Acórdão nº 50050024620208210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50050024620208210019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002032770
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5005002-46.2020.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: ESPÓLIO DE DONATO DALBEN MARTINS (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que concedeu a ordem nos autos do Mandado de Segurança nº. 5005002-46.2020.8.21.0019/RS, impetrado por ESPÓLIO DE DONATO DALBEN MARTINS, cujos fundamentos transcrevo (EVENTO 55 - SENT1):

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5005002-46.2020.8.21.0019/RS

IMPETRANTE: ESPÓLIO DE DONATO DALBEN MARTINS

IMPETRADO: SECRETARIO DA RECEITA ESTADUAL - ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE

SENTENÇA

Trata-se de ação mandamental impetrada por ESPÓLIO DE DONATO DALBEN MARTINS, representado por CLAUDIO GASPAR MARTINS, na qualidade de inventariante, contra ato do DELEGADO DA RECEITA ESTADUAL DE NOVO HAMBURGO.

Em síntese, afirma o impetrante que cadastrou a DIT n.º 1127349, arrolando os bens do falecido a serem avaliados pela SEFAZ/RS para fins de apuração do ITCD devido. Ocorre, no entanto, que houve a devolução da DIT ao argumento de que os valores a título de VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) devem fazer parte da base de cálculo do ITCD. Argumenta que dita aplicação VGBL trata-se de um contrato de previdência privada de natureza securitária, que, por disposição legal, não integraria o acervo hereditário do falecido. Sob esse enfoque, pleiteou o impetrante, liminarmente, a não incidência do ITCD sobre os valores aplicados em VGBL e, ao final, pugnou pela concessão definitiva da ordem, com a confirmação da medida liminar.

A liminar mandamental foi deferida para fins de determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir a inclusão da aplicação VGBL em nome do de cujus no rol de bens a serem inventariados, procedendo-se ao imediato processamento da DIT n.° 1127349, tão somente com os bens nela já arrolados (EV.6).

Devidamente notificada, a autoridade coatora prestou as informações, em atendimento ao art. 7º, inciso I, da Lei n.º 12.016/2009 (EV. 33).

Em face do pronunciamento judicial liminar foi interposto agravo de instrumento pelo Estado do Rio Grande do Sul (EV.18), tendo sido o recurso, à unanimidade, desprovido (Agravo de Instrumento n.º 50253023820208217000).

O Órgão Ministerial emitiu parecer pela concessão da segurança pleiteada (EV. 52).

É o relatório.

Decido.

Almeja o impetrante a exclusão, do rol de bens deixados pelo de cujus, dos valores a título de VGBL, porquanto se trata de um seguro de vida individual, não podendo ser considerado como herança.

Com efeito, a Lei Estadual n.º 8.821/89 dispõe no seu art. 2º que o ITCD possui como fato gerador a transmissão "causa mortis", conforme redação que segue:

Art. 2.º O imposto tem como fato gerador a transmissão "causa mortis" e a doação a qualquer título, de: I - propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos; II- bens móveis, títulos, créditos, ações, quotas e valores, de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos.”

Por sua vez, o Decreto Estadual n.° 33.156/1989, que regulamenta o imposto sobre transmissão "causa mortis" e doação de quaisquer bens ou direitos, prevê em seu art. 1º as hipóteses de incidência do ITCD.

Art. 1º - O imposto tem como fato gerador a transmissão "causa mortis" e a doação a qualquer título, de: I - propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos; II - bens móveis, títulos, créditos, ações, quotas e valores, de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos.

No caso dos autos, verifica-se que o Fisco Estadual, na apuração do imposto incidente sobre o rol de bens deixados pelo falecido, assim se manifestou:

O entendimento da Receita Estadual, contudo, não comporta acolhimento.

