Acórdão nº 50050819320188210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50050819320188210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Turma Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002182815
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005081-93.2018.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: DINO MAURICIO TRETTO (AUTOR)

APELANTE: OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

DINO MAURICIO TRETTO e OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpuseram recursos de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 17):

Em face do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DINO MAURICIO TRETTO em face de OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, resolvendo o mérito, forte no artigo, 487, inciso I, do CPC, para o fim de:

a) Deferir a tutela de urgência pleiteada, para determinar que a ré se abstenha de incluir o nome do autor nos cadastros restritivos de crédito pelo contrato objeto destes autos ou, caso já tenha incluído, promova a sua exclusão no prazo de 05 dias úteis, sob pena de multa diária de R$ 200,00, consolidada em 30 dias, e para assegurar a manutenção da posse do bem ao autor;

b) Declarar a ilegalidade dos juros remuneratórios contratados, limitando-os à taxa média divulgada pelo BACEN ao tempo da contratação, qual seja, de 22,34% ao ano;

c) Descaracterizar a mora desde o inadimplemento;

d) Determinar a compensação e/ou repetição de indébito dos valores pagos a maior, que deverão ser restituídos à parte autora de forma simples, devidamente atualizados pelo IGP-M desde o pagamento e com juros de mora de 1% a.m. desde citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno o autor e a ré ao custeio das custas processuais, metade para cada um, e dos honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, que fixo em R$ 1.000,00 (art. 85, §8º, CPC). Suspensa a exigibilidade do pagamento em relação à parte autora, por ser beneficiária da gratuidade judiciária.

Retifique-se a natureza da ação, passando a constar como revisão de contrato.

Em suas razões recursais o consumidor alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a redução dos juros remuneratórios para 6% ou 12% ao ano, a exclusão da capitalização mensal dos juros, a descaracterização da mora, a compensação e a repetição de indébito e o deferimento da tutela provisória de urgência para ser mantido na posse do bem, depositar os valores entendidos como devidos e não ter seu nome inscrito nos órgãos restritivos ao crédito. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e a majoração do valor fixado para os honorários advocatícios. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira, por sua vez, alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Preliminarmente, arguiu a ocorrência de falta de interesse de agir do autor em face do pagamento integral do contrato e asseverou que o autor tem capacidade financeira de arcar com as despesas do processo e os honorários advocatícios sucumbenciais, devendo ser revogado o benefício da gratuidade judiciária. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados, que não é caso de descaracterização da mora, que não há ilegalidade na cobrança de todos os encargos moratórios previstos no contrato, que não é caso de permitir a compensação e a repetição de indébito e que deve ser revogada a antecipação de tutela concedida. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo.

Somente a instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 29).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº 1.01777.0000457.18) foi firmado em 07/2018, no valor de R$ 7.004,52, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 5,82% ao mês e de 97,16% ao ano sobre o valor financiado (evento 2 - OUT - INST PROC5).

QUESTÃO PRELIMINAR

ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATO QUITADO. INOVAÇÃO RECURSAL

De acordo com o art. 1.014 do CPC, é defeso que o Tribunal admita exame de matéria nova arguida em apelação, sem que o recorrente comprove que deixou de fazer anteriormente por motivo de força maior.

Para corroborar a compreensão quanto ao ponto, oportuno reproduzir trecho da Doutrina citada na obra Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 2073:

“3. Proibição de inovar. Por inovação entende-se elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição (Fasching, ZPR, n. 1721, p. 872). Não se pode inovar no juízo de apelação sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda). Todavia, a norma comentada permite que sejam alegadas questões novas, de fato, desde que se comprove que não foram levantadas no primeiro grau por motivos de força maior. Pela proibição do ius novorum prestigia-se a atividade do juízo e primeiro grau (Holzhammer. ZPR, p. 322; Barbosa Moreira. Coment. CPC, n. 248, pp. 452/454). O sistema contrário, ou seja, o da permissão de inovar no procedimento da apelação, estimularia a deslealdade processual, porque propiciaria à parte que guardasse suas melhores provas e seus melhores argumentos para apresenta-los somente ao juízo recursal de segundo grau (Barbosa Moreira, Coment. CPC, n. 248. Pp 452/454). Correta a opção do legislador brasileiro pelo sistema da proibição de inovar em sede do recurso de apelação.

Desse modo, considerando que a instituição financeira não apresentou a alegação de impossibilidade de revisão de contrato extinto pelo pagamento na contestação, operou-se a preclusão consumativa.

A par disso, a meu sentir, inexiste óbice legal que impeça a revisão judicial do pacto encerrado.

Na lição colhida no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (Comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., Forense, 2001, p. 504) resta assentado o entendimento sobre as invalidades das cláusulas abusivas, no seguinte teor: Sendo matéria de ordem pública (Art. 1º, CDC), a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao juiz o dever de pronunciá-la de ofício.”

A questão encontra ressonância na Corte, haja vista que o entendimento adotado é no sentido de que cláusulas nulas de pleno direito não se convalidam pela novação, repactuação ou quitação do negócio originário.

AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL

É cediço que o interesse em recorrer constitui requisito à admissibilidade dos recursos.

Nesse sentido, cito as lições de Nelson Nery Junior, respectivamente, em Teoria Geral dos Recursos, 7ª edição, Editora RT, 2014, p. 300 e Comentários ao Código de Processo Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª tiragem, Editora RT, 2015, p. 1992.

“Da mesma forma com que se exige o interesse processual para que a ação seja julgada pelo mérito, há necessidade de estar presente o interesse recursal para que o recurso possa ser examinado em seus fundamentos. Assim, poder-se-ia dizer que incide no procedimento recursal o binômio necessidade + utilidade como integrantes do interesse de recorrer.

Deve o recorrente ter necessidade de interpor o recurso, como único meio para obter, naquele processo, o que pretende contra a decisão impugnada. Se ele puder obter a vantagem sem a interposição do recurso, não estará presente o requisito do interesse recursal”

“21. Requisitos de admissibilidade: interesse em recorrer. Consubstancia-se na necessidade que tem o recorrente de obter a anulação ou reforma da decisão que lhe for desfavorável. É preciso, portanto, que tenha sucumbido, entendida a sucumbência aqui como a não obtenção, pelo recorrente, de tudo o que poderia ter obtido no processo. Assim, ainda que tenha se saído vencedor da demandada, pode ter sucumbido e, consequentemente, ter interesse em recorrer”.

Frente ao exposto, não conheço do apelo do consumidor em relação aos pedidos de descaracterização da mora, compensação e repetição de valores e deferimento da antecipação de tutela, tendo em vista que já foram acolhidos na sentença, o que configura ausência de interesse recursal em relação às matérias.

Desse modo, não conheço do apelo da instituição financeira em relação aos pedidos e fundamentos atinentes a validade dos encargos incidentes no período da inadimplência, tendo em vista que a sentença não acolheu o pedido do consumidor em relação a essas matérias e o contrato foi mantido, o que configura ausência de interesse recursal por parte da instituição financeira quanto aos tópicos.

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO.

Nos termos do que dispõe o caput do art. 98 do novo Código de Processo Civil, terá direito à gratuidade judiciária a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Art. 99, §3º CPC. Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Todavia, a declaração de pobreza não gera presunção absoluta da condição de necessitado do postulante, constituindo-se presunção iuris t...

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