Acórdão nº 50049013320208210011 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50049013320208210011
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003218550
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004901-33.2020.8.21.0011/RS

TIPO DE AÇÃO: IPVA - Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EMBARGADO)

APELADO: CRISTIANO UILIAM ZANETTI BOHRZ (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

Vistos.

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que, nos autos da ação de embargos à execução fiscal que lhe opõe CRISTIANO UILIAM ZANETTI BOHRZ, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 36, SENT1):

Ante o exposto, com fulcro nos artigos 485, VI, e 924, III, ambos do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTES os Embargos à Execução Fiscal propostos por CRISTIANO UILIAM ZANETTI BOHRZ contra ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para RECONHECER a ilegitimidade passiva do embargante para responder pelo débito fiscal e, em consequência, determinar a EXTINÇÃO da execução fiscal nº 50009572320208210011.

O embargado é isento do pagamento de custas por força da Lei Estadual nº 14.634/2014.

Pela sucumbência, condeno o embargado ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador do embargante, os quais fixo em 20% sobre o valor atribuído à causa (art. 85, §3º e 8º, do CPC).

Com o trânsito em julgado, translade-se cópia da presente sentença ao feito executivo.

Oportunamente, baixe-se.

D.L.

Em suas razões, o Estado discorre sobre o fato de o antigo proprietário, até a data da comunicação de venda ao DETRAN, possuir responsabilidade solidária pelo pagamento do tributo, por expressa disposição de lei estadual (art. 6º, II, da Lei 8.115/85, na redação dada pela Lei 14.381/13). Aborda o princípio da causalidade, afirmando que o causador do ajuizamento da presente ação foi a própria parte embargante, que sequer realizou a comunicação de venda ao Detran. Subsidiariamente, opõe-se à condenação ao pagamento de custas, o que contraria com base nas disposições da Lei nº 14.634/2014. Argumenta sobre a necessidade de redução da verba honorária fixada. Pede provimento.

São apresentadas contrarrazões.

Vêm os autos à conclusão para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Adianto que o provimento do recurso de apelação é impositivo.

Convém o destaque inicial, no sentido de que a matéria devolvida a esta instância recursal está delimitada à questão sucumbencial, não havendo insurgência do ente público relativamente à solução de mérito encontrada nos embargos à execução fiscal de IPVA.

No caso dos autos, na linha do que bem expôs a inicial, a transferência do bem móvel gerador do imposto ocorreu da seguinte forma (evento 1, INIC1):

[...] que esclareceu ser ele o proprietário registral do veículo em questão, mas que este não estaria sob sua posse, eis que o teria deixado em uma revenda de veículos na data de 27/01/2011, ou seja, antes da data das certidões que deram origem a presente Execução, mas atualmente estava em posse do banco Sicredi, haja vista a existência de Ação de Mandado de Busca e Apreensão ajuizada sob o n.º 011/1.14.0000311-0 em face a um comprador que teria adquirido o veículo da revenda e não promovido a transferência [...] (grifos meus).

Disso se extrai que o autor alega ter transferido a propriedade do bem ainda em 2011, sem ter formalizado o negócio junto ao Detran, tampouco realizado comunicação de venda, ao passo que aponta na peça inaugural ter tomado conhecimento do lançamento de IPVA relativo aos exercícios de 2015 a 2019, negando ter a propriedade do bem gerador do tributo.

Pois bem.

Consoante lição do jurista Hugo de Brito Machado1, o fato gerador do IPVA é a propriedade do veículo automotor acompanhada do direito ao uso regular, ocorrendo anualmente:

O fato gerador do IPVA é a propriedade do veículo automotor. Não é a sujeição ao poder de polícia, como acontecia com a taxa rodoviária única, por ele substituída. Mas a propriedade, sem o direito de uso do veículo na finalidade para a qual é produzido, não consubstancia o fato gerador do imposto. A não ser assim as fábricas, e as empresas revendedoras, seriam obrigadas a pagar o imposto na condição de proprietárias de veículos automotores.

(...)

O fato gerador é anual. Considera-se ocorrido na data da aquisição, ou da incorporação, como já explicamos. Daí em diante, ocorre em 1º de janeiro de cada ano. E como o direito ao uso regular do veículo integra o fato gerador do imposto, se em 1º de janeiro o proprietário do veículo encontra-se privado desse direito, o fato gerador do imposto não se configura.

(...)

