Acórdão nº 50049903420218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50049903420218210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002538361
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004990-34.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora CLAUDIA MARIA HARDT

APELANTE: JOAO JOEL POGORZELSKI (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por JOAO JOEL POGORZELSKI e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, em face da sentença de parcial procedência da ação indenizatória ajuizada em face da concessionária de energia elétrica.

A fim de contextualizar a inconformidade recursal, reproduzo o relatório da sentença proferida pelo eminente Dr. Luis Otavio Braga Schuch (1ª Vara Cível da Comarca de Camaquã) - evento 41, SENT1:

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica e despacho saneador.

A ré requereu a juntada por parte do autor das notas fiscais referentes à venda do tabaco.

O autor informou que a venda ocorreu para atravessadores (picaretas), que não fornecem notas fiscais.

RELATEI. DECIDO.

O dispositivo sentencial está assim redigido:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 6.510,40 (seis mil, quinhentos e dez reais e quarenta centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Publique-se; registre-se; intime-se.

Esclareço que em atendimento ao disposto nos Artigos 523 e 525 do Código de Processo Civil, bem como no que regulado no Ofício Circular 77/2019 que traz disposições sobre a implementação do processo eletrônico via EPROC, havendo interesse do Credor na execução da condenação (Cumprimento de Sentença), deverá ajuizar nova demanda no EPROC para tanto, onde então será o Devedor intimado para cumprimento voluntário, sob pena da incidência de multa e honorários, ou, impugnar a pretensão. A presente demanda, com o trânsito em julgado, terá sua prestação jurisdicional encerrada, razão pela qual poderá ser arquivada.

Inconformadas, as partes apelaram.

Em suas razões, a concessionária sustenta a existência de força maior, causa excludente de responsabilidade, que restou caracterizada pela ocorrência de eventos climáticos catastróficos que atingiram 454655 unidades consumidoras. Colaciona gráficos que ilustram as condições climáticas do Estado no dia 11/01/2021. Afirma que não foram acostados documentos que comprovem os danos experimentados, e que o laudo acostado não pode ensejar o deferimento do pleito, uma vez que representa prova unilateral. Alega que anexou laudo robusto e dotados de informações técnicas que atestam que a qualidade do fumo não possui relação com a interrupção de energia elétrica, inexistindo nexo causal entre a condição do fumo e o serviço de distribuição de energia. Argumenta que o autor não adotou medidas para evitar os supostos prejuízos, que poderiam ter sido mitigados com o uso de geradores de energia. Discute a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Argui que o autor não pode ser caracterizado como consumidor final, dado que energia elétrica é consumida durante a cadeia produtiva. Postula pelo provimento do recurso e a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Subsidiariamente, caso seja mantida a condenação, pugna pela aplicação do índice IPCA-E, a contar da data de confecção do laudo que apontou o prejuízo, e, a partir da citação, a taxa SELIC, exclusivamente (evento 47, APELAÇÃO1).

Por sua vez, a autora dispõe sobre a aplicação da legislação consumerista e suas disposições. Sustenta que a interrupção do fornecimento de energia elétrica enseja o dever de indenizar por se tratar de serviço público de natureza essencial e ininterrupta. Argui que a responsabilidade da ré é objetiva. Alega que restou caracterizada falha na prestação dos serviços pela suspensão do fornecimento sem causa aparente e sem que tenha havido o restabelecimento em tempo hábil, causando a perda da qualidade do fumo. Não reconhece a culpa concorrente, por considerar inviável e ineficaz a aquisição de um gerador. Assevera que o dano restou demonstrado pelo laudo elaborado por técnico agrícola que atesta a desclassificação e a desvalorização do valor comercial do fumo pela interrupção do fornecimento de energia elétrica na fase de cura do produto. Impugna o laudo de vistoria e avaliação do fumo danificado pois elaborado por pessoa diversa (Walmor Dupont) daquela que realizou a vistoria in loco (Técnico Agrícola Tiago Dorneles Bierhals). Aduz se tratar de prova unilateral eivada de vícios e irregularidades que não o validam como meio de prova, especialmente erros de pesagem e classificação. Requer a redistribuição do ônus sucumbencial e a concessão da gratuidade da justiça (evento 49, APELAÇÃO1).

As contrarrazões foram apresentadas (evento 54, CONTRAZAP1 e evento 55, CONTRAZ1).

Os autos vieram para julgamento.

É o relatório.

VOTO

As peças recursais foram interpostas tempestivamente e atendem aos requisitos do art. 1.010 do atual CPC, razão pela qual conheço dos apelos.

Dito isso, a parte autora litiga com a benesse da gratuidade da justiça que fora deferida no evento 3, DESPADEC1. Compulsando os autos, ná há informações acerca da alteração da situação econômica do demandante, bem como ausente impugnação pela ré. Portanto vai dispensado o preparo recursal autoral.

Em primeiro lugar, cumpre referir que ao caso em tela aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor. Sob a ótica do destinatário final do produto ou serviço, o egrégio STJ mitiga a teoria finalista preconizada pelo CDC quando comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica ou física, submetida à situação de vulnerabilidade ou prática abusiva, estendendo o conceito àqueles que se enquadrem nessas hipóteses, ainda que desenvolvam atividade lucrativa (teoria maximalista).

Na hipótese, inegável a hipossuficiência/vulnerabilidade técnica dos agricultores frente à concessionária de energia elétrica.

Neste sentido é a jurisprudência desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO VERIFICADA A VULNERABILIDADE DA PARTE FRENTE AO FORNECEDOR. [...]. 1. São aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço, as normas do código de defesa do consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (art. 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (art. 22). 2. Outrossim, ainda que a parte não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatária final do produto ou do serviço, é possível a aplicação das disposições do cdc quando configurada situação de vulnerabilidade entre as partes, como na hipótese do produtor rural frente à empresa pública fornecedora do serviço de energia elétrica. trata-se da mitigação da teoria finalista do conceito de consumidor, aplicada pela jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça. [...] APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 50035729520208210007, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 03-06-2022)

De tal sorte, a requerida responde objetivamente pelos danos causados a terceiros durante a prestação do serviço concedido, nos moldes dos artigos 37, §6º,...

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