Acórdão nº 50045852920218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50045852920218210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001665898
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004585-29.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: CARLOS DELMIR MENDES DO CARMO (AUTOR)

APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CARLOS DELMIR MENDES DO CARMO em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação declaratória de nulidade contratual com pedidos de restituição de valores em dobro e indenização por dano moral ajuizada contra BANCO INTER (Evento 36), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

“[...]. Isso posto, revogo a antecipação de tutela e, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por CARLOS DELMIR MENDES DO CARMO em face de BANCO INTER S.A. com resolução de mérito.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados estes em 10% sobre o valor da causa atualizado, na forma do artigo 85, §2°, do Código de Processo Civil; ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar a gratuidade (artigo 98, §3°, do CPC).

Publicada e registrada eletronicamente, intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante afirma ter sido induzida a erro pela instituição financeira pois acreditou estar contratando empréstimo pessoal. Alega haver excessiva vantagem para o banco réu na relação contratual. Defende estar evidente a má-fé da instituição financeira, a qual deixou de fornecer informações claras sobre a modalidade contratual. Argui que os descontos infinitos geram um endividamento progressivo e impagável. Menciona bastar a violação de um direito para configurar o dano moral, tendo em vista a responsabilidade objetiva do réu. Destaca ser pessoa idosa, vulnerável e hipossuficiente. Alega haver indícios da intenção de causar dano ao exigir vantagem manifestadamente excessiva do consumidor. Ressalta que a indenização por danos morais tem natureza compensatória para a vítima e punitiva para o ofensor. Esclarece não ter utilizado o cartão de crédito. Afirma ter recebido o valor do empréstimo por meio de transferência bancária. Colaciona jurisprudência alinhada a sua argumentação. Postula a observância do art. 42, § único, do CDC no que tange à devolução em dobro dos valores pagos a maior. Assevera já ter quitado seus débitos integralmente. Pleiteia a aplicação de juros mensais ao percentual de 1,80% após a conversão. Requer o provimento do presente recurso a fim de reformar a sentença, acolhendo os pedidos iniciais. Alternativamente, pede restituição de indébito na forma simples (Evento 41).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 47.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 41 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 11/11/2021 (Evento 38) e findou em 02/12/2021, sendo que o recurso foi interposto no dia 10/11/2021 (Evento 41). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória de nulidade contratual, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°2).

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pela parte autora do serviço de cartão de crédito consignado, acostando aos autos o “termo de adesão cartão de crédito consignado INTERMEDIUM e autorização para desconto em folha de pagamento” (Evento 18 – OUT10), bem como, as faturas de tal plástico (Evento 18 – OUT 7-8).

Da leitura do referido termo de adesão ao...

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