Acórdão nº 50047661720188210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50047661720188210132
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001908436
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004766-17.2018.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (RÉU)

APELADO: MARLI DE BASTOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. em face da sentença prolatada nos autos da ação de desconstituição débito com pedido de indenização por danos morais em que contende com MARLI DE BASTOS SANTOS. Constou na sentença apelada (Evento 3, PROCJUDIC4, Página 7):

III. Isso posto, forte no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por MARLI DE BASTOS SANTOS em desfavor de BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., para: (i) DECLARAR a inexistência e a nulidade dos débitos apontados junto ao Cartão de Crédito com final n°. 3299 a partir da data do furto (03.04.2018); (ii) CONDENAR a parte ré à restituição dos valores descontados indevidamente, mediante correção monetária pelo IGP-M, a contar de cada desconto, e acrescido de juros moratórios, à razão de 1% ao mês, estes a contar da data de citação (05.10.2018); (iii) CONDENAR a instituição demandada ao pagamento de R$ 10.450,00 (dez mil, quatrocentos e cinquenta reais), a título de indenização por danos morais, a ser corrigido pelo IGP-M, a contar da data da publicação da sentença, e acrescido de juros moratórios, à razão de 1% ao mês, estes a contar da citação (05.10.2018).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários ao patrono da parte autora, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, considerando o trabalho desenvolvido e o tempo de trâmite da ação, sem dilação probatória, tudo em conformidade com o disposto no art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, postula o apelante a reforma da sentença, alegando a ausência de responsabilidade civil, ao argumento de que a transação impugnada pela autor foi validada por senha pessoal e intransferível. Defende que a demandante negligenciou o cuidado com o seu plástico e a guarda de sua senha. Assevera que a narrativa autoral dá conta de que a demandante somente percebeu o suposto furto do cartão após as movimentações bancárias não reconhecidas. Destaca que a parte autora somente pleiteou o bloqueio de sua tarjeta depois de muito tempo do furto ou perda. Reitera a ausência de responsabilidade da instituição financeira. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Salienta que as transações foram efetuadas pela própria autora ou por pessoa que conhecia a sua senha privativa. Preconiza que a única culpada pelos danos objetos da lide é a própria autora. Discorre sobre a disciplina presente no art. 14, §3º, do CDC. Argumenta a inaplicabilidade da Súmula nº 479 do STJ à hipótese. Alude a ausência de comprovação dos supostos danos materiais suportados pela autora. Postula o afastamento da condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Subsidiariamente, pugna pela redução do quantum indenizatório. Requer o provimento do recurso, a fim de ser julgada improcedente a demanda.

Contrarrazões no Evento 3, PROCJUDIC4, Páginas 43/48.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte ré (Evento 3, PROCJUDIC4, Páginas 11/36) é tempestiva, pois a disponibilização da nota de expediente de intimação da sentença ocorreu em 18/09/2020 (Evento 3, PROCJUDIC4, Página 9), sendo o recurso interposto em 08/10/2020 (Evento 8, ANEXO2, Página 1). Além disso, a parte ré comprovou o recolhimento do preparo recursal, conforme guia e comprovante de pagamento juntados no Evento 3, PROCJUDIC4, Página 38. Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sergio Cavalieri Filho refere que:

“(...) Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade”1.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, assim como da administradora de cartão de crédito e do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”2.

Nesse sentido, vale reproduzir precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.197.929/PR, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 12.9.2011). 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte.

Incidente, portanto, a Súmula 83/STJ.

3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria de fato (Súmula 7/STJ).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1158721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018) – grifei.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Narra a parte autora, na inicial, que, em 03/04/2018, constatou que seus cartões de crédito não estavam em sua carteira. Salienta que, após perceber que tinha sido furtada, registrou boletim de ocorrência policial. Destaca que, ao consultar suas faturas na internet, foi surpreendida com débitos que não eram do seu conhecimento, uma vez que realizadas compras em cidade diversa da que reside. Pondera que, inobstante seu limite de crédito fosse de R$ 2.700,00, a parte ré liberou limite de mais de 4 mil reais, sem lhe encaminhar qualquer aviso. Explana ter seguido a orientação da instituição financeira e informado o ocorrido, mencionando protocolos de atendimento, assim como aludindo ter constestado as despesas. Alude ter restado claro o furto dos cartões e a sua utilização, alegando ter sido fornecida ao banco réu a filmagem de um rapaz utilizando seu plástico em um...

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