Acórdão nº 50046397420218210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50046397420218210132
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002268952
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004639-74.2021.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: MARCIO PEREIRA LIMIA (OAB RS056518)

ADVOGADO: ALBERTO FRANCISCO DIEHL ARAUJO NETO (OAB RS066192)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra ÉDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA, com 24 anos de idade na data dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 14, da Lei nº 10.826/03, e do artigo 180, caput, do Código Penal, pelos seguintes fatos delituosos:

1º FATO:

No dia 02 de agosto de 2021, por volta das 02h45min, na Rodovia Estadual RS-239, nº 24, Bairro Campo da Brazina, em Araricá/RS, o denunciado ÉDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA portou, deteve, recebeu e transportou, em via pública, arma de fogo de uso permitido, consistente em 01 (uma) pistola TAURUS PT938, calibre 380, número KHZ14988, municiada com 15 projéteis de arma de fogo não deflagradas (Auto de Apreensão do Evento 1, AUTOCIRCUNS3), em condições de uso e funcionamento, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

2º FATO:

Em data não especificada, mas certamente entre os dias 21 de setembro de 2019 e 02 de agosto de 2021, em horário e local não especificados, o denunciado ÉDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA adquiriu e recebeu, em proveito próprio, 01 (uma) pistola TAURUS PT938, calibre 380, número KHZ14988, coisa que sabia ser produto de crime, tendo sido objeto de furto, conforme Ocorrência Policial n.º 13205/2019/100929, de propriedade da vítima SILMAR DIAS DUARTE.

NARRATIVA COMUM AOS FATOS:

Na oportunidade, o denunciado ÉDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA, tripulando o veículo Jaguar/Epace, placas QIX9570, foi flagrado por policiais militares trafegando em excesso de velocidade. Após perseguição, o denunciado foi abordado, tendo sido encontrada em sua posse 01 (uma) pistola TAURUS PT938, calibre 380, número KHZ14988, municiada com 15 projéteis de arma de fogo não deflagradas. A mencionada arma de fogo havia sido furtada de SILMAR DIAS DUARTE, em 24/09/2019, na Rua Plutão, nº 195, Bairro Boa Saúde, em Novo Hamburgo/RS, conforme Registro de Ocorrência nº 13205/2019/100929 (fl. 11 do Evento 40 – PET1)

A denúncia foi recebida em 25.08.2021 (evento 3, DESPADEC1).

Citado (evento 6, CERTGM1), o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (evento 14, DEFESA PRÉVIA1).

Durante a instrução processual, foram ouvidas duas testemunhas de acusação e uma de defesa, e interrogado o réu (evento 70, TERMOAUD1).

Atualizados os antecedentes do acusado (evento 71, CERTANTCRIM1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais que foram apresentados pelas partes (evento 145, MEMORIAIS1 e evento 148, ALEGAÇÕES1).

Sobreveio sentença de procedência da ação penal para CONDENAR o réu EDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA, como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03 e artigo 180, caput, na forma do artigo 69, caput ambos do Código Penal, à pena de 03 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto , e à pena de 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, concedido o direito de apelar em liberdade e negado o sursis (evento 150, SENT1).

A sentença foi disponibilizada em 21.01.2022.

A defesa apelou tempestivamente. Em suas razões, requereu a reforma da sentença para absolver o acusado por insuficiência probatória ou pela ausência de dolo. Subsidiariamente, em caso de condenação por receptação, pugnou pelo reconhecimento da forma culposa, na ausência de provas que demostrem o dolo, bem como, o reconhecimento da privilegiadora, demonstrada a primariedade do réu. Ainda, postulou o redimensionamento da reprimenda, a fim de que seja reduzida ao mínimo legal, bem como a aplicação da pena restritiva de direitos ou o cumprimento da pena no regime aberto (evento 162, RAZAPELA1).

Com as contrarrazões (evento 173, PROMOÇÃO1), os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ana Lucia Cardozo da Silva manifestou-se pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso, uma vez que adequado e tempestivo.

No que tange ao pedido de absolvição, não assiste razão à defesa do acusado.

Com efeito, a materialidade do delito previsto no artigo 14, caput, do Estatuto do Desarmamento, vem delineada na ocorrência policial nº 8509/2021/100929 (fls. 01-05, processo 5003997-04.2021.8.21.0132/RS, evento 1, REGOP2), no auto de apreensão (processo 5003997-04.2021.8.21.0132/RS, evento 1, AUTOCIRCUNS3), e no laudo pericial nº 259540/2021 (evento 122, LAUDO2), que constatou a funcionalidade da arma de fogo apreendida, e a eficácia dos cartuchos e do carregador.