Com efeito, assim dispõe a Circular n.º 339/2007 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), em seu art. 2º, inciso I, in verbis:

Art. 2º. Os planos de seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência serão dos seguintes tipos: I - VGBL – Vida Gerador de Benefício Livre, para designar planos que, durante o período de diferimento, tenham a remuneração da provisão matemática de benefícios a conceder baseada na rentabilidade da(s) carteira(s) de investimentos de FIE(s), no(s) qual(is) esteja(m) aplicada(s) a totalidade dos respectivos recursos, sem garantia de remuneração mínima e de atualização de valores e sempre estruturados na modalidade de contribuição variável;

É lícito concluir, portanto, que o Plano Vida Gerador de Benefício Livre é modalidade de seguro de pessoa, enquadrando-se na definição do art. 757 do Código Civil:

“Art. 757, CC - Pelo contato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. ”

Ademais, o art. 794 do Código Civil disciplina que no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. (grifei)

Art. 794, CC - No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Nesse sentido, considerando que o plano de previdência privada VGBL mantido pelo falecido tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida, não pode ser considerado herança para todos os efeitos de direito, sendo descabida a sua incorporação ao acervo hereditário composto pelos bens do falecido segurado.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INCIDÊNCIA DE ITCD SOBRE PLANO VGBL. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. EXCLUSÃO DO CONCEITO DE HERANÇA. ART. 794 DO CC. De acordo com a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e jurisprudência do STJ, as aplicações em VGBL tem natureza de seguro de vida individual, razão pela qual não se insere no conceito de herança, conforme previsão expressa do art. 794 do CC. Inexistindo transferência de patrimônio em decorrência da morte do de cujus, não há fato gerador do ITCD na forma do art. 2º da Lei nº 8.821/89. APELO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.(Apelação Cível, Nº 70083703447, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 17-03-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCD. APLICAÇÕES EM VGBL. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. O Vida Garantidor de Benefício Livre – VGBL, é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único. Desse modo, por possuir natureza jurídica de seguro pessoal, não pode ser considerado como herança, nos termos do artigo 794 do Código Civil. Afastada a incidência do ITCD sobre os valores advindos do seguro, por não se enquadrar nas hipóteses de incidência do tributo previstas no art. 2º da Lei Estadual n. 8.821/89. Precedentes do E. STJ e desta Corte. APELO DESPROVIDO, PREJUDICADA A REMESSA NECESSÁRIA.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 70083470898, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 29-01-2020)

A compreensão acerca da matéria, aliás, vai alinhada com aquela adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

“(...) O Tribunal de origem ao concluir que o Plano de Previdência Privado (VGBL) mantido pela falecida, tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como herança. Inexistindo motivo para determinar a colação dos valores recebidos, decidiu em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 1.618.680/MG, rel. Min. Maria Isabel Galloti, DJe de 1º.08.2017).

Ainda:

RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. TERCEIRO BENEFICIÁRIO DEINDENIZAÇÃO SECURITÁRIA PRÉ-MORTO POR OCASIÃO DO FALECIMENTO DASEGURADA. LEGITIMIDADE DOS HERDEIROS DAQUELE BENEFICIÁRIO PARAVINDICAREM A QUOTA REFERENTE À INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA.INVIABILIDADE. INVOCAÇÃO DO ART. 792 DO CC/2002. APLICAÇÃO RESIDUAL,INCIDINDO APENAS NOS CASOS EM QUE, POR OCASIÃO DO EVENTO GERADOR DAINDENIZAÇÃO SECURITÁRIA, NÃO PERSISTIU EFICAZ DESIGNAÇÃOCONTEMPLANDO ALGUM BENEFICIÁRIO. INTERETAÇÃO SISTEMÁTICA DO CÓDIGOCIVIL, EM VISTA DO DISPOSTO NOS ARTS. 792 E 794 DO CC/2002.1. "Diante dos expressos termos do art. 794 do Código Civil/2002 [correspondente ao art. 1.475 do CC/1916], no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança paratodos os efeitos de direito. Nesse caso, o beneficiário - titular da indenização securitária - é o terceiro designado pelo falecido, por isso é descabido que tal direito componha o acervo hereditário composto pelos bens da segurada". (REsp 1132925/SP, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe06/11/2013)2. Em vista do disposto no art. 794 do CC/2002, em interpretação sistemática do Diploma civilista, o art. 792 - correspondente ao art. 1.473 do CC/16 - incide apenas caso não persista designação eficaz.3. No caso, por ocasião do falecimento da segurada, permanecia eficaz a designação de três dos quatro beneficiários. Portanto, aqueles devem receber por inteiro a quota à que fazem jus, dividindo entre eles o percentual que seria do beneficiário pré-morto.4. Recurso especial não provido. REsp 803299/PR. Relator(a) Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA. Relator(a) p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. DJe 03/04/2014.

Pelo exposto, confirmo a liminar...

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