Acórdão nº 50049614920208210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50049614920208210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001714471
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004961-49.2020.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: JOAO ANTONIO DUTRA PERES (AUTOR)

APELADO: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOAO ANTONIO DUTRA PERES da sentença prolatada nos autos da ação tombada sob o nº 5051306-60.2020.8.21.0001, ajuizada em desfavor de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, cujo dispositivo enuncia (Evento 20):

ANTE O EXPOSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do NCPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por João Antonio Dutra Peres em face da Crefisa S.A. Crédito, Financiamento e Investimentos.

Sucumbente, deverá a parte autora arcar com as custas processuais e com os honorários ao procurador da parte ré, os quais fixo em R$ 1.100,00, com fundamento no que estabelece o artigo 85, § 8º, do NCPC, levando em consideração a natureza da causa e o trabalho desenvolvido. Suspensa, porém, a exigibilidade, em razão de a autora ser beneficiária da gratuidade judiciária (evento 13).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sobrevindo recurso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, por fim, remeta-se ao TJRS, independentemente de nova conclusão.

Oportunamente, arquive-se e dê-se baixa.

Em suas razões (Evento 56), o autor sustenta que, embasado nos requisitos dos arts. 381 e 382 do Código de Processo Civil, postulou a produção antecipada de provas, para que a parte requerida fosse instada a depositar no cartório judicial da Vara o contrato relativo ao comprovante do desconto de R$ 120,00, juntado pela Crefisa no processo n. 5000492-57.2020.8.21.0029 que tramita na 3ª Vara Cível da Comarca de Santo Ângelo. Menciona que o objeto da ação, como frisado na petição inicial e demais petições, se trata de procedimento preliminar de produção de prova antecipada e não ação de exibição de documentos. Pontua que o feito não seguiu o rito correto, devendo ser desconstituída a sentença, em razão desta nulidade. Alega ainda, que a sentença é totalmente dissociada da causa de pedir e do pedido, incorrendo em nulidade absoluta, uma vez que extra petita. Alternativamente, pugna pelo julgamento de procedencia da ação.

Intimada, a recorrida apresentou contrarrazões, arguindo a falta de interesse processual da autora (Evento 61).

Os autos foram remetidos a este Tribunal e, após intimação das partes "Nos termos dos artigos e 10, ambos do CPC, [...] para que digam sobre a falta de interesse de agir pela inadequação da via eleita (e a decorrente possibilidade de extinção do feito, forte no art. 485, VI, do CPC)", retornaram conclusos para julgamento.

Em razão da adoção do sistema informatizado, os procedimentos ditados pelos artigos 931 e 934, ambos do CPC, foram simplificados, sendo, no entanto, observados em sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, porque prejudicial ao exame das demais questões vertidas nos autos, examino o interesse processual para a propositura da demanda.

O interesse de agir é constituído pelo binômio necessidade-adequação. Sobre o tema, discorre em sede doutrinária Marcos Vinícius Rios Gonçalves (in Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 92):

(...) A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Poder Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda à desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação refere-se à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. Por exemplo, o portador de título executivo não tem interesse em um processo de conhecimento. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução do mérito. (...)

Cuidando-se de ação de produção antecipada de provas, o art. 381 do CPC, estabelece as hipóteses em que se admitida:

Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

No caso concreto, não obstante o nome atribuído pelo demandante à ação, qual seja, “ação de produção antecipada de provas”, é flagrante que sua real pretensão era de ajuizar a antiga “ação cautelar de exibição de documentos”, hoje englobada pelo procedimento “da tutela cautelar requerida em caráter antecedente”, previsto no art. 305 e seguintes do CPC, c/c o art. 396 e seguintes, também do CPC, que versam sobre a exibição de documentos como meio de prova.

Isso porque, em nosso ordenamento jurídico, o que define a natureza da ação não é o nomen iuris a ela atribuído, mas sim a pretensão pela parte deduzida. Nessa senda, traz-se à baila julgados desta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO E A CORRELAÇÃO COM A CAUSA DE PEDIR. 1. Conforme a jurisprudência do STJ, a natureza jurídica da ação é definida por meio do pedido e da causa de pedir, não tendo relevância o “nomen iuris” dado pela parte autor. 2. Assim, não obstante a parte autora tenha nominado a sua ação de pedido cautelar antecedente para produção de provas, requerendo a tramitação do feito nos termos dos artigos 305 e seguintes do CPC, a verdade é que a causa de pedir, bem como o pedido vertido são próprios da produção antecipada de provas, atual procedimento da ação cautelar de exibição de documentos. 3. E, neste contexto, deverá ser analisada a demanda, verificando-se se a parte autora comprovou a realização de prévio e idôneo requerimento administrativo e pagamento do custo do serviço ou sua dispensa, a fim de demonstrar o interesse de agir, diante da existência de pretensão resistida. 4. Dessa forma, como a decisão recorrida indeferiu o pedido determinando a emenda da inicial, para que a parte formule a pretensão principal (revisional), deve ser reformada apenas para que observe os termos acima expostos, fazendo-se com que o feito tramite como ação cautelar de exibição de documentos. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50600055820218217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 14-12-2021)

AGRAVO INTERNO (ART. 557, § 1º, DO CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ROTULADA COMO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INICIAL RECEBIDA COMO AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CABIMENTO. CPC, ART. 844, INC. II. CARÁTER SATISFATIVO. DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO DA LIDE PRINCIPAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 806 DO CPC. IRRELEVÂNCIA DO "NOMEM JURIS" ATRIBUÍDO À AÇÃO NA PEÇA INAUGURAL. Contendo a petição inicial pedido de exibição de informações pessoais da parte autora veiculadas no sistema de pontuação instituído em banco de dados mantido pela demandada e o fornecimento do respectivo escore ou pontuação, correto o processamento do feito como ação cautelar de exibição de documentos, de cunho satisfativo. Não é necessário a indicação ou menção da lide principal quando a ação cautelar tem natureza satisfativa. Inaplicabilidade da regra do art. 806 do CPC ao caso concreto. Entendimento consolidado na jurisprudência do egrégio STJ admitindo a fungibilidade entre a cautelar satisfativa e a antecipação de tutela. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70057971822, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 26/02/2014)

Assim, com segurança, conclui-se que não se está diante de ação de produção antecipada da prova.

Do entendimento de que a ausência de interesse processual por inexistência de comprovação do pedido extrajudicial à compreensão de que o interesse do autor estaria configurado, ainda que ausente a juntada do comprovante de realização do pedido administrativo, houve muita discussão a respeito entre os operadores do Direito.

Em 2014, porém, o STJ colocou uma pá de cal nessa discussão, ao apreciar o Resp nº 1.349.453/MS, processado e julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese:

A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.

2. No caso concreto, recurso especial provido. (REsp 1349453/MS - RECURSO ESPECIAL 2012/0218955-5, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014)

No que tange aos motivos que conduziram à substancial alteração de posicionamento em tela, é esclarecedor o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti. Dele permito-me reproduzir elucidativa passagem, assim vazada:

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