A par disso, cumpre destacar que a posição deste órgão fracionário frente a casos análogos era no sentido de que, tratando-se de bem móvel, a transferência da propriedade operava-se pela tradição, a teor do que estabelece o art. 1.267 do Código Civil2, de modo que estaria perfectibilizada ainda que não tivesse havido a comunicação da venda, nos termos do artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro3 .

Nessa linha, aliás, consignava-se que o descumprimento da obrigação de comunicar ao órgão de trânsito, em 30 dias, a transferência do veículo sob pena de responsabilidade solidária, somente se aplicaria às infrações de trânsito e não a todo e qualquer tipo de dívida sobre o veículo.

Assim, mediante prova de que, à data do fato gerador, a pessoa que constava como proprietário registral já efetuara a venda do veículo, afigurava-se possível o afastamento da presunção de propriedade e, consequentemente, da responsabilidade pelo pagamento do tributo, ainda que não tivesse realizado a respectiva transferência da titularidade junto ao DETRAN, havendo repercussão, tão somente, quanto à distribuição sucumbencial sob o prisma da causalidade4.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DEMONSTRADA. O art. 2º da Lei Estadual 8.115/851, responsável por instituir o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores no Estado do Rio Grande do Sul, estabelece que fato gerador do tributo é a propriedade de veículo automotor. Sujeito passivo da relação tributária, portanto, é o efetivo proprietário do bem. Em se tratando de bem móvel, configura-se a propriedade pelo exercício da posse, com animus domini. A transferência da propriedade dá-se pela simples tradição, a teor do que estabelece o art. 1.267 do Código Civil2. Tal presunção é relativa, em especial porque, diferentemente do que ocorre com os imóveis, a propriedade dos bens móveis não depende de ato registral. Guarda estreita relação, isto sim, com o estado de fato das coisas. Mediante prova de que, à data do fato gerador, a pessoa que consta como proprietário registral do veículo não mais exercia qualquer poder de disposição sobre o bem, é possível, pois, o afastamento da presunção de propriedade e, consequentemente, da responsabilidade pelo pagamento do tributo. Na hipótese, para afastar a responsabilidade tributária, o apelante comprovou que não detém a posse do veículo desde 01/03/2013, uma vez que o vendeu para Leandro Edmundo Barski, que posteriormente vendeu o veículo para Adroaldo Rodrigues da Silva, que o alienou fiduciariamente ao Banco A.J.Renner S/A, tendo sido incluído o gravame sobre o bem. Inclusive, na Ação de Obrigação de Fazer nº 016/1.18.0000061-6 ajuizada pelo apelante, que tramitou na 3ª Vara Cível da Comarca de Ijuí, restou reconhecida a transferência do automóvel objeto do IPVA em execução. Sentença reformada para declarar a extinção da execução fiscal nº 016/1.19.0000047-2 por ilegitimidade passiva. Tendo em vista a ausência de comunicação da venda do veículo ao órgão de trânsito, obrigação que era do apelante, vai mantida a sucumbência fixada na origem, em face do Princípio da Causalidade. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50009536820208210016, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 30-07-2021) (grifos meus).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. VEÍCULO ALIENADO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. A ausência de comunicação de venda junto ao Detran, por si só, não torna o antigo proprietário responsável pelo pagamento do tributo. Segundo já restou pacificado nesta Corte, por se tratar de bem móvel, a propriedade de veículo automotor transfere-se pela tradição, nos termos do artigo 1.267 Código Civil. Precedentes jurisprudenciais. Incidência da Súmula 585 do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50094478220218217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em: 26-05-2021) (grifos meus).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ALIENAÇÃO DOS VEÍCULOS. PRESCINDÍVEL A COMUNICAÇÃO AO DETRAN. ILEGITIMIDADE DO ALIENANTE. HONORÁRIOS. CAUSALIDADE. 1. Desnecessária, no presente caso, dilação probatória, porquanto devidamente instruída a exceção de pré-executividade com os documentos comprobatórios da ilegitimidade passiva ad causam da excipiente. 2. O IPVA tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor, segundo se depreende dos arts. 2° e 5° da Lei Estadual nº 8.115/1985. No caso concreto, a excipiente logrou êxito em comprovar que os veículos de placas CLC9443 e ITB2739, objetos das CDAs nº 17/56660 e 17/56661, referentes aos exercícios de 2011/2012 e 2016, foram alienados antes do ajuizamento da execução fiscal. A tradição do bem transfere a propriedade, consoante dispõe o Código Civil nos seus arts. 1.267 e 1.268. Não se pode imputar à transmitente a cobrança das exações, pois não mais figura como proprietária dos veículos, que, por sua vez,...

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