Acórdão nº 50047417120228210032 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 16-02-2023
Data de Julgamento | 16 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50047417120228210032 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Décima Terceira Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003178047
13ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5004741-71.2022.8.21.0032/RS
TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER
APELANTE: LUIS ANTONIO DOS SANTOS (AUTOR)
APELADO: BANCO DIGIMAIS S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por LUIS ANTONIO DOS SANTOS contra sentença (evento 19) que julgou improcedentes os pedidos da ação revisional que move em face de BANCO DIGIMAIS S.A.
Em seu apelo (evento 25) a parte autora suscitou a observância aos termos do Código de Defesa do Consumidor. Alegou que há abusividade no percentual previsto aos juros remuneratórios. Afirmou ser indevida a cobrança de taxas/tarifas bancárias, no caso, a tarifa de cadastro, TAC e TEC. Arguiu a caracterização do seguro prestamista como venda casada. Defendeu a compensação/repetição dos valores pagos a maior no negócio. Aduziu estar fragilizada a mora, autorizando-se o deferimento das tutelas antecipadas de manutenção da posse e abstenção da inscrição do seu nome nos arquivistas. Postulou o provimento do apelo.
A instituição financeira ré apresentou contrarrazões ao evento 31.
Subiram os autos à Corte.
Vieram conclusos.
VOTO
Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o presente recurso.
DO CONTRATO
Cuida-se da Cédula de Crédito Bancário n.0002.0001231380, garantida por cláusula de alienação fiduciária, firmada pelas partes em 09 de novembro de 2021 (evento 1, contrato 9).
APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS E POSSIBILIDADE DE REVISÃO EM CASO DE ABUSIVIDADES
Inicialmente, cumpre referir ser inegável a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, consoante entendimento consolidado na Súmula 2971 do egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Ressalve-se, entretanto, que a simples aplicação do CDC aos contratos não garante a procedência do pedido revisional, apenas autoriza a sua revisão em caso de flagrantes abusividades. Eventual ilegalidade das cláusulas contratuais somente pode ser apreciada no caso concreto.
Fica vedado, ainda, o julgamento de ofício acerca de eventuais abusividades contratuais, nos termos da Súmula n. 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.
JUROS REMUNERATÓRIOS
Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.
O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.
A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:
“A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.
E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.
Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.
Assim aquilatadas as diretrizes supra, entendo que no caso dos autos são regulares os juros remuneratórios pactuados (32,61% ao ano - CONTR10), porquanto não ultrapassam o dobro da taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN para a data da contratação (27,45%a.a.2, em novembro/2021), critério esse que vem sendo amplamente aceito pelo STJ.
CARACTERIZAÇÃO DA MORA
A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:
I. Afasta a caracterização da mora:
(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.
II. Não afasta a caracterização da mora:
(i) o simples ajuizamento de ação revisional;
(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.
Ainda, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.
Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.
TAC E TEC – INOVAÇÃO RECURSAL
Ante a ausência de pedido expresso na inicial petição quanto às tarifas de abertura de crédito e emissão de carnê, descabe apreciá-los nesta fase processual, porquanto configuram inovação recursal. Nesse sentido, e.g.:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. Carece de interesse recursal a parte autora/apelante ao pleitear a aplicação do CDC à contratação, pois a sentença acolheu o pedido, impondo-se o não-conhecimento da apelação, no ponto. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. Sem a prova da contratação abusiva dos juros remuneratórios, é incabível sua limitação na forma pretendida pela parte autora. CAPITALIZAÇÃO. A capitalização mensal de juros é permitida nos contratos celebrados após a edição da MP 1.963-17, de 30 de março de 2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada. No caso dos autos, diante da ausência de contratação expressa da capitalização mensal dos juros, vedada está sua cobrança. INOVAÇÃO RECURSAL (MORA). Sob pena de supressão de um grau de jurisdição, em sede recursal, é incabível a inovação no pedido inicial, que se refere à pretensão de afastamento da mora até decisão final do feito, impondo-se o não conhecimento do recurso no ponto. Apelação parcialmente conhecida e, nesta parte, parcialmente provida, por maioria. (Apelação Cível Nº 70057298507, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Castro Boller, Julgado em 19/12/2013). Grifei
Segundo Theotonio Negrão3, “é inadmissível inovar o pedido em sede de recurso, visto que não se pode recorrer do que não foi objeto de discussão e decisão em primeira instância”. Diga-se, a proposição e apreciação de nova matéria unicamente em sede recursal ensejaria indesejada supressão de instância.
Apelo não conhecido nos pontos, destarte.
TARIFA DE CADASTRO
O egrégio STJ sedimentou entendimento no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.251.331/RS e 1.255.573/RS, os quais seguiram o rito dos recursos repetitivos nos termos do artigo 543-C do antigo Código de Processo Civil, no sentido de ser legal a tarifa de cadastro, consoante se verifica na seguinte tese:
“Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
[...]
- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.”
Sedimentando a matéria, foi editada pelo egrégio STJ a Súmula n.º566, segundo a qual “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada...
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