No que se refere à autoria delitiva, também está bem delineada nos autos, e a tese escusativa não convence e não ficou devidamente comprovada.

Observo que as testemunhas acusatórias, policiais militares que participaram da abordagem que conduziu ao flagrante delito, esclareceram a contento as circunstâncias em que se deu a prisão em flagrante do acusado, como já observado dos depoimentos apostos na sentença:

A testemunha de acusação DOUGLAS PAIM DOS SANTOS, policial militar, disse que a guarnição foi solicitada para realizar abordagem em veículo suspeito. Realizaram a abordagem e, durante a revista pessoal foi localizada a arma e as munições. Um carregador de munições estava no bolso do réu e o outro na arma. Recordou que o suspeito teria dito que portava a arma por estar sofrendo ameaças.

A testemunha FELIPE DA ROCHA CARDOSO, policial militar, disse recordar da ocorrência. Estava em patrulhamento de rotina e passou um veículo suspeito. Realizaram a abordagem e foi localizada uma arma e um carregador com munições intactas no bolso do réu.

A testemunha de defesa, relatou que presenciou quando o acusado estava negociando a compra da arma:

A testemunha de defesa SAMUEL DA SILVA MORAIS discorreu que possui um amigo em comum com o réu e que certa vez foi comprar roupas na loja desse amigo. Na oportunidade, Edipo estava no local e viu o momento em que estavam negociando a arma. Questionado, disse que a arma foi vendida por Silmar, dono do "Xis do banha". Questionado, afirmou não recordar exatamente o valor da negociação, mas acredita ser cerca de R$4.000,00 ou R$4.500,00. Afirmou que não conhecia o réu. Disse que o amigo em comum foi quem pediu para que ele testemunhasse o que viu, pois só os três estavam no local.

O recorrente confirmou que portava a arma e as munições, negando que soubesse da origem ilícita do artefato:

O réu EDIPO FELIPE SANTOS DE ALMEIDA narrou que trabalhava em duas empresas e realizava carregamentos de valores altos, motivo pelo qual estava tentando obter porte de arma, mas não conseguiu, por ter processos em andamento. Aduziu que ficou sabendo através de um amigo sobre a existência de uma arma registrada que estava à venda. Aduziu que foi até a casa desse amigo e ele passou todas as informações sobre a arma, como valor e modelo. Narrou que comprou a arma e que no momento da venda não foi informado de que ela era furtada. Questionado, disse não ter nenhum papel que comprove que a arma está regularizada, pois "não entende muito disso", apenas acreditou no que foi lhe dito pelo vendedor, o qual afirmou que a arma era registrada. Questionado sobre o motivo da arma estar dentro do carro, disse que ela sempre ficava no veículo, pois utiliza o carro no trabalho, transporta valores, vai ao banco, então, sempre a deixava dentro do carro ou levava junto para o escritório. Disse que quando abordado pela polícia foi questionado sobre estar portando algo ilícito no veículo, nesse momento informou que não carregava nada ilícito, apenas a arma no porta-luvas. Durante a abordagem perguntaram sobre o registro da arma, quando informou que não possuía o registro, então os policiais o levaram preso. Questionado, disse que havia comprado a arma há cerca de 2 anos e meio, que a pandemia estava iniciando e o dono da arma à época, que também era proprietário de uma lancheria, informou que o movimento estava fraco, razão pela qual estava precisando de dinheiro e precisava realizar a venda. Questionado, disse que comprou a arma de Silmar, conhecido como "banha" e que o conhece desde criança, por isso acreditou que a arma estava regularizada. Questionado, disse que na época da compra não estava pensando em realizar o porte de arma. Esclareceu que Silmar ofereceu a arma de fogo para um indivíduo que é seu conhecido, o qual, posteriormente, ofereceu a ele. Aduziu que comprou a arma diretamente de Silmar, na casa do seu amigo. Questionado, disse que não sabia que era crime portar a arma, por acreditar que ela era regularizada. Confirmou que acreditava que manter a arma de fogo em seu porta-luvas não era considerado um crime.

Pois bem, há que se observar aqui que a versão defensiva não busca elidir efetivamente o porte do artefato bélico, pois o réu confirmou que transportava a arma de fogo e as munições. Ademais, nenhum documento foi trazido a fim de comprovar a negociação com Silmar, sendo inconteste que o acusado não possuía o registro da arma de fogo.

Assim, não há falar em absolvição do réu pelo referido delito.

Do mesmo modo, não há falar em atipicidade da conduta, uma vez que, para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, basta que o agente pratique qualquer uma das condutas descritas no artigo 14 da Lei nº 10.826/03 e, no caso, o apelante...

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