Acórdão nº 50049194320238210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50049194320238210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003656542
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5004919-43.2023.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora JANE MARIA KOHLER VIDAL

RECORRENTE: MARCOS ANTONIO DA SILVA (RECORRENTE)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RECORRIDO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por MARCOS ANTONIO DA SILVA, contra decisão de pronúncia efetuada na origem, tendo submetido o recorrente ao julgamento pelo Tribunal do Júri como incurso nas sanções do artigo 121, §2°, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, com a incidência do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.072/1990.

Adoto o relatório lançado na decisão de pronúncia (evento 67, SENT1):

O Ministério Público ofereceu denúncia contra MARCOS ANTÔNIO DA SILVA, de alcunha "Marquinhos", brasileiro, RG n.° 2087504524, nascido em 06/01/1985, com 29 anos à data do fato, natural de Erechim/RS, filho de Valdomiro da Silva e Eva Salete dos Santos da Silva, residente na Linha Três São Roque, n.° 850, Ponte Preta/RS, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, §2°, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, com a incidência do artigo 1°, inciso I, da Lei 8.072/90, em razão de:

"No dia 09 de agosto de 2014, por volta das 14h30min, na Rua Heitor Pereira Almeida, próximo ao n.º 86, bairro Linho, Erechim/RS, o denunciado MARCOS ANTÔNIO DA SILVA, juntamente com outros indivíduos não identificados pela autoridade policial, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, fazendo uso de uma arma de fogo (não apreendida), desferindo disparos, deu início ao ato de matar a vítima PAULO CÉSAR TELLES, causando-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 63 e 99, não consumando o fato por circunstâncias alheias a sua vontade, uma vez que a vítima foi encaminhada a pronto e eficaz atendimento médico.

Na ocasião, o denunciado MARCOS ANTONIO DA SILVA surpreendeu a vítima em seu local de trabalho e passou a efetuar disparos de arma de fogo em sua direção. O denimciado continuou a efetuar disparos mesmo após a vítima ter caído no chão.

O crime foi cometido por motivo torpe, qual seja, vingança, em razão de a vítima estar respondendo a processo de homicídio do irmão (013/2.12.0008625-9) e do genitor (013/2.14.0000502-3) do denunciado.

O crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, uma vez que o denunciado surpreendeu a vítima quando passou a efetuar os disparos, tendo-a atingido pelas costas, bem como quando a vítima se encontrava caída no chão.

O denunciado é reincidente, conforme certidão de fls. 88/90.”

Recebida a denúncia em 24/02/2016 (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 36).

Citado pessoalmente (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 04/06), o acusado apresentou resposta à acusação (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 01/03).

Determinou-se o prosseguimento do feito, com designação de audiência de instrução (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 09).

Aditada a denúncia para retificação da data do fato, fazendo constar a data de 09/07/2014 (evento3, PROJUDIC6, fls. 04/06).

Recebido o aditamento da denúncia (evento3, PROJUDIC6, fl. 07).

O denunciado foi citado novamente e apresentou resposta à acusação (evento3, PROJUDIC6, fls. 09/14).

Durante a instrução processual, foram inquiridas dezesseis testemunhas e interrogado o acusado. Encerrada a instrução, concedeu-se prazo às partes para apresentação de memoriais (evento 3, PROCJUDIC5 fls. 46/49, evento 3, PROCJUDIC7 fls. 10/13 e evento 3, PROCJUDIC8 fls. 09/12, evento 56, TERMOAUD1).

Antecedentes criminais atualizados (evento 57, CERTANTCRIM1).

Em memoriais, o Ministério Público postulou a pronúncia do acusado nos termos da denúncia (evento 61, MEMORIAIS1).

A defesa do acusado, por sua vez, requereu a impronúncia pela ausência de indícios suficientes de autoria, nos termos do artigo 414 do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, em caso de pronúncia, o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima (evento 65, MEMORIAIS1).

