Acórdão nº 50047519820198210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50047519820198210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001767341
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004751-98.2019.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: ADRIANO MEIRELES SONNEMANN (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ADRIANO MEIRELES SONNEMANN e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, inconformados com a sentença (Evento 3, PROCJUDIC5, Páginas 22/29, origem) que julgou parcialmente procedente a ação de indenização, nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.207,00 (cinco mil, duzentos e sete reais), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar."

Em suas razões (Evento 3, PROCJUDIC5, Páginas 35/50 e PROCJUDIC6, Páginas 1/24, origem), o autor defende a reforma da sentença, sob o fundamento de que a interrupção de energia elétrica perdurou por período superior a 24 horas, bem como pela não comprovação de temporal na localidade e no período questionado, afirmando que a ré utilizou prova produzida unilateralmente. Aponta responsabilidade objetiva da companhia, tendo em vista a relação de consumo entre as partes, defendendo a aplicação do CDC. Pugna pelo afastamento do entendimento firmado na origem no sentido de haver culpa concorrente no presente caso, alegando ter sofrido dano em decorrência da falha na prestação de serviço da ré. Por fim, giza ser necessária a manutenção da gratuidade de justiça ao início deferida, pois não possui condições de arcar com as custas e os honorários advocatícios. Colaciona precedentes. Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, condenando a ré ao pagamento do valor integral da indenização pleiteada, além do pagamento de custas e honorários advocatícios sucumbenciais.

A parte ré (Evento 3, PROCJUDIC6, Páginas 25/46, origem), por sua vez, afirma não haver relação entre o dano alegado pelo autor e a ocorrência de possível defeito na distribuição de energia, inexistindo responsabilidade civil objetiva da concessionária. Contesta a alegação de que o laudo apresentado foi produzido de forma unilateral, afirmando ser suficiente para demonstrar a não ocorrência de dano, o qual não é meramente estimativo, mas reflete a real situação do fumo encontrado no momento da vistoria. Defende a aplicação da Resolução 414/2010 da ANEEL, demonstrando não haver possibilidade de fornecimento de energia ininterrupto, bem como aduzindo que a ocorrência de caso fortuito/força maior exclui a responsabilidade civil pelo falta de nexo causal, inexistindo, a partir disso, o dever de indenizar. Cita jurisprudência. Postula reforma da sentença, para ser julgado improcedente a demanda. Requer provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora (Evento 3, PROCJUDIC8, Páginas 8/47, origem), e pela ré (Evento 3, PROCJUDIC8, Páginas 48/50 e PROCJUDIC9, Páginas 1/13, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo os recursos porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

A demanda versa sobre danos materiais alegadamente experimentados em face da perda da qualidade do fumo produzido em razão de interrupção no fornecimento de energia elétrica na data de 02/01/2019, das 14h até as 21h do dia 04/01/2019.

A parte autora, titular da unidade consumidora nº 71419802, situada na localidade denominada de Estrada Barreado, nº 372, zona rural, interior do Município de Camaquã-RS, alegou que o fumo sofreu deterioração e perda de qualidade, uma vez que a secagem da produção restou comprometida, bem como que a requerida tardou a fornecer o restabelecimento do serviço, apontando um prejuízo no montante de R$ 15.621,00 (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 28).

A sentença julgou parcialmente procedente a ação, para condenar a demandada a indenizar os prejuízos sofridos pela parte autora, correspondente a 1/3 dos danos reclamados (R$ 5.207,00), concluindo pela culpa concorrente da parte autora.

Releva salientar, primeiramente, que, de acordo com o entendimento pacificado no âmbito desta Câmara, em hipóteses como a presente, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a parte autora se trata de pequeno produtor rural, que utiliza a energia elétrica na sua moradia e na sua atividade, de pequeno produtor de fumo, cuja produção tem como destino as empresas fumageiras da região. Em razão destas circunstâncias, verifica-se situação de visível vulnerabilidade técnica e econômica da parte autora em relação à concessionária de energia, que detém todas as condições de produzir a prova necessária quanto à adequação do serviço prestado, esclarecendo os motivos da interrupção e as controvérsias sobre o ocorrido.

Trata-se da chamada “Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada” que admite, em determinadas hipóteses, que o conceito de consumidor final seja mitigado quando evidenciada alguma vulnerabilidade daquele que compra/contrata - ainda que se trate de uma pessoa jurídica -, frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Nesse sentido, o entendimento desta 9ª Câmara Cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEQUENO PRODUTOR DE FUMO. APLICABILIDADE DO CDC. VULNERABILIDADE VERIFICADA, NO CASO. Em nosso ordenamento, e assim o STJ já se manifestou, consagrou-se a denominada "Teoria Finalista", que assim define o consumidor: "destinatário fático e econômico do bem ou serviço". É verdade que a teoria finalista admite flexibilização, nos termos de jurisprudência reiterada, com base na vulnerabilidade concreta daquele que consome. Trata-se da "Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada". Caso em que a parte autora é pequena produtora de fumo, atividade desempenhada com a energia elétrica que alimenta, também, a propriedade rural na qual reside com sua família. Constatação de vulnerabilidade técnica para esclarecer as controvérsias relacionadas à interrupção do fornecimento de energia elétrica, sobretudo os motivos da interrupção, já que a defesa se sustenta em alegação de ausência de culpa pelo ocorrido. Reconhecimento de que a relação mantida entre as partes, no que concerne ao objeto litigioso, é regida pelo CDC, o que confere ao autor o direito à inversão do ônus da prova, que, no entanto, não recai sobre a prova mínima dos fatos constitutivos do direito alegado - os quais, de qualquer maneira, cabe ao demandante produzir. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70073096695, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 28/06/2017)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO. SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEQUENO PRODUTOR RURAL. RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA. APLICABILIDADE DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. Aplicabilidade do CDC ao pequeno produtor rural que, ainda que não destinatário final do produto ou serviço, encontra-se em situação de hipossuficiência e vulnerabilidade frente ao fornecedor. Mitigação da teoria finalista. Precedentes do STJ e deste Tribunal. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70072929961, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 19/04/2017)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. POSSIBILIDADE. Situação dos autos na qual é evidente a relação de consumo, sendo autorizada a inversão do ônus probatório. Aplicação da Teoria Finalista acolhida no ordenamento. Presente a hipossuficiência e vulnerabilidade técnica do consumidor, imperativo a inversão do ônus da prova. Precedentes jurisprudenciais desta Corte e do STJ. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70072041486, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 22/02/2017)

No STJ, há entendimento no mesmo sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. REVISÃO DO JULGADO. INVIABILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem implica, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte Superior.
2. A jurisprudência...

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