano, suficiente a descrição da conduta típica, notadamente a forma pela qual induzida em erro a empresa vítima, consistente na articulação de falsas promessas de pagamento dos bens mediante boleto bancário, oportunizando-se, assim, o conhecer da imputação e propiciando o exercício defensivo, especificada a ação da acusada, com a clara descrição do tipo penal que lhe foi imputado.

Nesse sentido, perfila-se o entendimento da Corte Cidadã:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. OFENSA AO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não há inépcia da denúncia que, além da qualificação do acusado, descreve o fato delituoso e suas circunstâncias de modo suficiente ao exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.
2. Conforme precedentes desta Corte, a fundamentação per relationem é aceita, podendo ser utilizado o parecer ministerial ou a própria sentença como razão de decidir.
Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 839.203/RJ, Rel.
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018) - grifou-se

De igual modo, não merece acolhimento a aventada nulidade do feito ante o não oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo.

Ao tempo do oferecimento da denúncia – agosto de 2016 – a acusada, de fato, não ostentava ações penais em andamento, consoante certidão de antecedentes à época (3.4, fls. 08/10). Entretanto, em consulta ao histórico criminal da apelante, disponível no sistema informatizado desta Corte, infere-se que, concomitantemente ao trâmite da presente demanda, prosseguiam em desfavor de Angélica ações outras, inclusive na mesma Comarca, notadamente os processos nº 073/2.15.0007724-0, 073/2.15.0007733-9, 073/2.15.0007739-8, 073/2.15.0007678-2 (5004528-83.2015.8.21.0073), 073/2.15.0007716-9 e 073/2.15.0007711-8 (5004529-68.2015.8.21.0073), sendo a denúncia relativa aos quatro primeiros recebida na data em que instaurada a ação neste feito (10/08/2016), admitida a exordial acusatória quanto aos dois últimos na sequência (16/08/2016). Aliás, em que pese havida extinção da punibilidade e absolvição em decisões transitadas em julgado, três destes feitos seguem em tramitação, despontando assim, já desde os primórdios, a inviabilidade de oferecimento do benefício à apelante.

Relativamente à nulidade do feito por violação aos ditames do art. 212 do Código de Processo Penal, sob o argumento de que a Magistrada, ausente representante ministerial em audiência de instrução probatória, exerceu atribuição do órgão acusador ao realizar perguntas para as testemunhas, desrespeitando o estabelecido na lei, não merece guarida.

A redação do art. 212 do CPP, conferida pela Lei nº 11.690/08, alterou a forma de inquirição das testemunhas pelas partes, de modo que as perguntas...

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