Acórdão nº 50045297220198213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50045297220198213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001686390
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004529-72.2019.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: JACQUELINE DE LIMA BENITES (AUTOR)

APELADO: PHITOTERAPHIA BIOFITOGENIA LABORATORIAL BIOTA LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JAQUELINE DE LIMA BENITES em face da sentença (Evento 130 - SENT1, origem) que julgou improcedente a ação de indenização de danos morais e reparação de danos estéticos e materiais movida em desfavor de PHITOTERAPHIA BIOFITOGENIA LABORATORIAL BIOTA LTDA.

Em suas razões (Evento 134 - APELAÇÃO1, origem), postula pelo julgamento de procedência da ação, invocando pela aplicação do instituto da inversão do ônus da prova, referindo que a demanda versa sobre relação de consumo. Discorre acerca da reincidência de danos causados pelo produto "Amacihair", trazendo julgados anteriores a corroborar sua tese, além de inúmeras reclamações no mesmo sentido por demais usuários. Afirma que teve uma experiência terrível após adquirir o produto, afetando sua vaidade e seu emprego, o qual exigia boa aparência para o cargo que ocupava. Se opõe às conclusões do laudo pericial, alegando demora na sua apresentação e requerendo o afastamento do documento como prova, com o posterior encaminhamento a novo perito técnico a ser designado, o que foi indeferido pela magistrada. Alega que em nenhum momento mencionou que não fez o teste de mechas, bem como questiona a perita no que se refere à alegação de que havia coloração nos cabelos da autora. Suscita a ausência de informações importantes sobre a quantidade de aplicação do produto, assim como em relação ao extravio do produto por parte da perita, em prejuízo à produção de provas. Requer o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 139 - CONTRAZAP1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos, em que a autora noticia a aquisição do produto denominado de Amacihair, produzido pela ré, objetivando o alisamento capilar, na data de 01/11/2019.

De acordo com a narrativa da exordial, considerando a ótima descrição contida no produto “azeite de oliva, brilho radiante, sem cheiro, sem soda, dispensa neutralizante, dermatologicamente testado, cabelos lisos e com brilho, etc.”, resolveu fazer uso, após ter lido e relido todas as instruções. Ocorre que, para a surpresa da consumidora, logo após aplicar o produto, afirma que começou a sentir uma terrível coceira, com a sensação de que os seus cabelos e sua cabeça começaram a “ferver”. Imediatamente correu para o banheiro para retirar o produto com água, quando percebeu que seu cabelo estava derretendo, começando a cair "chumaços". Informa que desembolsou um alto valor para realizar tratamento, e ainda será necessário fazer um cronograma capilar e hidratação para reduzir os danos causados pelo produto. Além da queda, também teve coceira, queimaduras e feridas, necessitando procurar ajuda médica com dermatologista. Busca, assim, a reparação pelos danos materiais, morais e estéticos decorrentes do imenso sofrimento experimentado, pois, além da queda capilar, ocupava o cargo de atendente e foi logo após demitida do emprego.

A requerida, por sua vez, advoga a culpa exclusiva da consumidora pelo evento, a despeito de que a autora não seguiu as orientações indicadas na embalagem, tendo aplicado o produto sem realizar o prévio e necessário 'teste de mecha'. Informa que o guia explicativo é bem específico quanto à necessidade de se realizar a referida testagem, utilizando a mecha localizada no topo da cabeça (região central), imprescindível para avaliar a sensibilidade do usuário ao produto, ou seja, a ocorrência de reações adversas em decorrência da sua aplicação. Ainda, defende a qualidade do produto colocado no mercado de consumo, sustentando a ausência de vício e, também, de nexo de causalidade.

Processado e instruído o feito, sobreveio sentença de improcedência da ação, assentada na prova produzida, em especial o laudo pericial, concluindo que a reação em questão se deu por culpa exclusiva da própria consumidora, que não observou todas as recomendações constantes no guia de aplicação que acompanha o produto.

Irresignada, recorre a parte autora.

Pois bem.

Primeiramente, a despeito da impugnação à perícia realizada e o pedido veiculado para que fosse encaminhado o produto para reanálise de outro perito, tenho como prescindível no caso concreto.

