Acórdão nº 50050807420218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50050807420218212001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001718740
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005080-74.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: CIRIACO HIDALGO NETO (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CIRIACO HIDALGO NETO da sentença que julgou improcedente a ação declaratória de inexistência de débito cumulada com restituição de valores e danos morais movida em desfavor de BANCO BMG S/A.

Eis o relatório da sentença:

Ciriaco Hidalgo Neto ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES, DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face de BANCO BMG S.A., partes devidamente qualificadas nos autos.

Para tanto, alegou, em síntese, que ao analisar os descontos do seu benefício previdenciário, teve a infeliz surpresa de constatar que vem sofrendo desconto mensal sob rubrica de “Contratos de cartão” do banco réu. Ocorre, no entanto, que embora a parte autora seja contumaz consumidora de empréstimos consignados, jamais contratou o uso de um cartão de crédito, tampouco autorizou o desconto de valores referentes a uma margem de crédito. Mesmo sem a parte autora ter solicitado o cartão, a empresa simulou uma contratação de cartão de crédito sem sequer oportunizar a autora escolher a porcentagem que seria reservada. Além do que, nunca recebeu nenhum tipo de cartão, sendo por ele completamente estranha a referida suposta contratação. Deste modo, considerando que autor não contratou o crédito rotativo (considerando que nunca recebeu nenhum suposto cartão), configura-se um ato ilícito aquele praticado pelo banco requerido, pois além da prática abusiva verifica-se que houve uma exploração da vulnerabilidade da parte autora, merecedora de proteção legal diferenciada dada sua condição de vulnerável. Sustentou que, caso comprovada a contratação dos serviços impugnados, esta se deu por uma dissimulação por parte do demandado, que induziu o autor em erro, posto que este tenta fazer crer que existe o contrato de cartão de crédito, quando este nunca fora contratado e, como dito, gerando uma dívida impagável. Invocou o direito incidente. Dissertou sobre os danos vivenciados, afirmando direito à repetição do indébito, bem como, indenização por danos morais. Formulou pedido de tutela de urgência, visando a cessação dos descontos. Ao final, requereu a procedência, com a declaração de inexistência da relação jurídica e, por consequência, de inexigibilidade dos descontos realizados indevidamente pela requerida junto ao benefício previdenciário da parte requerente, relativo ao suposto contrato 9558201; a condenação da parte ré à devolução em dobro de todos os valores descontados; bem como a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00. Subsidiariamente, acaso o contrato de RMC seja tido como regular, imperioso que seja limitada a taxa de juros à taxa média de mercado para os contratos de empréstimos consignados para aposentados e pensionistas, vinculado à série “25468” junto BACEN, com a conversão para empréstimo consignado, que, no caso da parte autora, deverá ser limitado ao percentual de 2,29% ao mês, conforme documento em anexo, para que seja condenada a requerida na restituição dos valores cobrados a maior. Postulou a concessão da gratuidade judiciária. Coligiu documentos com o evento 01.

Deferida a gratuidade judiciária, e indeferido o pedido de tutela de urgência, evento 03.

Citada a parte ré, esta contestou com documentos no evento 10, rebatendo as alegações da parte demandante. Preliminarmente, arguiu carência de ação, prescrição e decadência. No mérito, rebateu as alegações do demandante, afirmando que os fatos alegados na inicial não correspondem à realidade, eis que, a parte autora firmou um contrato de cartão de crédito consignado em 04/12/2015, sob o nº de adesão 40546440, plástico n.º 5259.xxxx.xxxx.2114, na qual, originou a averbação da reserva de margem consignável de nº 11465152. Na oportunidade, a parte autora assinou o “Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em folha de Pagamento”, onde consta de forma expressa, desde seu título, que a contratação realizada é de um cartão de crédito consignado, assim como, de forma clara e expressa, todas as características do referido cartão, incluindo a taxa contratual máxima e o Custo Total Efetivo – CET. No referido documento, há expressa autorização para reservar a margem e efetuar descontos para garantia do pagamento do valor mínimo da fatura. Defendeu que, a parte demandada não foi ludibriada na contratação, uma vez que anuiu com todas as informações prestadas a respeito do contrato. Ressaltou que, a parte autora realizou um saque autorizado junto à adesão ao cartão, com o repasse do valor de R$1.060,00 em 09/12/2015, e saque complementar no valor de R$542,88 em 05/06/2019. Ainda, é possível observar que a parte autora realizou o pagamento voluntário, além do desconto mínimo realizado diretamente em folha de pagamento, o que demonstra sua ciência inequívoca quanto ao produto contratado. Não há nos autos qualquer prova de que o BMG tenha praticado ato lesivo à parte autora ou contrário à lei, às disposições da Instrução Normativa do INSS e a qualquer cláusula contratual. Refutou a repetição do indébito e a pretensão de readequação. Negou prática de ato ilícito, rejeitando o pedido reparatório. Encerrou com pedido de improcedência.