Sobreveio decisão de pronúncia, para o fim de submeter o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, §2°, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, com a incidência do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.072/1990.

Inconformado, o acusado interpôs recurso em sentido estrito. Em suas razões (evento 83, RAZRECUR1), sustentou não haver indícios suficientes acerca da autoria delitiva. Ponderou que há contrariedade e incongruência nos testemunhos colhidos, verificando-se, desta forma, a insuficiência de indícios de autoria, devendo o recorrente ser despronunciado, até porque não se ouviu nenhuma testemunha presencial. Teceu considerações acerca da prova oral produzida e do interrogatório do acusado. Afirmou que há prova segura da materialidade. Contudo, não há sequer indícios de autoria. Subsidiariamente, postoulou o afastamento da qualificadora do motivo torpe, capitulação dada por mera suposição de que o réu agiria por vingança. quando, em verdade, sequer estava no local no dia dos fatos. Quanto à qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, também merece ser afastada, porque a prova indica que, da desavença ocorrida entre Gleison e Paulo, este ameaçou aquele, dando a entender que buscaria uma arma em seu veículo, momento em que foi atingido pelas costas, mas não por Marcos, sim por Gleison, de modo que não houve o fator surpresa. Ao final, requereu o provimento do recurso, ao efeito de despronunciar o réu; subsidiariamente, em caso de manutenção da pronúncia, afastar as qualificadoras.

Foram juntadas contrarrazões (evento 86, CONTRAZ1).

Em juízo de retratação, a decisão de pronúncia foi mantida (evento 88, DESPADEC1).

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público apresentou parecer opinando pelo desprovimento do recurso (evento 7, PROMOÇÃO1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Pretende a defesa, em síntese, a despronúncia do acusado; subsidiariamente, pugnou o afastamento das qualificadoras.

A inconformidade não prospera.

Inicialmente, destaco que, no procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a fase do sumário da culpa funciona como juízo de prelibação. A cognição restringe-se à verificação da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Oportuno transcrever o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória.

§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.

Segundo dispõe o art. 5°, inciso XXXVIII, alínea 'd', da Constituição Federal, é reconhecida a competência do conselho de sentença para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Por essa razão, na decisão de pronúncia, não cabe fundamentação que evidencie juízo de convencimento acerca da autoria, sob pena de excesso de linguagem. Dessa forma, dá-se a valoração racional da prova em instrução preliminar.

Além disso, por se tratar de mera admissibilidade da ação penal para encaminhamento ao juízo natural, constitucionalmente previsto, não há falar em quebra da presunção de inocência ou inconstitucionalidade do princípio do in dubio pro societate, pois não se está fazendo juízo de mérito, apenas de procedibilidade. Nesse passo, quando houver dúvida acerca da autoria, calcada em elementos que indiquem a mera possibilidade, o caso deve ser submetido ao Conselho de Sentença, quando toda a prova pode ser repetida e será analisada com profundidade.

Nesse contexto, o standard probatório para o juízo de pronúncia deve se pautar na preponderância das provas produzidas em contraditório judicial, não podendo se valer, exclusivamente, de elementos de informação colhidos na fase de investigação.

A título ilustrativo, destaco a ementa do Recurso Extraordinário n° 1067392/CE, proferido pelo Supremo Tribunal Federal:

Penal e Processual Penal. 2. Júri. 3. Pronúncia e standard probatório: a decisão de pronúncia requer uma preponderância de provas, produzidas em juízo, que sustentem a tese acusatória, nos termos do art. 414, CPP. 4. Inadmissibilidade in dubio pro societate: além de não possuir amparo normativo, tal preceito ocasiona equívocos e desfoca o critério sobre o standard probatório necessário para a pronúncia. 5. Valoração racional da prova: embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, pois a valoração racional da prova é imposta pelo direito à prova (art. 5º, LV, CF) e pelo dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). 6. Critérios de valoração utilizados no caso concreto: em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relato obtido...

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