A uma, porque a perícia (Evento 72 - LAUDO1 e Evento 90 - RÉPLICA1, origem) foi realizada por profissional indicado pelo juízo e, portanto, imparcial, tendo respondido de forma satisfatória a todos os quesitos apresentados.

A duas, porque o pedido de nova perícia, e que, segundo a autora, restou inclusive prejudicado pelo fato de o produto haver sido extraviado pela perita (segundo consta, a profissional teve o carro roubado e o material estava no interior do veículo), tenho que não teria o condão de alterar o julgamento do feito. Veja-se que a própria experta, ao tempo da realização da perícia, informou que o material (embalagem contendo sobras do creme e mechas de cabelo embalados em saco plástico leitoso não estéril) estava completamente degradado. E, na sequência, trouxe a informação que segue:

Relembremos, pois, que o produto AmaciHair é comercializado na forma de um “kit” composto pelos seguintes elementos:

1- Creme de alisante

2- Ativador

3- Xampu indicador

4- Um par de luvas

5- Um guia de aplicação

Para obtenção do efeito alisante, o creme alisante e o ativador (itens 1 e 2) devem ser misturados pouco antes da aplicação. As imagens exibem o material após a aplicação, logo, o produto está na forma ativada e, portanto, sem estabilidade química, inviabilizando a análise laboratorial.

O mesmo podemos afirmar sobre os restos capilares trazidos à perícia. Por tratar-se de material biológico contaminado com a mistura ativada do creme alisante, armazenado em condições não ideais, sua decomposição é acelerada não restando evidências confiáveis para análise.

A três, porque, conforme é demais cediço, o julgador é o destinatário da prova a ser produzida no processo, de tal modo que a ele incumbe aferir da necessidade de dispor de adequados elementos de convicção para dirimir as controvérsias que lhe são submetidas. Não há como olvidar a norma do art. 370 do NCPC, verbis:

Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

No caso, portanto, os documentos constantes nos autos são suficientes à formação do juízo de convencimento, assim como a perícia realizada não necessita de complementação, tendo respondido a todos os quesitos dentro do limite do necessário, conforme já referido, esclarecendo de forma satisfatória as questões imprescindíveis ao julgamento do feito.

Nesse sentido converge o entendimento jurisprudencial desta Corte Estadual, servindo de exemplo, por todos, a decisão a seguir ementada:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. INSS. AGRAVO RETIDO. COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. O juiz é o destinatário da prova, a qual é produzida em benefício de seu convencimento. Por isso, pode indeferir as provas que entender desnecessárias à instrução do processo, as diligências inúteis ou as meramente protelatórias. Na espécie, mostra-se desnecessária a complementação da prova pericial, pois há nos autos elementos de prova suficientes ao deslinde da controvérsia. Agravo retido desacolhido. RESTABELECIMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-ACIDENTE. CONVERSÃO DO AUXÍLIO DOENÇA COMUM EM SEU HOMÔNIMO ACIDENTÁRIO. Hipótese dos autos, em que os elementos de provas carreados aos autos, em especial as conclusões da prova técnica, demonstraram que a situação fática do segurado não preenche os pressupostos legais dos arts. 59 e 60 da Lei de Benefícios. Caso concreto em que não restou comprovada a persistência do quadro álgico ou qualquer incapacidade, seja temporária ou permanente, tampouco redução da capacidade laboral. Indevido o restabelecimento do auxílio-doença, bem como a concessão de aposentadoria ou auxílio-acidente. AGRAVO RETIDO DESACOLHIDO. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70071366983, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 22/02/2017)

Superada esta questão, passo ao exame do mérito propriamente dito.

Consoante se infere do relato supra, a questão colocada em julgamento configura relação de consumo, razão pela qual aplicável o Código de Defesa do Consumidor, com a possibilidade de inversão do ônus da prova, como direito básico, nos termos do art. 6º, VIII, da legislação consumerista:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Na esteira do art. 121 do mesmo diploma, que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando que fique comprovada a ocorrência do fato, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.

O fabricante responde, portanto, pelo produto defeituoso, assim considerado aquele que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em...

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