Acórdão nº 50050508020218210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
Classe processualApelação
Número do processo50050508020218210015
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002273668
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005050-80.2021.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: RONALDO RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: BANCO VOTORANTIM S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos em face da sentença que, nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais ajuizada por RONALDO RIBEIRO contra BANCO VOTORANTIM S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos, decisão que contou com o seguinte dispositivo (Evento 65):

Assim, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional ajuizada por RONALDO RIBEIRO contra BANCO VOTORANTIM S.A., para:

1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:

- limitar os juros remuneratórios incidentes sobre as parcelas em atraso ao percentual previsto para o período de normalidade contratual;

- limitar os juros moratórios a 1% ao mês.

2) condenar a parte ré a compensar o débito com o crédito da parte autora decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte autora, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;

3) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte autora em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões (Evento 71), advoga a parte autora a limitação da taxa de juros remuneratórios à média de mercado. Defende a exclusão da capitalização diária de juros por ausência de indicação da respectiva taxa diária. Pugna pelo afastamento da cobrança do seguro de proteção financeira, argumentando se tratar de hipótese de venda casada. Advoga a ilegalidade da cobrança da tarifa de cadastro, ou, subsidiariamente, a sua redução à média de mercado. Requer o afastamento da mora contratual e o deferimento dos pedidos de vedação à inscrição do seu nome em cadastros de inadimplentes e de manutenção da posse do bem financiado. Pede, assim, a reforma da sentença recorrida.

A instituição financeira demandada, por sua vez, pugna pela manutenção da taxa de juros moratórios pactuada, argumentando inexistir limitação à luz do disposto na Lei n. 10.931/04. Subsidiariamente, acaso mantida a parcial procedência dos pedidos, requer seja eventual montante a ser repetido em favor do autor atualizado por meio da incidência da taxa SELIC. Pede, assim, a reforma da sentença (Evento 81).

As partes apresentaram contrarrazões (Eventos 82 e 87).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório.

VOTO

A discussão devolvida a esta Corte cinge-se aos seguintes tópicos: (a) juros remuneratórios; (b) capitalização de juros; (c) juros de mora; (d) tarifa de cadastro; (e) seguro de proteção financeira; (f) caracterização da mora contratual; (g) inscrição em cadastros de inadimplentes; (h) manutenção da posse do bem financiado; e (i) atualização monetária do montante a ser eventualmente devolvido ao consumidor.

Passo à análise dos pontos controvertidos.

Inicialmente, consigno que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária encontram-se sujeitos às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), consoante orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula 297 do Egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De tal sorte, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente flexibilização do princípio pacta sunt servanda e do ato jurídico perfeito.

A respeito dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (Temas 24 a 27 do STJ), fixou sua orientação jurisprudencial nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.

(..)

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

(...)

Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício.

Ônus sucumbenciais redistribuídos.

(REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009)

Revisei o posicionamento até então adotado, a fim de admitir maior flexibilidade para os juros remuneratórios, quando comparados com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da contratação, consoante a orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do aludido REsp n. 1.061.530/RS.

No caso concreto, os juros remuneratórios foram pactuados em 20,57% ao ano, patamar pouco superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil à época da contratação (fevereiro/2021 – 19,96% ao ano), não denotando abusividade. Note-se, no particular, que esta Câmara não considera abusiva a taxa pactuada em percentual até 50% superior à média de mercado, parâmetro observado na hipótese em tela.

Assim, impositiva a confirmação da sentença que determinou a manutenção da taxa de juros remuneratórios contratada.

De outra banda, acerca da capitalização de juros, é admitida a sua incidência em periodicidade inferior à anual quando expressamente pactuada em contrato bancário firmado após a vigência da Medida Provisória n. 1963-17/2000 (31/03/2000) segundo a orientação jurisprudencial consolidada pelo Egrégio STJ no julgamento do REsp n. 973.827/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos.

Conforme se observa dos autos, o contrato, firmado em fevereiro de 2021, prevê, expressamente, a capitalização diária de juros (conforme item "Promessa de Pagamento" das cláusulas gerais do contrato – Contrato 14 do Evento 26), nos termos admitidos pelo Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual deve ser mantida a sua incidência.

No que tange aos juros moratórios, porém, verifico que estes foram pactuados em 6,00% ao mês (conforme item I das cláusulas gerais – "Encargos Moratórios"), índice que, de fato, destoa do disposto no artigo 406 do Código Civil c/c o artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, impondo-se sua limitação a 1% ao mês.

Nesse sentido, igualmente, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme Súmula 379 daquela Corte Superior:

Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.

Desse modo, impõe-se a confirmação da sentença que, no particular, determinou a sua limitação.

No que diz respeito à cobrança de tarifas administrativas, ressalto que o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.251.331/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. RECURSOS REPETITIVOS. CPC, ART. 543-C. TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF). POSSIBILIDADE.

(...)

9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

- 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.

- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT