Acórdão nº 50050181220198213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50050181220198213001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002045460
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005018-12.2019.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Dano (art. 163)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: LUCAS SILVA DA SILVA (ACUSADO)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra LUCAS SILVA DA SILVA, afirmando estar incurso nas sanções do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/3):

"No dia 21 de junho de 2018, às 12h, na Rua Primeiro de Setembro, n° 1747, Bairro Partenon, Porto Alegre, o denunciado deteriorou/inutilizou a tornozeleira eletrônica n.° 37672, patrimônio do Estado do Rio Grande do Sul, item avaliado em R$ 520,00 (auto de avaliação indireta de fl. 07 do IP n° 001.19.0106989-1).

Na ocasião, o denunciado extraviou o dispositivo de monitoramento eletrônico n° 37672, descumprindo ordem judicial consistente em monitoramento permanente via tornozeleira (ação penal n. 00121800436775 - documentos em anexo).

Até o presente momento, a tornozeleira não foi restituída ao Estado (fl. 14)".

Recebida a denúncia em 09/03/2020 (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fls. 4/5) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada improcedente (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 14/19):

"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação penal para absolver o réu LUCAS SILVA DA SILVA, com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal".

O Ministério Público ingressou com recurso de apelação (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fl. 20). Nas razões (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 32/38), sustentou, em resumo, que: (a) "rompendo e extraviando a tornozeleira eletrônica, o réu causou prejuízo ao Estado do Rio Grande do Sul no valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) à época do fato, conforme auto de avaliação indireta e de constatação de ocorrência de dano ao patrimônio público, considerando que o equipamento era destinado ao serviço público, sendo o Estado responsável pelo bem" (fl. 34); (b) "não tendo sido a tornozeleira eletrônica, que monitorava o réu, apreendida nem restituída, resta suficientemente delineado o crime de dano contra o patrimônio público, tendo como vítima o Estado do Rio Grande do Sul" (fl. 34); (c) "é inequívoco o agir doloso do apelado, pois evidente que deteriorou bem de propriedade do Estado buscando furtar-se do regular cumprimento da sanção penal, sendo a condenação medida que se impõe" (fl. 37). Pediu, assim, o provimento do recurso, condenando-se o réu, nos termos da denúncia.

Em contrarrazões, o réu pleiteou o desprovimento do recurso (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 8, CONTRAZAP1).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/TJRS, evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço da apelação, porquanto atendidos os requisitos previstos no artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP).

A preliminar de decadência suscitada pelo réu/apelado nas contrarrazões de recurso não merece êxito.

Tratando-se do crime de dano qualificado previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, do CP, a hipótese envolve ação penal pública incondicionada (artigo 167 do CP).

Nesta linha, ressalto acórdão deste Tribunal de Justiça/RS:

"HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO. ART. 163, INC. III, DO CP. TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA.
Presente legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação penal em caso de dano causado pelo apenado à tornozeleira eletrônica, eis que, embora pertencente à empresa privada, foi locada para o Estado, que responde pelos danos causados ao dispositivo de monitoramento eletrônico, causando prejuízo ao erário público. Configurado, em tese, o crime de dano qualificado, a ação penal é pública incondicionada, não se cogitando, pois, de decadência do direito de queixa. De outro lado, não obstante, nos termos do entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, necessária, para a configuração do crime de dano qualificado, a demonstração do dolo específico, ou seja, da intenção de causar prejuízo ao bem público, sua presença não se pode ser afastada a priori, sem que haja a devida instrução processual, não cabendo, na via estreita do habeas corpus, apreciação que demande análise aprofundada da prova. Assim, ausente hipótese de trancamento da ação penal, inocorrente constrangimento ilegal.
ORDEM DENEGADA. LIMINAR REVOGADA" (Habeas Corpus Criminal n. 50613355620228217000, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ricardo Coutinho Silva, Julgado em: 18-05-2022 - grifou-se).

No mérito, adianto ser caso de manutenção da sentença absolutória.

No que tange à materialidade delitiva, a existência do fato ficou comprovada a partir (1) do registro de ocorrência policial (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 12/13), (2) do Ofício n. 0708/2018 - DME da SUSEPE (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fl. 15) e (3) do auto de avaliação indireta (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fl. 37).

No referente à autoria, o réu/recorrido afirmou "que a tornozeleira acabou arrebentada durante uma partida de futebol" e "que descartou o equipamento em um terreno" (sentença - processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fl. 19).

Resumida a prova, na essência, ao relato do réu/apelado, o dolo, no caso, não ficou demonstrado de maneira induvidosa, inexistindo, por ausência de comprovação no que diz respeito ao animus nocendi, isto é, vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público, provas aptas a ampararem uma sentença condenatória.

Desse modo, em outras palavras, a precisão probatória, imprescindível para formação de um veredito condenatório, não se encontra presente, sobretudo porque, para imposição de sanção criminal, indispensável a produção de prova capaz de gerar a certeza necessária à procedência da acusação.

Neste contexto, a fim de evitar repetição desnecessária, transcrevo o exposto na sentença, que se adota como razões de decidir (processo 5005018-12.2019.8.21.3001/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 14/19):

"E, quanto ao tema, ensina Nucci, em análise do núcleo do tipo: destruir, quer dizer arruinar, extinguir ou eliminar, inutilizar, extinguir ou eliminar; inutilizar significa tornar inútil ou imprestável alguma coisa aos fins para os quais de destina; deteriorar é a conduta de quem estraga ou corrompe alguma coisa parcialmente. Quem desaparece com coisa alheia, lamentavelmente, não pratica crime algum. Aliamo-nos à doutrina majoritária no sentido de que desaparecer não significa destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia, tendo havido uma falha na lei penal. Por furto, também não há razão para punir o agente, tendo em vista que não houve o ânimo de apropriação”.

Logo, como o mero desaparecimento de coisa alheia não configura o tipo penal, conforme ensina a melhor doutrina, é irrelevante o fato de o equipamento eletrônico não haver sido restituído ao Estado.

Ademais, cabe mencionar que o simples prejuízo financeiro sofrido pelo Estado não autoriza, por si só, o reconhecimento de que o acusado tenha praticado o delito descrito na exordial. Nessa linha, sem qualquer serventia o auto de avaliação indireta providenciado pela autoridade policial (fl. 24).

Além disso, também é importante referir que muito embora se impute ao acusado o delito de dano, não se providenciou o respectivo auto de dano qualificado, providência indispensável, nos estritos termos do art. 158, CPP. Tampouco veio aos autos o auto de constatação de dano indireto, contando do processo apenas o auto de avaliação indireta.

Soma-se a isso, ainda, a ausência de comprovação do dolo específico do réu de “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.

[...]

Ademais, também é importante fazer referência ao relato prestado pela testemunha Camila Vencato Neumann nos autos do processo de nº 001/2.18.0049815-0, oportunidade em que informou: “Só o corte da cinta não gera nenhum dano pro Estado porque esses acessórios a...

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