Réplica no evento 13.

As partes foram intimadas para produção de provas, evento 14.

A parte ré requereu a improcedência, ao passo que, silenciou a parte autora, eventos 19 e 20.

Vieram os autos conclusos.

E o dispositivo:

Por todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por CIRIACO HIDALGO NETO em face de BANCO BMG S.A., forte no artigo 487, I do Novo Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários em favor do procurador da parte adversa, que fixo em 20% sob o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º do NCPC. No entanto, diante da gratuidade judiciária deferida, resta suspensa a exigibilidade do pagamento, condição esta que poderá ser revista nos limites do art. 98, §3º do NCPC.

Outrossim, por reputar a parte autora litigante de má-fé, já que alterou a verdade dos fatos, procedeu de modo temerário e provocou incidente manifestamente infundado, ao alegar não possuir relação jurídica com a parte ré, o que restou comprovado em contrário no curso da lide, nos termos da fundamentação acima, condeno-a ao pagamento de multa no valor correspondente a três (03) vezes o valor do salário-mínimo nacional, com base no art. 80, inc. II, c/c o art. 81, “caput” e § 2º, do CPC, sem suspensão da exigibilidade, uma vez que de trata de sanção processual não abrangida pela gratuidade judiciária.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se, devendo a parte autora ser intimada na pessoa de seus procuradores, por NE, e, também, pessoalmente, por carta AR, como acima já determinei.

E, em caso de interposição de recurso por qualquer dos litigantes, intime-se a parte adversa para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal. Após, proceda-se à remessa dos autos ao Tribunal competente para apreciação.

Com o trânsito e nada sendo requerido, arquivem-se os autos com baixa na Distribuição.

Em suas razões recursais, a parte alegou que foram trazidos aos autos a comprovação da conduta ilícita do banco, bem como os comprovantes de pagamento da dívida, pois, mês a mês, vem sendo descontado de seu beneficio o valor total de R$ 52,25, e também é feita a retenção da margem nos beneficio previdenciário, sendo que a parte apelante nunca usou o cartão, apenas foi comprovado o depósito de valores em sua conta. Afirmou que, no momento da contratação, o banco não disponibilizou informações referentes às taxas de juros e demais encargos incidentes, bem como não havia data fim de tais descontos nos benefícios previdenciários da parte apelante. Sustentou que jamais solicitou um valor que seria com pagamento eterno, estando ciente dos valores depositados em sua conta corrente lançados como empréstimo. Requereu a inexistência do Contrato n. 12571245, no NB 141.994.682-7, no valor de R$ 52,25 por mês, desde em 04/02/2017 até o presente momento, da modalidade “Empréstimo Pessoal Consignado da RMC”; igualmente, declare inexistente a Reserva de Margem Consignável, condenando o réu à restituição dos valores descontados a título de cartão de crédito. Postulou a condenação do demandado à indenização por danos morais in re ipsa, diante da conduta ilícita praticada. Requereu o afastamento da litigância de má-fé. Pugnou pelo provimento do apelo com a procedência da demanda.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões.

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentado o recurso dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, dispensado de preparo devido à gratuidade de justiça concedida (Evento 31). Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no duplo efeito.

RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA – NULIDADE DA CONTRATAÇÃO.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito está regulada pelo art. 1º da Resolução n. 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

"RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário,...

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