Acórdão nº 50049240620218210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50049240620218210023
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001800737
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5004924-06.2021.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto Qualificado (Art. 155, § 4º)

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALES

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público interpõe recurso em sentido estrito, face à decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Grande, nos autos da ação penal n.º 5000603-25.2021.8.21.0023/RS, que rejeitou a denúncia oferecida contra ANDRÉ SILVEIRA DA COSTA, sob o fundamento da falta de condição para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II, CPP).

Sustenta existir condição para o exercício da ação penal, não tendo o órgão ministerial proposto o acordo de não persecução penal, com base no art. 28-A e § 2º, inciso II, do CPP, ante a conduta delituosa reiterada do recorrido, que responde a ação penal pela prática do crime de furto de semoventes ocorrido no mesmo local, e, ante a inexistência de confissão, conforte dispõe o caput do art. 28-A.

Alude ser ilegal exigir-se do Ministério Público a realização de uma audiência extrajudicial pra propor um acordo ao indiciado, quando não estão satisfeitos os requisitos legais. Ainda, o ANPP não é um direito subjetivo do indiciado.

Aduz estar o Magistrado de piso avocando para si status de instância recursal do qual não está investido, uma vez que o § 14 do art. 28-A, do CPP, dispõe ser do Procurador-Geral de Justiça a legitimidade para deliberar, analisar ou mesmo sindicar o proceder do Promotor de Justiça, no caso de recusa em propor o ANPP.

Refere estar devidamente fundamentada a recusa da oferta do ANPP apresentada pelo Ministério Público, e eventual reexame da situação deve ser provocado no âmbito da própria instituição a pedido do indiciado, e não do Magistrado.

Requer o provimento do recurso, com a reforma da decisão recorrida, a fim de receber a denúncia, determinando o prosseguimento da ação penal. Prequestiona os artigos 28-A e 395, inciso II, do CPP.

O denunciado apresentou contrarrazões.

Nesta Segunda Instância, o Ministério Público ofertou parecer pelo provimento do recurso.

Vieram-me os autos em regime de substituição.

VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, face à decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Grande, nos autos da ação penal n.º 5000603-25.2021.8.21.0023/RS, que rejeitou a denúncia oferecida contra ANDRÉ SILVEIRA DA COSTA, sob o fundamento da falta de condição para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II, CPP).

Inicialmente, verifica-se que o recorrido ANDRÉ foi denunciado como incurso nas sanções do art. 155, §§ 1.º, 4°, inciso IV, e 6.º, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

[...]

No dia 22 de agosto de 2020, por volta das 22h30min, na Rua Via Nove, n.º 140, bairro Distrito Industrial, nesta Cidade, o denunciado, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com outros dois indivíduos não identificados, com intuito de lucro fácil, tentaram subtrair para si, 01 (um) animal bovino, avaliado em R$ 2.000,00 (dois mil reais), conforme auto de avaliação de fls., bem de propriedade da vítima João Carlos da Costa, não consumando o crime por circunstâncias alheias a sua vontade.

Na ocasião, a vítima, João Carlos da Costa estava no interior de sua residência quando escutou seus cachorros latindo demasiadamente, razão pela qual decidiu averiguar pela janela e, assim, identificou que havia três indivíduos no pátio de sua propriedade.

Posteriormente, seu filho mais novo, João Pedro fora até as mangueiras para impedir a situação e se deparou com o seu irmão mais velho, o denunciado, e mais dois sujeitos não identificados, os quais já haviam inclusive amarrado uma corda no pescoço do animal, com o fim de subtraí-lo, momento em que um deles fugiu.

Ato contínuo, a vítima acionou os agentes públicos, e com a chegada da guarnição, os outros dois sujeitos também realizaram fuga do local.

Sobreveio a decisão recorrida, rejeitando a denúncia, a qual transcrevo (evento 3, dos autos n.º 5000603-25.2021.8.21.0023):

Vistos.

Atribui-se ao acusado a prática do delito de tentativa de furto, em concurso de pessoas, de uma vaca de seu pai (viu um deles com uma corda no pescoço de uma das vacas).

O fato data do ano de 2018 e a vítima sequer experimentou prejuízo.

A singeleza e pouca gravidade do caso dos autos é patente.

Não fosse a idade do genitor, superior a 60 anos, o acusado sequer seria apenado pelo fato (artigo 181 do Código Penal).

Justamente para tais hipóteses, de manifesta simplicidade, desponta o Acordo de Não Persecução Penal como medida ideal para acusação, acusado, Judiciário e para a própria sociedade.

O MP gaúcho, no entanto, segue reticente e tímido na entabulação de acordos.

Na situação em exame, deixou de apresentar o ANPP pois o indiciado responde a ação penal pela prática do crime de furto de semoventes ocorrido no mesmo local, a demonstrar que pratica conduta criminosa reiterada e, ainda, não confessou formalmente a prática do delito.

É certo que a proposta de Acordo de Não Persecução Penal é faculdade do MP, a ser desempenhada de modo fundamentado.

Todavia, pode (e deve) ser sindicada pelo Juízo.

Não está autorizado o órgão ministerial, por exemplo, a deixar de ofertar o benefício em razão de exigência não prevista em lei, o que reclama a atuação judicial.

E é o que parece ocorrer na hipótese.

Primeiramente, impossível dizer-se que o indiciado não confessou formalmente a prática do delito.

O ANPP tem natureza eminentemente negocial, numa perspectiva de justiça de consenso, de modo que exige conversas, tratativas e diálogo.

Desponta manifestamente contraditório exigir-se que o investigado confesse sem, antes, saber eventuais condições que lhe serão impostas em contrapartida.

Consequentemente, não pode o MP deixar de oferecer o benefício ao acusado antes mesmo de contatá-lo, apenas e tão somente porque, perante a autoridade policial, não confessou.

Ademais, conforme previsão inequívoca do artigo 28-A, §2º, inciso II, CPP, não faz jus ao ANPP o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.

Logo, assim como para a decretação da prisão preventiva pela prática de crime doloso com pena cominada não superior a 4 anos exige-se a reincidência (ou o descumprimento de medida cautelar antes imposta), também para a ANPP o simples fato de o investigado responder a outros processos, que não indiquem conduta criminal habitual, não inviabiliza sua oferta.

No caso dos autos, o acusado responde a uma única ação penal, por fato possivelmente cometido em novembro/2017 (há mais de três anos).

Não há como, por isso, reputar-se conduta criminal habitual, reiterada ou profissional.

Com o...

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