Acórdão nº 50047305520158210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50047305520158210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002052913
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004730-55.2015.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto Qualificado (Art. 155, § 4º)

RELATORA: Desembargadora GLAUCIA DIPP DREHER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Caxias do Sul, perante a 4ª Vara Criminal, o Ministério Público denunciou DIOGO DAMACENA DA CRUZ (nascido em 26/11/1992, com 22 anos de idade à época do fato), como incurso nas sanções do art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

"FATO DELITUOSO:

No dia 11 de agosto de 2014 (segunda-feira), na Rua os Dezoito do Forte, nº 2389, apto 303, nesta cidade, o denunciado DIOGO DAMACENA DA CRUZ subtraiu, para si, mediante abuso de confiança, cerca de R$550.000,00 a R$600.000,00 em espécie, valores da família Ajala Conti e respectivas sociedades empresárias (Jonatas Ajala Conti, Vanessa Ajala Conti e os genitores destes, Mara Rosa Ajala Conti e João Carlos Conti).

Na oportunidade, o denunciado trabalhava nas Lojas Deon e Cia LTDA, gerida por Mara Rosa Ajala Conti. Aproveitando-se da confiança depositada pelos anos de labor e presteza inicial de suas funções, passou a acompanhar a rotina da família, em específico as movimentações financeiras das empresas, complementada por informações obtidas de Gabriela Baggio, com quem tinha envolvimento pessoal e profissional (esta trabalhou na empresa de Mara, bem como era ex-companheira da vítima Jonatas Ajala Conti).

Dias antes do fato, quando Mara atendia um representante comercial, o denunciado reteve informação sobre ela guardar dinheiro em casa e obteve posse do portão eletrônico da garagem da residência e cópia das chaves. Na data do fato, após carona dada por Jocenir da Silva Vernerque em Chevette vermelho até próximo ao local do fato (proximidades o restaurante “Um Real”), ingressou na residência da família pelo portão da garagem do prédio, permanecendo por cerca de 15 minutos, subtraindo os valores retro mencionados, os quais se encontravam em mochila, dentro de uma churrasqueira, na cozinha do apartamento, camuflados em jornal, separadas em notas de cem reais. Após, o denunciado novamente ingressou no veículo de Jocenir, agora com a mochila cinza contendo o valor subtraído, retornando ao local de partida, uma reciclagem no Bairro Santa Corona.

Durante as investigações, não foram encontrados vestígios de arrombamento no apartamento. A empregada da família constatou que as portas estavam fechadas, mas deschaveadas, após o fato delitivo.

Através de quebra de sigilo bancário, revelou-se o acréscimo patrimonial do denunciado com o proveito do crime, este o qual, a partir da própria data da consumação do delito, quase que diariamente e reiteradamente depositou valores em espécie em sua conta pessoal, muito acima de seus rendimentos mensais anteriores (Agência Caixa, c.c 3671.013.00001314.4, cujo extrato compõe o Ofício 01013/2016/GIRETSIGILO da Caixa Econômica Federal).

Cabe destacar que o denunciado subitamente tornou-se proprietário do veículo Cintröen/C3 90M Tendance entre 14/10/2014 (um mês após o fato) e 17/12/2012, cujo valor de mercado à época era de R$ 41.005,00. Também adquiriu o veículo MMC/ASX 2.0 CVT, placas IVZ-2367, novo, à vista, durante o período de 19/12/2014 a 18/02/2015, pagando R$20.000,00 em espécie e mediante transferência bancária de R$71.608,00, por TED à revenda Betiollo, realizada quase dois meses após o fato delituoso (13/10/2014). As tratativas de aquisição foram documentadas, tudo conforme a medida cautelar 010/2.14.0019580-0.

A mudança comportamental e gastos pródigos do denunciado chamaram a atenção de pessoas de seu convívio, que o viam abanando-se com notas de cem reais, presenteando conhecidos e publicizando em redes sociais viagens, jantares e festas, justificando os valores subtraídos como herança, ganho em loteria, economias de pensão ou que Mara havia financiado o veículo ASX e descontaria dos salários dele."

O Ministério Público apresentou pedido de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico (evento 3.3, páginas 10-21), o qual foi deferido pelo juízo singular (ev. 3.3, pp. 35-39).

Denúncia recebida em 05/07/2017 (ev. 3.4, p. 50 e ev. 3.5, p. 1).

Citado por carta precatória em 14/05/2018 (ev. 3.5, p. 36), o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (ev. 3.5, pp. 40-42).

Não sendo caso de absolvição sumária, o magistrado singular designou audiência instrutória (ev. 3.5, pp. 43-44).

