Acórdão nº 50050609020218213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50050609020218213001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002019430
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5005060-90.2021.8.21.3001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5005060-90.2021.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Dano Qualificado (art. 163, § único)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público, nesta Capital, ofereceu denúncia contra RODRIGO PONCIANO DA SILVA, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, c/c o artigo 61, inciso I, ambos do Código Penal.

A denúncia foi recebida, em 13 de agosto de 2021.

O réu restou citado e apresentou resposta à acusação, por meio da Defensoria Pública.

Em seguida, o magistrado de piso absolveu sumariamente o réu RODRIGO PONCIANO DA SILVA da imputação que lhe foi feita, com fulcro no artigo 397, inc. III, do CPP.

A decisão foi publicada, no dia 04/03/2022.

O Ministério Público interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Nas suas razões recursais, a acusação postula a reforma do decisum, para que seja determinado o regular prosseguimento da ação penal.

Apresentadas contrarrazões.

O inculpado foi intimado da decisão.

Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Dr. JOSÉ PEDRO M KEUNECKE, opinou pelo provimento do recurso ministerial.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

No caso dos autos, foi ofertada denúncia contra o réu, nos seguintes termos:

"No dia 26 de maio de 2020, às 14h35min, na Av. Professor Oscar Pereira, n.° 4227, bairro Cascata, nesta Cidade, o denunciado deteriorou/inutilizou dispositivos que compõem a tornozeleira eletrônica (peça principal C79M3Y4W, peça auxiliar C79K1G7A e carregador móvel C41M7T3X – fl. 05 do IP), patrimônio do Estado do Rio Grande do Sul, ao rompê-la para fazer cessar monitoramento durante o cumprimento de pena.

Na data supra, a central de monitoramento parou de captar o sinal da tornozeleira utilizada pelo denunciado, sendo que o equipamento, avaliado em R$ 679,90 (auto de avaliação indireta da fl. 07 do IP), não mais foi restituído ao Estado do Rio Grande do Sul.

O acusado é reincidente (certidão judicial de antecedentes anexa)."

Uma vez recebida a inicial acusatória, restou apresentada, pela Defensoria Pública, resposta à acusação.

Após examinar a peça defensiva em questão, o magistrado de piso entendeu que era caso de absolver, sumariamente, o réu, in verbis:

"(...)

Ao exame do conteúdo probatório colacionado ao caderno processual, constato - desde já - que a denúncia não merece um juízo de procedência.

Inicialmente cabe mencionar que o art. 163 do Código Penal vem assim redigido:

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

E, quanto ao tema, ensina Nucci1, em análise do núcleo do tipo: “destruir, quer dizer arruinar, extinguir ou eliminar, inutilizar, extinguir ou eliminar; inutilizar significa tornar inútil ou imprestável alguma coisa aos fins para os quais de destina; deteriorar é a conduta de quem estraga ou corrompe alguma coisa parcialmente. Quem desaparece com coisa alheia, lamentavelmente, não pratica crime algum. Aliamo-nos à doutrina majoritária no sentido de que desaparecer não significa destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia, tendo havido uma falha na lei penal. Por furto, também não há razão para punir o agente, tendo em vista que não houve o ânimo de apropriação”.

Logo, como o mero desaparecimento de coisa alheia não configura o tipo penal, conforme ensina a melhor doutrina, é irrelevante o fato de o equipamento eletrônico não haver sido restituído ao Estado.

Ademais, cabe mencionar que o simples prejuízo financeiro sofrido pelo Estado não autoriza, por si só, o reconhecimento de que o acusado tenha praticado o delito descrito na exordial. Nessa linha, sem qualquer serventia o auto de avaliação indireta providenciado pela autoridade policial (RS, Evento 1, INQ1, Página 7).

Além disso, também é importante referir que muito embora se impute ao acusado o delito de dano, não se providenciou o respectivo auto de dano qualificado, providência indispensável, nos estritos termos do art. 158, CPP. Tampouco veio aos autos o auto de constatação de dano indireto, contando do processo apenas o auto de avaliação indireta.

Soma-se a isso, ainda, a ausência de comprovação do dolo específico do réu de “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.

E, sobre o assunto, faço referência ao entendimento exarado pela 7ª Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça, em 23/11/2020 (Apelação Crime 70083930073), que teve como relator o eminente Des. Carlos Alberto Etcheverry, cuja ementa ora transcrevo:

APELAÇÃO CRIMINAL. DANO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DA TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA E DE DOLO ESPECÍFICO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. 1. O delito é daqueles que deixa vestígios (art. 158 do CPP), sendo indispensável a perícia nos moldes estabelecidos pelo art. 159 do CPP. No caso dos autos, nenhuma perícia foi apresentada, revelando-se impositiva a absolvição. 2. Se não bastasse a ausência de prova da materialidade, considerando o entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, a conduta praticada pelo acusado não configura o crime de dano. É que para a sua configuração é necessário o dolo específico de ”destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, o que não se verifica no caso em apreço, pois a intenção do agente era impedir o controle estatal e sair da zona de monitoramento, sendo o dano um mero instrumento para atingir essa finalidade. Conduta atípica que resulta em absolvição. RECURSO PROVIDO.

Tal decisão vem assim redigida, no que interessa:

A conduta prevista no art. 163 do Código Penal é crime que deixa vestígios, sendo necessário, em razão disso, o exame de corpo de delito, como determina o art. 158 do Código de Processo Penal:

“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

O laudo pericial deverá ser realizado nos moldes estabelecidos pelo art. 159 do CPP, ou seja, por perito oficial ou, na falta deste por “duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame” (§1º do art. 159 do CPP). No caso dos autos, nada foi apresentado nesse sentido.

O que se tem nos autos é tão somente o relato da agente penitenciária que trabalha no setor de monitoramento eletrônico da SUSEPE – o qual, diga-se, diz respeito a outro apenado, uma vez que se trata de prova emprestada – e o interrogatório do réu, o qual afirma que retirou a tornozeleira, porém o seu depoimento não supre a necessidade de perícia técnica.

Impõe-se, deste modo, a absolvição do réu, com fundamento no art. 386, II, do CPP.

Outrossim, ainda que tivesse presente a prova da materialidade, registro que modifiquei meu entendimento quanto à conduta praticada pelo réu para considerá-la atípica, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça2, no sentido de que para a configuração do crime de dano, necessário o dolo específico de “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”, o que não se verifica no caso em apreço, haja vista que a intenção do agente era eximir-se da vigilância e sair da área de monitoramento, sendo o dano um mero instrumento para atingir essa finalidade. […]

Isso posto, dou provimento ao recurso para absolver o réu, com fundamento nos arts. 386, II e III, do CPP.

Pontuo, por relevante, que o caso paradigma apresenta situação fática similar ao caso em julgamento, na medida em que a tornozeleira eletrônica não mais foi localizada.

Faço, ainda, oportuna referência à jurisprudência do STJ, que nos autos do AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.722.060 – PE, assim decidiu:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP. DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, Ill, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido.

E, o Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior assim ponderou:

“O agravo regimental não merece provimento.

A controvérsia disposta nos autos revela-se pelo exame do ato de romper a tornozeleira eletrônica caracterizar o crime de dano contra o patrimônio público nos termos do art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal.

No caso, o...

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