Acórdão nº 50049323420178210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50049323420178210019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002046371
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004932-34.2017.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: FATIMA LUCIA DE OLIVEIRA SCHAFFER (AUTOR)

APELADO: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

FATIMA LUCIA DE OLIVEIRA SCHAFFER ajuizou ação de cobrança c/c pedido de indenização por danos morais em desfavor de MAPFRE VERA CRUZ SEGURADORA S.A. Disse que no dia 14/03/2015, por volta das 02h08min, envolveu-se em acidente de trânsito na rodovia ERS 239, Km 17, sentido Estância Velha/Campo Bom, que resultou em danos materiais de grande monta no veículo de sua propriedade, bem como em lesões corporais leves. Em decorrência do acidente narrou que o automóvel ficou inutilizável e em razão de possuir seguro para garantir eventos desta natureza, acreditou estar amparada, porém para sua surpresa, houve a negativa de cobertura, sob a alegação de perda de direitos do segurado, uma vez que a autora estava com a CHN cassada/suspensa. Referiu que não tinha conhecimento da suspensão, por conta de não ter sido notificada pessoalmente. Dissertou sobre a ilegalidade da perda dos direitos em razão da suspensão da CNH. Disse que a apólice previa o pagamento de 105% do valor da FIPE, o que soma o valor de R$ 84.713,35 (...), já descontado o valor da venda. Apontou que em razão da negativa da cobertura sofreu danos morais, pois se viu privada do uso do carro, tendo que adquirir um novo sem recursos para tanto. Pediu a condenação da ré ao pagamento do valor já referido, além de uma indenização por danos morais e a declaração da responsabilidade da mesma sobre eventual condenação nos autos do Processo nº 019/1.15.0011253-1.

Sobreveio sentença que improcedente os pedidos, condenando a parte autora ao pagamento das custas judiciais, bem como dos honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor da causa, em atenção aos parâmetros indicados no art. 85, §2º, do atual Código de Processo Civil (evento 4, doc.5).

Irresignada, a parte autora apresentou recurso de apelação, em suas razões defendeu que não houve agravamento do risco em face da suspensão da CNH. Disse que o contrato de seguro em questão está submetido ao Código de Defesa do Consumidor. Referiu que somente há perda do seguro quando houver agravamento intencional do risco. Colacionou julgados acerca do tema. Mencionou ser ônus da requerida a demonstração de que a suspensão da CNH agravou o risco. Por fim, pugnou pelo provimento do recurso (evento 4, doc.5).

Foram apresentadas contrarrazões no evento 20.

Os autos vieram-me conclusos em 06/04/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se consoante sumário relatório, de ação de cobrança de seguro de veículo, a qual foi administrativamente negado pelo fato da condutora/segurada estar com a CNH suspensa, julgada improcedente na origem.

Inicialmente destaca-se que, nos termos do disposto no art. 757, caput, do CCB, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Desta forma, os riscos assumidos pelo segurador são exclusivamente os assinalados na apólice, dentro dos limites por ela fixados, não se admitindo a interpretação extensiva, nem analógica.

Ademais, é de ser ressaltado que o contrato de seguro não dispensa a boa-fé entre as partes contratantes, como estatuído nos artigos 422 e 765 do Código Civil sic:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

O Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 51 e incisos, inquina de nulas as cláusulas abusivamente redigidas, especificamente o inciso IV e XI, in verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;(...)

Com efeito o artigo 765 do CCB, ao regular o pacto de seguro, exige que a conduta dos contratantes, tanto na celebração quanto na execução do contrato, seja pautada pela boa-fé. Reforçando essa ideia, o artigo 766 dispõe que se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

No caso em tela, não obstante o fato de o veículo sinistrado estar sendo conduzido por pessoa com CNH suspensa, situação incontroversa, tal, por si só, não configura agravamento do risco e, por conseguinte, não justifica a recusa de cobertura.

Ademais, da análise do conjunto probatório verifica-se que a seguradora demandada não logrou demonstrar que o fato de estar suspensa a habilitação contribuiu para a ocorrência do evento danoso.

Nesse sentido seguem julgados exaradaos pelo egrégio STJ, a respeito de casos análogos in verbis:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONCLUSÃO ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL EXCLUINDO A COBERTURA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5, 7 E 83/STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. Tendo o Tribunal de origem concluído que no contrato firmado não há cláusula que exclua a indenização em acidente sofrido por segurado sem a devida habilitação para dirigir, bem como que este fato não contribuiu para a ocorrência do infortúnio, a inversão do julgado encontra óbice nos enunciados n. 5 e 7 da Súmula desta Casa.

Ademais, é compreensão do Superior Tribunal de Justiça que a ausência de habilitação para dirigir não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. Incidência do enunciado n. 83 da Súmula desta Corte.

2. Agravo interno improvido. AgInt no AREsp 990103 / MT, AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, 2016/0253150-4, Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150), Terceira Turma, data do Julgamento 02/02/2017, Dje 09/02/2017.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO. CULPA GRAVE DESQUALIFICADA PELOS FATOS APONTADOS NO ARESTO. AUSÊNCIA DE DOLO OU CULPA GRAVE. COBERTURA DEVIDA. ALEGAÇÃO DE AUMENTO DO RISCO POR CONDUÇÃO DO VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO. FATO NÃO RECONHECIDO NA ORIGEM. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. AgRg no Ag 1368773 / SP
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2010/0202755-1, Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, data do Julgamento 06/03/2012, data da Publicação, DJe 15/03/2012.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA EM CASO DE MORTE DE SEGURADO CAUSADA POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA SEGURADORA.

1. Perda do direito à garantia do segurado em caso de agravamento intencional do risco objeto do contrato de seguro (artigo 768 do Código Civil). 1.1. A exoneração do dever da seguradora de pagamento da indenização do seguro de vida somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro. Precedentes. 1.2. Nesse contexto, sobressai a jurisprudência das Turmas de Direito Privado no sentido de que a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo (infração administrativa tipificada no artigo 162 do Código Brasileiro de Trânsito) não configura, por si só, o agravamento intencional do risco do contrato de seguro de vida, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. 1.3. Hipótese em que o Tribunal de origem, mantendo a sentença de procedência, considerou devida a indenização securitária, sob o fundamento de não ter sido demonstrado, pela seguradora, que a ausência da habilitação do segurado contribuíra, decisivamente, para a ocorrência do sinistro.

Consonância entre o acórdão estadual e a jurisprudência desta Corte.

Incidência da Súmula 83/STJ.

2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1483349/MA, Relator o Ministro MARCO BUZZI, DJe de 02/12/2014)

SEGURO DE VIDA. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. SEGURADO NÃO HABILITADO PARA CONDUZIR MOTOCICLETA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO.

1. A falta de habilitação para dirigir motocicleta constitui mera infração administrativa que não configura, por si só, o agravamento intencional

do risco por parte do segurado apto a afastar a obrigação de indenização da seguradora.

2. Recurso especial provido. (REsp 1230754/PI, Relatora a Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe de 04/02/2013)

Nesse sentido seguem julgados deste egrégio TJ/RS in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VEÍCULO. MOTORISTA COM HABILITAÇÃO VENCIDA. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO DEMONSTRADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. PREJUÍZO VERIFICADO. RESSARCIMENTO DOS DANOS DO TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PROVA. DESCABIMENTO. 1. Em se tratando de contrato de seguro, a seguradora só poderá se exonerar de sua obrigação se ficar comprovado o dolo ou a má-fé do segurado, agravamento ou exclusão do risco. 2. A falta de habilitação do condutor do veículo segurado, ou o fato de estar vencida aquela, constituiu mera infração...

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