Durante a instrução criminal, foram ouvidas as vítimas, as testemunhas de acusação, bem como foi decretada a revelia do réu (ev. 3.7, pp. 40-41e ev. 3.8, p. 43).

A certidão de antecedentes criminais foi atualizada (ev. 3.9, pp. 16-17).

As partes apresentaram memoriais, inicialmente o Ministério Público (ev. 3.9, pp. 18-26) e, após, o réu por intermédio da Defensoria Pública (ev. 3.9, pp. 28-39).

Sobreveio sentença, de lavra do Juiz de Direito, Dr. João Paulo Bernstein, julgando procedente a denúncia, para condenar o réu DIOGO DAMACENA DA CRUZ, nos lindes do artigo 155, §4°, inciso II, do Código Penal, por duas vezes, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 03 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias-multa no valor unitário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de dez salários mínimos. A dosimetria da pena foi realizada nos seguintes termos:

"A luz da Súmula 444 do C. STJ, o acusado não ostenta antecedentes criminais passíveis de ponderação na fixação da pena (fls. 322/322v). Sobre a conduta social e a personalidade do agente, inexistem elementos nos autos para análise. O motivo do delito e as circunstâncias reputo inerentes à espécie. As consequências recomendam exasperação de pena, tendo em vista o valor do rombo financeiro suportado pelas vítimas, mais precisamente por Jonatas, que disse não ter recuperado nada do que foi levado, ou seja, mais de R$ 550.000,00. As vítimas em nada contribuíram para a ocorrência da infração. A culpabilidade do acusado, em seu aspecto stricto sensu, reclama a exasperação da pena, por conta da ousadia do acusado em ostentar perante familiares, amigos, colegas trabalho e aos próprios patrões vitimados os sinais de riqueza decorrentes do crime, obviamente que mediante as mais variadas "justificativas de origem", na certeza da impunidade dos seus atos, o que realça o grau da reprovabilidade de sua conduta.

Assim, com fulcro no art. 59 do CP, fixo a pena base em 03 anos de reclusão, exasperando em 06 meses pelo vetor culpabilidade e 06 meses pelo vetor consequências, a qual vai assim definitivada, ante a ausência de outras causas de modificação.

A pena cominada para o delito de furto qualificado é cumulativa. Por isso, aplico ao réu, igualmente, a pena de multa que arbitro em 30 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo, corrigido monetariamente, por dia-multa, considerando as suas condições pessoais, que foi assistido pela Defensoria Pública.

Diante da quantidade da pena aplicada e da natureza do delito, e, tratando-se de réu primário, estão presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, razão pela qual substituo a pena privativa de liberdade fixada por duas restritivas de direitos, consistente em: a) prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46 do CP, na razão de 01 hora por dia de condenação; e b) prestação pecuniária, no valor de 10 salários mínimos, a ser recolhida à conta das penas alternativas da Comarca.

Não vislumbro a necessidade de segregação preventiva, eis que ausentes os requisitos do art. 312 do CPP. Com isso, poderá o réu apelar em liberdade.

Conforme art. 387, inciso IV do Código de Processo Penal, o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, não havendo qualquer exigência de que tenha havido pedido expresso nesse sentido.

No caso em tela, houve pedido de fixação de verba reparatória nas alegações finais do Parquet, mas sem referência a um valor específico, apenas fazendo referência aos prejuízo causado à família das vítimas pelo desaparecimento do dinheiro.

Deveras, ficou evidenciada a subtração do dinheiro alegado pelas vítimas e pertencente a Jonatas, em principio, no montante alegado na ocorrência e na denúncia, não tendo havido qualquer contraposição do réu ou da defesa técnica quanto ao total do desfalque.

A despeito disso, e levando em conta a inércia das vítimas quanto à adoção de providências tendentes ao ressarcimento integral na seara competente, apesar de terem plenas condições de o fazê-lo, especialmente financeiras, que as quebras de sigilo bancário, fiscal e patrimonial do acusado, apesar de reveladoras do crime, não apontaram, a priori, um enriquecimento de sua parte no montante total do prejuízo experimentado pelas vítimas; bem como a informação constante do relatório do Inquérito, no sentido de que dois policiais militares teriam supostamente se beneficiado dos valores furtados, o que se configuraria crime militar no entendimento da Autoridade Policial, que, por tal razão, determinou a remessa de cópias da investigação à Corregedoria da Polícia Militar para providências (fl. 96), não sobrevindo aos autos qualquer resultado do encaminhamento dado em relação à conduta desses policiais, entendo por razoável aqui limitar a fixação de verba reparatória em favor da vítima Jonatas ao valor de R$ 357.844,00, a ser atualizado monetariamente desde o dia do crime, ou seja, 11/09/2014, podendo as vítimas, conforme o caso, pleitearem a parte faltante na esfera cível...

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