Acórdão nº 50050330720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível
Classe processualConflito de competência
Número do processo50050330720228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001951853
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Competência (Câmara) Nº 5005033-07.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

SUSCITANTE: JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ADJUNTO DA COMARCA DE ESTÂNCIA VELHA

SUSCITADO: JUÍZO DA 2ª VARA JUDICIAL DA COMARCA DE ESTÂNCIA VELHA

RELATÓRIO

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA em face do JUÍZO DA 2ª VARA CÍVEL no qual é adjunto o JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, DA COMARCA DE ESTÂNCIA VELHA, nos autos da ação de rito ordinário de obrigação de fazer ajuizada por menor impúbere, representada por seus pais, em que buscado tratamento com fórmula alimentar, tendo como demandados o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE ESTÂNCIA VELHA.

O Juízo suscitante assevera que a justificativa apresentada, não encontra respaldo legal, tendo em vista a presença de menor, conforme se infere do art. 5º da Lei 12.153/2009 e art. 8º, § 1º, inc. I, da Lei 9.099/95. (Evento 1 do CC e 157 do originário)

O Juízo suscitado pondera que a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública é absoluta nos termos do art. 2º, §4º, da Lei 12.153/2009, e atribuída o valor da causa inferior a 60 salários mínimos (art. 2º da Lei 12.153/2009), imperativa a redistribuição do presente feito ao Juizado Especial da Fazenda Pública, ainda o fato de se tratar de menor, representada pelos genitores (Evento 151)

O conflito foi recebido, nomeado o Juízo Suscitante para a prática dos atos urgentes e dado seu prosseguimento (Evento 5).

O Ministério Público manifestou-se pela improcedência do conflito negativo de competência (Evento 17).

É o relatório.

VOTO

Tem razão o Juízo suscitante.

O que importa considerar é a natureza da pretensão objetivada na demanda. Se, como é o caso, o interesse em voga é daqueles especialmente protegidos pelo ECA (saúde, especificamente fórmula alimentar infantil, visto que "portadora de alergia alimentar caracterizada pela reação do sistema imunológico às proteínas do leite, notadamente à caseína e as proteínas do soro, APLV, (CID K 52.2)), a incapaz sob a proteção desse Estatuto haverá de demandar perante o Juizado da Infância e da Juventude, no caso, adjunto à 2ª Vara Cível.

Com efeito, os Juizados Especiais da Fazenda Pública foram criados com o objetivo de “processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos”.

Mas, causas cíveis que, até então, despidas de alguma especialidade prevista em lei que as remetesse à competência privativa e absoluta de determinado juizado, coubessem na competência geral dos juizados cíveis ordinários.

Essa competência geral, em linha de princípio, é que foi dividida entre os sistemas de jurisdição, ordinário e especial, com o que preservadas restaram as hipóteses de competência absoluta de juízos especializados em razão da matéria ditadas por legislação especial.

Assim, no caso, reitero, há de prevalecer o que disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, lei especial, quanto à competência para o conhecimento e julgamento da espécie.

Confira-se:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

(...)

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

VII - de acesso às ações e serviços de saúde;

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.

Observo, a propósito, tal e qual já observado pelo eminente Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa em precedente similar ao de que trata a espécie, que o precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa foi transcrita pelo juízo suscitado (Resp 1372034/RO), dizia com situação em que o menor incapaz pleiteava indenização por danos morais, o que não se confunde com prestação voltada à manutenção da sua saúde, esta, sim, protegida pelo Estatuto da Infância e da Juventude. Aliás, a orientação aqui traçada vai ao encontro desse julgado do STJ, na medida em que, reitero, está-se mesmo a dizer que não é a condição de menor incapaz que retira do Juizado Especial da Fazenda Pública a competência para o conhecimento da causa, senão que sua natureza, emergente do enquadramento do pedido e causa de pedir ao direito objetivo emergente da proteção que o estatuto menorista confere à criança e ao adolescente menor.

E porque, com maestria, como de seu costume, destrinçou caso em tudo semelhante, permito-me transcrever a íntegra da motivação exposta pelo eminente Des Armínio na decisão monocrática lançada no Conflito Negativo sob nº 70083652040, “in verbis”:

“(...) Em suma, está-se diante de ação em que a causa de pedir e pedido, consistente este na obtenção de consulta com nefrologista para avaliação e tratamento médico adequado, assentam no artigo 227, Constituição Federal, e em disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, mais precisamente dos artigos 4º e 213, § 1º, sem prejuízo da indicação de outros preceitos normativos (artigos , 23, II, 196 e 198, Constituição Federal; 241, Constituição Estadual; e 2º e 6º, Lei nº 8.080/90).

O que se compreende, uma vez que o autor, nascido em 05.06.2005 (fl. 16), conta com 14 anos de idade.

Em sendo assim, inafastável a competência absoluta do Juizado da Infância e da Juventude para processamento e julgamento do feito, ante o disposto nos artigos 98, I, 148, IV, 208, VII e 209, Lei nº 8.069/90Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por oportuno, transcrevo os referidos dispositivos:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

(...)

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

VII - de acesso às ações e serviços de saúde;

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores.

Lei especial de proteção à criança e ao adolescente cujas disposições devem prevalecer sobre o regramento geral atinente à competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, especialmente em relação ao disposto no artigo 5º, Lei nº 12.153/09.

Aliás, vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, no citado REsp nº 1.372.034/RO, ao admitir figure menor incapaz no polo ativo de demanda no Juizado Especial da Fazenda Pública, assim entendeu no âmbito de ação de indenização por danos morais movida contra o Município de Porto Velho, ao julgar conflito negativo de competência entre Juizado Especial da Fazenda Pública e Juizado Especial Cível.

Hipótese inteiramente diversa da retratada nos presentes autos, em que a controvérsia se dá entre a competência do Juizado da Infância e da Juventude, em ação envolvendo pleito de cumprimento de obrigação de fazer pelo Estado, consistente na disponibilização urgente de consulta com nefrologista para avaliação e tratamento médico adequado, e do Juizado Especial da Fazenda Pública.

Ressalva igualmente válida para julgado de minha relatoria lembrado pelo Juizado da Infância e da Juventude (CC nº 70081802282), em que se tratava de ação de cobrança movida por filha menor de militar estadual, visando compelir o Estado ao pagamento da integralidade dos proventos de aposentadoria do seu genitor, e não de modo parcelado, de modo a perceber em dia a pensão alimentícia descontada diretamente em folha de pagamento, ao que agregava pleito de indenização por danos morais.

É dizer, no caso em apreço, a relação jurídica de direito material sob exame, em razão da pessoa (adolescente), é regulada por lei especial, que define, inclusive, o juízo competente para sua apreciação (Juizado da Infância e Juventude), situação distinta daquela em que o debate assenta em questão não regulada por lei especial, cuja particularidade é tão somente o fato de o autor da demanda ser menor incapaz, o que não impediria o processamento e julgamento pelo Juizado Especial da Fazenda Pública.

Diante de tal contexto, in casu, a competência para a apreciação da matéria é do Juizado da Infância e da Juventude.

Neste sentido, invoco recente julgado da 3ª Câmara Cível, assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A MENOR. DIREITO À SAÚDE. ECA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.

1. É competência absoluta do Juízo da Vara da Infância e da Juventude o processamento e...

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