Acórdão nº 50050345020178210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50050345020178210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001782888
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005034-50.2017.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: UNIMED PLANALTO MEDIO COOPERATIVA DE SERV MEDICOS LTDA (RÉU)

APELADO: OTAVIO HENRIQUE TRAI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: VANESSA CRISTINA MARQUES DANELI TRAI (Pais)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Unimed Planalto Médio - Cooperativa de Serviços Médicos Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por Otávio Henrique Trai e Vanessa Cristina Marques Daneli Trai, julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, forte no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida OTÁVIO HENRIQUE TRAI contra UNIMED PLANALTO MÉDIO COOPERATIVA DE SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA para o efeito de CONDENAR a parte ré ao cumprimento da obrigação de fazer consistente no fornecimento à parte autora das sessões de musicoterapia, psicopedagogia, psicomotricidade, fonoaudiologia, terapia ocupacional, equoterapia e natação/hidroterapia, na forma e na quantidade prescrita pelo profissional médico assistente (fl. 15), sob pena de fixação de multa diária para a hipótese de descumprimento.

CONDENO a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte autora, fixados no valor de R$ 1.500,00, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil, considerando a natureza da matéria debatida, o trabalho desenvolvido e o tempo decorrido até a conclusão do processo.

Sustenta a petição recursal que o contrato de plano de saúde firmado pelos autores não tem previsão para cobertura de sessões de psicopedagogia, psicomotricidade, equoterapia, natação e musicoterapia, tratamentos que também não estão previstos no rol da ANS. Assevera que tais tratamentos seriam experimentais e, portanto, estariam excluídos da obrigatoriedade de cobertura, nos termos do art. 10, I, da Lei nº 9.656/98 e do art. 20, § 1º, I, da Resolução Normativa nº 387, de 2015, da ANS. Salienta que o egrégio STJ firmou entendimento quanto ao caráter taxativo do rol da ANS. Assevera que o plano tem cobertura para a realização de terapia ocupacional e fonoaudiologia, mas que devem ser obedecido os limites definidos na Resolução Normativa nº 428/2017, da ANS, no que diz respeito ao número de sessões cobertas. Alega que o deferimento de tratamentos cuja cobertura não é prevista rompe o necessário equilibrio econômico-financeiro existente entre custos do plano ofertado e contraprestação devida pelo usuário.

Requer o provimento do apelo (Evento 3 - PROCJUDIC6, fls. 08/19 dos autos originários).

Intimados, os autores apresentaram as contrarrazões (Evento 3 - PROCJUDIC6, fls. 25/31 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, o Ministério Público opinou pelo desprovimento do apelo (Evento 10).

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O preparo foi devidamente comprovado pela apelante (Evento 3 - PROCJUDIC6, fl. 21 dos autos originários).

Inicialmente, para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

OTÁVIO HENRIQUE TRAI, menor impúbere, representado por sua genitora Vanessa Cristina Marques Danieli Trai, ajuizou Ação de Obrigação de Fazer contra UNIMED PLANALTO MÉDIO COOPERATIVA DE SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA, alegando, em resumo, que é beneficiário do plano de saúde fornecido pela cooperativa requerida. Disse que é portador de Transtorno de Espectro Autista (CID 84.04) e necessita de tratamentos consistentes em sessões de musicoterapia (uma vez por semana), psicopedagogia (duas vezes por semana), psicomotricidade (uma vez por semana), fonoaudiologia (duas vezes por semana), terapia ocupacional (duas vezes por semana), equoterapia (uma vez por semana) e natação/hidroterapia (uma vez por semana). Aduziu, contudo, que a parte ré não vem cumprindo a sua obrigação de fornecer os referidos tratamentos. Requereu, ao final, a procedência da ação para o efeito de condenar a parte ré ao fornecimento dos tratamentos médicos prescritos. Pediu a Gratuidade da Justiça. Juntou documentos (fls. 02/06).

Deferida a AJG (fl. 54).

Realizada audiência, a tentativa de conciliação restou inexitosa (fl. 61).

Citada, a ré apresentou contestação (fls. 103/123), aduzindo, resumidamente, que não negou o fornecimento dos tratamentos de fonoaudiologia e de terapia ocupacional, desde que observado o número de sessões estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sustentou, contudo, que negou o fornecimento dos demais tratamentos porquanto não estão contemplados no contrato e no rol de procedimentos de cobertura da ANS. Defendeu que os tratamentos de fonoaudiologia e de terapia ocupacional estão limitados a 96 consultas e 40 sessões por ano, respectivamente. Asseverou que agiu no exercício regular de um direito. Argumentou pela ausência de violação ao Código de Defesa do Consumidor. Frisou que os tratamentos postulados não são de urgência ou emergência. Impugnou o pedido de inversão do ônus da prova. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 124/156).

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, os autores pretendem ver reconhecida a obrigação da operadora de plano de saúde em cobrir os custos necessários aos tratamentos multidisciplinares indicados ao demantante Otávio, sem qualquer limintação no número de sessões.

De acordo com os laudos acostados no Evento 3 - PROCJUDIC1, fl. 19 e 24/25 - LAUDO10 dos autos originários, o autor Otávo, menor, atualmente com nove anos de idade, foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID 10 F 84.0), com indicação de tratamento multidisciplinar com sessões de musicoterapia uma vez por semana, psicopedagogia duas vezes por semana, psicomotricidade uma vez por semana, fonoaudiologia duas vezes por semana, terapia ocupacional duas vezes por semana, equoterapia uma vez por semana e natação uma vez por semana.

Por sua vez, a operadora do plano de saúde refere não haver cobertura para psicopedagogia, psicomotricidade, equoterapia, natação e musicoterapia, enquanto que há cobertura para terapia ocupacional e fonoaudiologia, devendo, contudo, haver a limitação do número de sessões.

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé,...

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